Tucanos sem ninho e sem rumo

Depois de 35 anos, PSDB é despejado do histórico gabinete da liderança no Senado. E sua mini-bancada pode encolher ainda mais. Crise de identidade gera atritos entre liderança nacional e caciques da sigla – e desenterra antigo flerte com o bolsonarismo

Foto: Luigi Mazza
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Por Luigi Mazza, na Piauí

O adesivo da porta ainda diz, em letras douradas: “Liderança do PSDB.” O gabinete, porém, tem as portas trancadas. Do lado de dentro, podem-se ver duas mesas, um sofá, tudo tomado por um breu. “Tá assim tem uns quinze dias. Só a gente tá entrando”, diz uma faxineira, ao passar por ali. Servidores do Senado e turistas em excursão passam diariamente em frente ao antigo todo-poderoso bunker tucano, hoje um gabinete vazio, sem luz ou funcionários.

O PSDB começou o ano com quatro senadores. Mas, em janeiro, Mara Gabrilli trocou o tucanato pelo PSD. Depois, em junho, foi a vez de Alessandro Vieira abandonar o barco rumo ao MDB. Pelas regras do Senado, só têm direito a gabinete de liderança os partidos com três ou mais senadores. O PSDB, por isso, recebeu uma cartinha de despejo assim que Vieira se desfiliou: tinha noventa dias para esvaziar o imóvel. Caso conseguisse filiar algum senador até lá, atingindo assim a cota mínima, poderia permanecer no gabinete.

Não foi o que aconteceu. O prazo venceu no final de setembro e, dali a alguns dias, veio o despejo. Cerca de quinze assessores eram lotados no gabinete, alguns havia mais de década. Parte deles foi realocada, outros foram demitidos, e o partido perdeu status: seu gabinete sempre foi o mais cobiçado da Casa. Além de espaçoso, com uma comprida mesa de reuniões e diferentes ambientes de trabalho, ele fica localizado no Salão Azul, de frente para o plenário e para o comitê de imprensa, e ao lado do gabinete da presidência do Senado. Despacharam no gabinete todos os líderes tucanos desde 1988, entre eles Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas. Nos turbulentos anos de 2015 e 2016, arquitetou-se ali a participação do PSDB no impeachment de Dilma. A perda do gabinete, embora tenha efeito mais simbólico do que prático, marca mais um capítulo da crise permanente do partido.

Izalci Lucas (PSDB-DF), o líder tucano, se dividia entre o gabinete da liderança e o seu próprio, localizado a alguns metros dali, no Anexo I do Senado. Com a perda do primeiro, teve de levar todas os seus pertences para o segundo. Procurada pela piauí, a presidência do Senado não respondeu o que será feito com o espaço vazio. Embora a repartição seja visada por vários partidos, é possível que ela passe a servir à Secretaria-Geral da Mesa, órgão que concentra toda a burocracia do Senado.

Plínio Valério (PSDB-AM), único tucano que restou ao lado de Izalci, lamenta a perda. “Muita gente competente foi demitida. Um cara super bom, nosso assessor há anos, foi trabalhar com o astronauta [senador Marcos Pontes]. Teve que correr atrás, apresentar currículo”, diz Valério. Ele conta que, de uns tempos pra cá, o encolhimento do PSDB virou motivo de gozação entre senadores. “Quando eu tô com o Izalci, o pessoal chega e pergunta: ‘E aí, a bancada rachou?’ É foda, né. Eu até já me antecipo à brincadeira.”

O PSDB ainda vive o rescaldo da pior eleição de sua história. Em 2022, não lançou candidato a presidente, perdeu o governo de São Paulo depois de quase três décadas no poder e elegeu catorze deputados – metade do que tinha conseguido em 2018, que, por sua vez, era metade do que tinha em 2014. Já teve oito governadores, mas dessa vez só emplacou três. No Senado, onde nos tempos de ouro comandava um latifúndio, chegando a ter catorze senadores, o PSDB elegeu só quatro representantes, e ainda foi minguando.

O partido, por isso, mergulhou numa crise de identidade. Seu presidente, o governador Eduardo Leite (PSDB-RS), encomendou no começo do ano o trabalho de uma consultora empresarial para entrevistar militantes tucanos e bolar, a partir disso, um novo programa partidário. Ele queria saber: o PSDB é um partido de centro-direita ou de centro-esquerda? É a favor ou contra a legalização da maconha? É oposição ou base do governo Lula? A consultoria se encerrou em agosto, culminando num encontro nacional dos tucanos em Brasília. Na ocasião, foi lançada a nova identidade visual do partido – saiu a bandeira do Brasil, remanescente da era Doria, entrou um tucano verde e amarelo – e se anunciou uma “carta-síntese”, resumindo em sessenta páginas os principais posicionamentos do PSDB.

A ideia era inaugurar uma nova fase na vida do partido, mas pouca coisa mudou desde então. O que mudou, foi para pior: como já era previsto, o PSDB está vivendo uma debandada no estado de São Paulo. Tinha mais de 200 prefeitos, hoje tem cerca de 40. É provável que o número diminua ainda mais nos próximos meses. Os tucanos estão trocando de partido para se filiar à base do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). 

