Segurança do trabalhador na mira

Governo vai “flexibilizar” 14 normas ainda este ano: indústria alega que segurança encarece a produção. Leia também: Sergio Moro escondeu encontros com indústria do cigarro; vasectomias forçadas na Igreja Universal; e muito mais

Foto: Marcello Casal Jr. /Agência Brasil
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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SEGURANÇA DO TRABALHADOR NA MIRA

O governo Bolsonaro quer flexibilizar 14 normas de segurança e saúde do trabalho em 2019. E isso deve acontecer rápido: segundo O Globo, cinco serão alteradas já no próximo mês. Entre elas, está no alvo a NR-12, que trata de regras para manuseio de máquinas e equipamentos. A NR foi criada em 1978 e sua última atualização foi feita em 2010. A indústria reclama que a norma encarece a produção.

Ainda segundo o jornal, outras 11 NRs serão alteradas ano que vem e, até 2021, todos os 37 instrumentos criados para garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores terão passado por mudanças, conforme cronograma aprovado semana passada pela Comissão Tripartite Paritária Permanente, a CTPP, formada por representantes de governo, empregadores e trabalhadores.

Juízes, procuradores, auditores fiscais do trabalho e pesquisadores são contrários à flexibilização. O Ministério Público do Trabalho lembra que ocorreram 4,5 milhões de acidentes de trabalho no país entre 2012 e 2018, com 16 mil mortes – sendo que duas mil delas foram causadas por máquinas. O número de amputações ficou em 38,1 mil. O gasto da Previdência com benefícios a acidentados foi de R$ 79 bilhões. “Nosso receio é que isso seja usado para afrouxar normas fundamentais na segurança”, diz Ronaldo Fleury, procurador-geral do MPT que promete contestar as alterações na Justiça.

VASECTOMIAS FORÇADAS

Tribunais em São Paulo e Minas condenaram a Igreja Universal por impor vasectomia a dois pastores. A prática também é alvo de uma ação civil pública movida desde 2016 pelo Ministério Público do Trabalho que reúne mais de 150 processos ajuizados apenas no Rio de Janeiro, além de material de outros estados, que reivindica indenização coletiva de R$ 100 milhões. De acordo com o relato de ex-pastores, a Universal lançou mão da esterilização forçada como uma política de recursos humanos. Sem filhos, os pastores resistiriam menos a mudanças de cidade ou país. E como a Igreja custeia as despesas das famílias dos pastores, economizaria recursos. É o caso de Clarindo de Oliveira, 44, julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo em segunda instância, que condenou a Igreja a pagar R$ 115 mil em indenização. Ele conta que foi obrigado a fazer vasectomia aos 19 anos, logo depois que se casou, e que a Igreja pediu que ele escondesse a cirurgia da família. Ele foi pastor por 26 anos e relata também que havia metas financeiras de arrecadação a serem batidas. Caso não as alcançasse, era punido com mudanças de igreja, alocação em casa em piores condições e até com corte de metade do salário. A Universal afirmou à Folha que as condenações são exceção nos processos movidos contra ela.

A PROTEÇÃO QUE FALTA

Na semana passada a newsletter passou longe do caso Neymar, mas a Agência Pública trouxe uma longa entrevista que vale ser mencionada. A advogada Marina Ganzarolli, cofundadora da Rede Feminista de Juristas, parte da repercussão dessa história para tratar de forma mais ampla do problema do estupro no país – comentando ainda o projeto de lei apresentado na quinta pelo deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ), que aumenta a pena para quem faz falsas acusações. De acordo com ela, o projeto é cruel, pois já há entraves demais para as vítimas denunciarem seus agressores. 

Mas Ganzarolli afirma que o país não precisa de mais leis de proteção às vítimas, pois nossa legislação nesse sentido já é forte. O que falta sistema de enfrentamento à violência sexual que consiga aplicar as leis: “Não adianta ficar mexendo no sistema penal. Tem que mexer no sistema de proteção, assistência social, saúde, educação. (…) Eu acompanhei um caso de uma menina estuprada que foi toda ensanguentada para o hospital Albert Einstein porque era virgem e a mulher que a atendeu deu um contraceptivo de emergência pra ela, disse ‘vai na delegacia fazer um B.O’ e a mandou ela embora. Não fez um laudo, não recolheu o material, não deu coquetel antirretroviral – disse que era caro, ia aparecer na cobrança do seguro saúde e o pai dela iria ficar sabendo. Não disse nem que ela poderia pegar o coquetel em qualquer posto de saúde em até 72h, ela soube disso uma semana depois quando já não podia mais tomar. Não estou falando de um hospital público de periferia, estou falando da falta de informação técnica no Einstein. É esse nível de precariedade que a gente tem na aplicação da legislação que já existe.” 

