Submissão e medo dos trabalhadores no Brasil

As estratégias do capital para vampirizar países periféricos. Desemprego e polícias, centrais no controle das massas empobrecidas. Bolsonaro e a nova fase do ultraliberalismo do Brasil. A estupidez de um sistema que cava sua própria cova

Imagem: Rahel Patrasso/Reuters
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Segundo o cientista social Rui Mauro Marini (um dos formuladores da conhecida Teoria da Dependência) as principais formas a partir das quais a superexploração se manifesta, especialmente nos países subdesenvolvidos, são:

1. Prolongamento da jornada de trabalho;

2. Intensificação do ritmo do trabalho;

3. Violação do valor da força de trabalho.

No Brasil a classe dominante combina essas três formas de explorar o trabalhador, acima do que poderia ser considerado “normal”. É comum o trabalhador trabalhar muitas horas, num ritmo muito forte, e receber salários muito baixos. A partir destas três formas principais de superexploração, as combinações são as mais variadas. Cada uma dessas formas gerais se concretiza em vários métodos específicos de extrair mais da força de trabalho.

Esse processo de superexploração, que enfrentam principalmente os trabalhadores dos países subdesenvolvidos – mas não exclusivamente – é extremamente funcional ao sistema capitalista mundial. Ou seja, não se trata de uma “distorção” do mercado de trabalho, verificada nos países subdesenvolvidos. Longe disso. Há uma relação entre as condições de vida que uma parte dos trabalhadores ainda dispõe no centro capitalista (cada vez em menor número) e os superexplorados da periferia.

Na sociedade capitalista a noção de que o trabalho é explorado pelo capital é quase lugar-comum. Mas as formas concretas dessa exploração evoluíram ao longo do tempo. Por exemplo, com a grande crise capitalista de 1974 foi lançada, alguns anos depois, a política neoliberal que, basicamente significou a destruição de forças produtivas, para tentar retomar os níveis de lucratividade do capital anteriores à crise de 1974. Ao mesmo tempo, a política neoliberal fez de tudo para rebaixar os níveis de vida das populações do mundo todo e destruir direitos sociais e trabalhistas em escala industrial. No centro e na periferia. Esta política já dura mais de 40 anos.

A crise que o capitalismo está vivendo, como a maioria das crises capitalistas, é de superprodução, ou seja, de excesso de mercadorias em relação à capacidade de consumo da sociedade. O sistema não consegue manter a lucratividade do capital, com a quantidade de forças produtivas existentes. A chegada das políticas neoliberais destruiu forças produtivas, e também as condições de vida das populações. Além disso, ao invés dos gastos do Estado serem destinados a políticas sociais, eles são voltados a atender as necessidades do capital. Pudemos observar o que foi gasto com bancos pelos governos do mundo todo, na crise de 2007/2008. Foram vários trilhões de dólares. Como é utilizado dinheiro público para essas operações, a sociedade como um todo paga o subsídio público ao capital. O Estado capitalista existe para isso, servir a burguesia.

Desde a grande crise de meados de 1970, a política imperialista para enfrentar a crise mundial de superprodução tem sido uma só: privatizações, destruição de forças produtivas (tanto na periferia, quanto no centro capitalista), destruição de direitos e elevação dos níveis de exploração da força de trabalho. Como o imperialismo não tem outra política que substitua essa, todas as manobras políticas, os golpes de Estado, o apoio a extrema direita (como no Brasil em 2018, na fraude eleitoral que colocou Bolsonaro na presidência), visam criar as condições para aprofundar ainda mais essas políticas neoliberais.

Num cenário de desindustrialização e superexploração, e de busca do Estado mínimo almejado pelos neoliberais, a exploração do trabalhador aumentou muito. Surgiram várias formas de aumentar a exploração do trabalhador (terceirização, trabalho por aplicativos, etc.), que se somaram às formas mais tradicionais de exploração (trabalho sem registro, informal). Os trabalhadores dos chamados aplicativos, além de serem explorados através de muitas horas diárias de trabalho, e rendimento líquido final irrisório, são ainda vitimados por um nível bastante elevado de alienação do trabalho. Não se consideram trabalhadores, imaginam que são empreendedores, livres para fazer os seus próprios horários de trabalho. Sem organização sindical, e portanto, sem parâmetros sociais e históricos para avaliar sua condição no mercado de trabalho, ficam sozinhos, inclusive, na análise da sua situação. O nível de alienação é tão elevado que realizam um tipo de autoexploração.