Em setembro, outra má notícia: uma juíza de primeira instância anulou todas as manobras partidárias que haviam sido feitas para empossar Leite na presidência do PSDB e ordenou, por isso, a convocação de uma nova eleição. A sentença foi resultado de um processo judicial movido por Orlando Morando, prefeito de São Bernardo do Campo, um tucano aliado de Doria que é hoje o mais vocal adversário de Leite. O PSDB recorre da decisão.

O governador não foi afastado do cargo, mas se fragilizou. Neste mês de novembro será realizada a convenção nacional do PSDB, ainda sem data marcada, quando os tucanos poderão eleger um novo presidente. Não se sabe ainda se Leite vai concorrer. “Ele tem recebido apelos pra ficar. Não é fácil encontrar um sucessor”, diz o deputado federal Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG). O nome de Aécio Neves foi ventilado, mas, segundo Abi-Ackel, isso “não está nos planos” do ex-presidenciável. Outros nomes, como os dos ex-senadores Tasso Jereissati e José Aníbal, circulam nas rodas de conversa.

Plínio Valério, embora não esconda a insatisfação com Leite, acha que sua permanência no cargo de presidente do PSDB é uma imposição moral. “Nós botamos o Eduardo nesse projeto. Ele não queria, nós o convencemos. Agora temos obrigação de continuar com ele.” Para Leite, ficar no cargo pode ser bom para viabilizar sua candidatura à Presidência em 2026, que ele não confirma nem nega. “O PSDB deve ter candidato em 2026, trabalharei pra isso. Se serei eu, não sei”, disse Leite à piauí em junho, acrescentando: “É legítimo que quem foi prefeito e governador tenha essa aspiração.”

Izalci Lucas, líder tucano no Senado, fez o que pôde para manter o gabinete da liderança. Em setembro, conseguiu a filiação do senador Marcos do Val ao PSDB. Com isso, o partido passou a ter três senadores, mínimo exigido pelas regras da Casa. A notícia, no entanto, pegou de surpresa a direção nacional do partido, que não concordava com aquilo: Do Val é um senador abertamente bolsonarista, daqueles que defendem a liberação do porte de armas para a população civil e atacam ministros do Supremo Tribunal Federal. Horas depois do anúncio da filiação, o PSDB afirmou, por meio de nota, que vetaria a entrada de Do Val.

Questionado se não avisou à direção nacional, Izalci desconversa: “Falei com a Nacional pra pedir o telefone da direção do partido no Espírito Santo. Liguei pro Vandinho [Leite, presidente do PSDB capixaba] e pro Ricardo Ferraço [vice-governador do Espírito Santo], e eles encheram a bola do Marcos do Val. Concordaram, eu fiz a filiação.” O senador também consultou seu colega de bancada, Plínio Valério, que diz ter respondido: “O que for melhor pra ti, Izalci, é pra mim.” Embora não tenha participado da polêmica, ele se solidariza com o colega. “O partido torceu o nariz, preferiu ficar sem gabinete de liderança. Eu acho que não deveriam ter torcido o nariz. Deveriam ter escutado o Izalci”, diz Valério. “Quem somos nós pra rejeitar alguém?”

Os integrantes da Executiva Nacional minimizam a crise. “Ter ou não ter gabinete de liderança não faz a menor diferença pro partido como um todo”, diz o deputado Paulo Abi-Ackel, secretário-geral do PSDB. “Mas lamentamos pelos funcionários que perderam suas vagas. Não tem o que fazer. Temos que trabalhar. O fato de termos perdido o gabinete não quer dizer que amanhã não vamos trazer mais dois ou três senadores pro partido.”

Valério retruca. “A direção nacional não liga muito pro Senado, isso é nítido”, ele afirmou, ao receber a piauí em seu gabinete, na semana passada. “Aécio tá me ligando hoje desde cedo, diz que quer conversar comigo, mas, porra, eu não posso estar disponível quando o cara quer. A gente marcou uma conversa à tarde outro dia, mas depois ele disse que não estava disponível. Então não vai ter tão cedo”, desabafou. “Não tô com raiva, não, só tô dizendo que não posso estar disponível a hora que eles querem.”

A mini-bancada tucana pode encolher ainda mais. “Hoje tenho convite de filiação do PL, do Podemos, do PP e do Novo”, enumera Valério. “Antes eu não recebia convite de ninguém. Não precisavam me convidar, sou do PSDB, caralho. Agora todo mundo acha que pode me fazer isso. É chato.” O senador diz que não vai largar o tucanato – “pelo menos não até as eleições municipais. Depois, posso pensar. A gente não pode também se sacrificar por amor.”

Já Izalci, diz Valério, está de malas prontas. “O caminho dele é o PL. Se o PL aceitar o Izalci, ele sai candidato ao governo de Brasília em 2026, com chance de ganhar. Pra ele, é um puta negócio.” Não seria surpreendente: além de acumular desgastes com a direção do PSDB, Izalci sempre foi próximo da base bolsonarista, a ponto de ser líder do governo Bolsonaro no Senado. Votou para facilitar o acesso a armas, é favorável ao homeschooling e fez campanha pelo então presidente nas eleições passadas. Ao ser perguntado se vai mesmo sair do PSDB, Izalci responde secamente: “Não sei. Depende da conjuntura.”

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