Quem pressiona pela alta dos juros

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Em três textos didáticos, Luís Nassif atira: grandes aplicadores e mídia tentam criar “consenso” interesseiro; estratégia montada por Dilma pode estar furada

A inutilidade do gradualismo cambial

(Quarta, 20/04/2011 – 09:58) Não vai dar certo essa estratégia gradual para inverter a política monetária e a apreciação do real.

No ano passado, antes mesmo de terminadas as eleições, a futura equipe econômica de Dilma Rousseff montou a estratégia que consistia em uma alteração lenta e segura da rota da política monetária.

Primeiro, a Fazenda abrandaria as criticas contra o excesso de conservadorismo da era Henrique Meirelles, passaria a defender um cambio em moderadamente desvalorizado e a enfatizar a importância de se manter os juros como pilar central da política monetária.

De seu lado, o Banco Central passaria a introduzir as chamadas medidas prudenciais, tentar ampliar o universo de pesquisas da Focus (que hoje em dia mede exclusivamente as expectativas de economistas de mercado), começar a desenvolver novas planilhas de medição da inflação a fim de permitir ao mercado segurança para aceitar as mudanças propostas.

Essa estratégia lenta, gradual e segura foi atropelada pelos fatos. Mais especificamente pelo choque de liquidez arquitetado pelo FED, o BC norte-americano.

O estouro nos preços das commodities, a desvalorização abrupta do dólar criou uma nova realidade. Com o real nos níveis atuais, em relação ao dólar, está ocorrendo uma devastação nas principais cadeias produtivas brasileiras. Esse desmonte nao será corrigido mais à frente, mesmo com uma desvalorização cambial.

A estrutura produtiva não é como uma mesa de corretora, que pode mudar de posição meramente apertando botões.

Está lavrando uma fogueira combatida com canecos de água.

 

A Selic e a festa do caqui

(Terça, 19/04/2011 – 09:13) Poucas decisões do COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central, que define a taxa Selic) foram tão polêmicas quanto a da próxima quarta-feira, que definirá a nova taxa.

Desde o ano passado, o Banco Central tomou a decisão de largar a ortodoxia ligeira de combater aumentos de inflação exclusivamente com taxas de juros. Seguindo uma mudança correta de rumos, que ocorre em nível global – endossada pelo próprio FMI -, o BC passou a aplicar um mix de medidas, como aumento do compulsório, redução de prazo de financiamento, exigência de maior valor à vista nos financiamentos, medidas com efeito imediato sobre consumo.

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No final do ano, coincidiu com movimentos novos na economia internacional, especialmente a inundação de dólares no mercado internacional promovendo uma explosão nos preços das commodities e das moedas de países emergentes.

Houve um aumento da inflação puxado fundamentalmente por fatores externos – sobre os quais as medidas internas têm pouca eficácia. Mas tenta-se compensar em outros preços a alta registrada nas commodities.

Tomadas as medidas, sempre se espera um tempo para avaliar os resultados. Há sinais claros de desaquecimento da economia no horizonte. Estatisticamente, à medida que foram sendo expurgados os últimos meses do ano da inflação oficial, ela tenderá a cair substancialmente.

Por isso mesmo, qualquer visão prudencial da economia sugeriria que o Copom manterá inalterado a taxa Selic.

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A reação do mercado foi curiosa. Literalmente, rasgou a fantasia.

Começou pelo discurso em Washington do presidente do BC Alexandre Tombini, um discurso convencional, avaliando a super-liquidez internacional e alertando para os riscos futuros, de elevação das taxas de juros das economias desenvolvidas.

Imediatamente saíram as primeiras notas nos jornais sugerindo que a fala de Tombini indicaria a propensão do BC em elevar em meio ponto a Selic. Puro chute, desmentido na sequencia pelo BC.

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Ontem na Internet foi a verdadeira farra do boi. Um leitor do meu blog coletou as manchetes dos principais portais:

IG: Notícia enviada por Mercado eleva projeção de inflação no ano – Previsão para IPCA sobe para 6,29% em 2011 e encosta no teto da meta estipulada pelo governo.

G1 – Mercado prevê subida dos juros para 12,25% ao ano.

Folha – Mercado prevê inflação de 6,29% neste ano, aponta Focus

Estadão – Mercado eleva pela 6ª semana projeção da inflação, para 6,29%

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Ontem tive longa conversa com dois executivos que têm o pulso da economia na mão: Lázaro Brandão e Luiz Carlos Trabucco Cappi, presidente do Bradesco.

Opinião unânime:

  • aumento de meio ponto na Selic em nada afetará a trajetória da inflação;
  • o aumento nas expectativas de taxas de juros futuras se deveu à interpretação errada da fala de Tombini;
  • a China aumenta o compulsório em meio ponto e consegue interferir na atividade econômica; no Brasil não é possível porque a taxa de juros é tão elevada que interferiu na eficácia de todos os demais remédios monetários

A pressão pela alta da Selic

(Domingo, 17/04/2011 – 09:35) O ex-Ministro Antônio Delfim Netto sempre foi um sábio cético, conhecedor profundo dos meandros da economia e da cabeça de políticos, empresários e economistas.