O fenômeno da superexploração em sociedades como a do Brasil gera um ambiente de intensa violência estrutural contra a maioria da população. As várias formas de superexploração do trabalho, agressivas por si só, levam a uma intensa violência contra a população em geral. Não é por acaso que a polícia brasileira é a que mais mata no mundo. A matança permanente de pobres, especialmente jovens negros, é uma forma de manter o medo e a submissão da classe trabalhadora. É a força de violência e coerção do Estado da burguesia garantindo as condições para os trabalhadores aceitarem um regime de brutal superexploração.

Essa natureza violenta da sociedade brasileira – que obviamente está ligada também à conformação histórica do Brasil, assunto para o qual não temos espaço aqui – se manifesta pelos indicadores socioeconômicos também. Por exemplo, após o país ter saído do Mapa da Fome da ONU, em 2014, temos no país 43 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar. Isto é, 20% da população, no país que é o segundo produtor de alimentos do mundo. Esta, que é principalmente uma decisão política da burguesia brasileira, é de uma violência desmedida contra a população

Além da superexploração estrutural dos trabalhadores brasileiros, a política neoliberal enfraqueceu a organização sindical e política da classe e desmontou o chamado Estado do Bem-Estar Social, existente principalmente na Europa. Essa política, que é extremamente destrutiva, provocou um retrocesso enorme na sociedade, e também nas conquistas da classe operária no mundo todo. O desemprego aumentou, todos os direitos conquistados depois da Segunda Grande Guerra, num contexto da Guerra Fria, foram sendo esfarelados, e espalhou-se o chamado emprego precário no mundo todo.

Nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, que estão entre os piores da história do Brasil, direitos e a economia nacional foram destruídos em escala industrial. A política de FHC foi explosiva para o país: entrega de estatais a preço de banana (conhecida como privataria), destruição intensiva de direitos sociais e aumento da vulnerabilidade externa. Quando Fernando Henrique Cardoso afirmou que iria sepultar a era Vargas, em 1995, ele se referia não apenas à dramática redução da presença do Estado na economia, mas também estava dando um recado que os direitos trabalhistas iriam ser dizimados. Como realmente o fez, em boa parte.

Como há uma crise internacional muito profunda, o sistema financeiro mundial (que é quem dá as cartas realmente no processo do Brasil), quer mais e precisa extrair mais do país. Estão destruindo direitos, enfraquecendo os sindicatos, entregando patrimônio, fatiando a Petrobrás, estão tentando desmontar o setor público e acabando com direitos históricos dos servidores. A destruição de direitos e da pouca democracia existente, e o aumento dos níveis de desigualdade, estão colocando o Brasil na mesma situação da Europa no fim do século 19. A partir da aprovação da Reforma Trabalhista de 2017, o Brasil assistiu ao maior ataque da história contra a CLT: foram alterados mais de cem pontos nas leis trabalhistas, trazendo, entre outras violências, o trabalho intermitente, o trabalho parcial, as terceirizações para as atividades-fim, a exposição de trabalhadoras grávidas a ambientes insalubres de trabalho.

Bolsonaro vem cumprindo, em dois anos de governo, promessa feita nos Estados Unidos, em jantar com representantes da extrema-direita, de que teria chegado ao poder para levar adiante um projeto de destruição nacional. “O Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos construir coisas para o povo. Nós temos que desconstruir muita coisa”, afirmou em 18/03/2019, na sede da Agência Central de Inteligência norte-americana (CIA), em Washington. Esse cenário abriu as portas para uma generalização de formas de trabalho cada vez mais precárias, apartadas quase por completo de qualquer garantia de direitos. Fatores que agravam imensamente a superexploração do trabalho no Brasil.

A superexploração da força de trabalho na periferia capitalista, na medida em que transfere maiores quantidade de valor para os países imperialistas, exerce uma importante funcionalidade na engrenagem capitalista internacional. Portanto, o sistema capitalista internacional não suporta melhorias das condições de vida do povo, mesmo que superficiais. Um exemplo recente: a Lei de Partilha definiu em 2010 que uma boa parte da renda petroleira do pré-sal iria para o povo brasileiro, através de investimentos em educação e saúde públicas. Este foi um dos fatores que levou o imperialismo a organizar um golpe de Estado no país, instalar o horror ultraneoliberal e colocar a extrema direita fascista no poder.

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