Na presidência do Conselho de Economia da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), convidou diversos “cabeças de planilha” para integrar o órgão e abriu amplo espaço para suas apresentações. A intenção era uma discussão aberta que permitisse diluir os chavões do pensamento de mercado.

Nas últimas semanas, parece ter caído a ficha do velho mago. Não existe a chamada teoria econômica científica, neutra. Primeiro, definem-se os interesses de grupos. Depois, adota-se a teoria que melhor atendam a esses interesses.

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É o caso agora da pressão pelo aumento de juros. Há dois enormes desafios pela frente, frutos da conjuntura internacional e da interna.

Internacionalmente, um enorme aumento da liquidez internacional – consequência da decisão norte-americana de inundar o mercado de dólares, que provocou dois movimentos simultâneos. De um lado, um choque de preços das principais commodities internacionais, com reflexos sobre a inflação mundial – e a brasileira. De outro, uma invasão de dólares especulativos, provocando apreciação perigosa do real.

Quanto mais aumenta o diferencial de juros, maior a valorização do real, com todas as consequências conhecidas: destruição gradativa do parque industrial brasileiro, aumento do rombo nas contas externas, necessidade de ampliação dos custos financeiros de carregamento de reservas cambiais etc.

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O aumento de juros tem uma função única: reduzir a demanda interna.

Há outras maneiras de se atuar sobre a demanda, redução de prazos de financiamento, cobrança de IOF sobre crédito, aumento no compulsório, enfim um conjunto de medidas – denominadas de “prudenciais”- que reduzem a atividade econômica, sem pressionar o câmbio.

Há um porém. Quando aumentam os juros, há ganhadores – os investidores em renda fixa e, mais que isso, o capital externo que ganha com juros e com a apreciação cambial. É isso o que define o tom das críticas

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Há sinais claros de queda da atividade econômica.

Os principais focos de alta de preços até agora – alimentos – deverão entrar em franca desaceleração com a nova safra. No momento, os índices anualizados de inflação devem-se exclusivamente a efeitos sazonais.

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Por exemplo, os preços agrícolas no IPA (Índice de Preços no Atacado) subiram 18,7% apenas entre agosto e novembro do ano passado. De janeiro a abril, vieram se somar mais 7,3%.

À medida que da contagem do acumulado de 12 meses os meses do segundo semestre do ano passado forem sendo substituídos por índices menores nos mesmos meses de 2011, cairá o IPA agrícola e o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado).

Se a inflação média de alimentos no atacado se fixar em 0,18% de maio em diante, a inflação anual de alimentos cairá dos 28,24% do ano passado para 8,83% este ano.

É uma questão de meses para começar a haver a redução da inflação acumulada do IPCA. Mas, enquanto não vem, há o jogo pesado para aumentar os juros.

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4 comentários para "Quem pressiona pela alta dos juros"

  1. Mauro disse:

    O povo brasileiro é extorquido diretamente pelos juros quando toma empréstimos, usa cheque especial ou qualquer outra forma de crédito, e indiretamente, pagando impostos cuja arrecadação escorre para o pagamento da dívida pública nos três níveis da Federação.

  2. ZENIO disse:

    …no que foi “aplaudida” pelos outros dois coleguinhas de programa radiofônico pretensamente dedicado a “atualidades”… Na verdade mais do mesmo, sempre!!!

  3. ZENIO disse:

    Enquanto isso, aqui nos pagos, cheia de ironia e de enfado, uma jornalista da RBS, associada da GLOBO nestas plagas, do alto do seu profundo conhecimento da economia, recomendava “responsabilidade” aos membros do COPOM que acabara de baixar meio ponto percentual na SELIC…
    Como se diz nesta terra: o duro de criar patos é ter de escutar o quá… quá… quá!!!

  4. Julio Spinola disse:

    “A MEDIDA DA INFLAÇÃO NÃO É BOA? TROQUE-SE A RÉGUA”…
    …começar a desenvolver novas planilhas de medição da inflação a fim de permitir ao mercado segurança para aceitar as mudanças propostas….

    Há outras maneiras de se atuar sobre a demanda, redução de prazos de financiamento, cobrança de IOF sobre crédito, aumento no compulsório, enfim um conjunto de medidas – denominadas de “prudenciais”- que reduzem a atividade econômica, sem pressionar o câmbio….
    INFLAÇÃO DE CUSTOS OU DE DEMANDA? Qual escolher?
    Se a inflação atual for resultado da redução da oferta de bens, a restrição ao crédito produtivo, que poderia saná-la, também provocará redução de oferta mantendo assim a escassês de bens continuando a influenciar no aumento da inflação. Além disto, a falta de crédito poderia, aumentar explosivamente os juros, provocando elevação da inflação pelos custos.
    A restrição ao crédito teria de ser seletiva para não voltarmos a assistir o antigo filme do dragão que não lembramos com saudade.
    ….

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