PROBLEMAS COM VACINAS

Ontem foi Dia Mundial da Imunização. E outro levantamento da Folha sobre cobertura vacinal dá conta de sérios problemas na vacinação contra o HPV em meninos. Segundo o jornal, a meta do Ministério era vacinar 80% do público-alvo, ou seja, meninos entre 11 e 14 anos. Mas apenas 22% recebeu as duas doses da vacina e estão imunizados. Quando se olha para a situação das meninas, os números são um pouco melhores, mas também deixam a desejar. A cobertura vacinal delas, que devem ser vacinadas entre os nove e os 14 anos, é de 51%. O HPV está presente em mais da metade da população brasileira. O vírus é associado a vários tipos de câncer, como colo de útero, pênis, nas regiões vaginal e anal e também na cavidade oral.

Outro assunto que merece atenção é a encomenda de 1,2 mil doses de vacina contra a difteria feita pelo Ministério. A decisão foi tomada porque a Venezuela vive um surto da doença, enquanto por aqui a cobertura vacinal caiu nos últimos três anos. Hoje, há 12 frascos no estoque da pasta, que vai comprar as doses de um laboratório estrangeiro sob argumento de que há problemas na produção da vacina, feita pelo Instituto Butantã, em São Paulo. Procurado pelo Estadão, o Butantã afirmou que embora não tenha condições de produzir toda a demanda, pode entregar frascos diretamente aos estados sob demanda. 

E segundo o diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Luís Carlos Ferreira, em cerca de 20 anos, o esquema de imunização com muitas vacinas poderá ser substituído por poucas doses.

FIM DA MORATÓRIA?

Parece que o MEC pode voltar atrás na moratória de cinco anos para a criação de novos cursos de medicina, decretada pelo governo Temer em abril do ano passado. O ministro Abraham Weintraub pediu que a Secretaria de Regulação do Ensino Superior (Seres) analisasse o congelamento. A pasta também já teria recebido informações do Ministério da Saúde sobre demandas por médicos no país. Marco Aurelio Oliveira, secretário substituto da Seres, confirma que a decisão de suspender a moratória caberá a Weintraub e será “política”. Segundo ele, há “uma demanda muito grande (…) principalmente dos parlamentares, mas também dos mantenedores [de instituições privadas de ensino]”.

A declaração foi dada no 12º Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular. Weintraub também compareceu e defendeu, por sua vez, que o governo fortaleça o ensino privado, flexibilizando regras de regulação de cursos e instituições. A justificativa para a moratória, que abarca instituições públicas e privadas, foi a necessidade de avaliar e adequar a formação médica no país diante do aumento de novos cursos. Tudo bem contestar, mas ao que tudo indica, isso pode ser feito não em nome do interesse público, mas para fortalecer os laços entre o governo e empresas. 

E já que estamos falando no MEC, na sexta a juíza federal Renata Almeida de Moura Isaac decidiu pela suspensão dos bloqueios orçamentários de verbas destinadas às universidades e ao Instituto Federal do Acre. A Advocacia Geral da União, como era de se esperar, vai recorrer.

NO ESCURO

Sergio Moro resolveu esconder seus encontros com entidades representativas da indústria do tabaco. O ministro da Justiça recebeu um requerimento de informação protocolado pela bancada do PSOL na Câmara que pedia datas e registros dos momentos em que se reuniu com essas entidades. A resposta do ministro foi de que teria se reunido com entidades que fazem parte do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, sediado na pasta. O problema é que na agenda oficial de Moro consta um encontro com o deputado Efraim Filho em janeiro, que na verdade reuniu representantes da ETCO e do Fórum Nacional de Combate à Pirataria e Ilegalidade, associadas a empresas do tabaco. O secretário nacional do Consumidor se reuniu em 25 de fevereiro com a Sousa Cruz e a Japan Tobacco International. E, em 25 de março, outra autoridade da pasta também se reuniu com empresas. Dois dias depois deste encontro, Moro publicou a portaria criando um grupo de trabalho que estudava, dentre outras coisas, reduzir o preço do cigarro para “combater a pirataria”. Questionado pela Folha, o Ministério da Justiça primeiro negou que Moro tivesse participado de encontros, depois confirmou. Mas não explicou por que o ministro deixou parlamentares sem resposta.

Em tempo: Moro está sob escrutínio por fazer combinações ilegais com o procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato. As reportagens, baseadas em mensagens vazadas, são do Intercept Brasil.

IRRITAÇÃO COM A FIOCRUZ

Segundo a Veja, um texto assinado por duas pesquisadoras e publicado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz irritou o Ministério da Economia. É que Sonia Fleury e Virgínia Fava analisam a PEC da Previdência proposta por Paulo Guedes, comparando regimes, sistemas, modelos e diferentes tipos de reformas. A conclusão é que esta reforma é injusta, e que os mais pobres contribuirão mais (R$ 807 bi dos beneficiários do INSS; R$ 34 bi do BPC) do que servidores e militares (R$224 bi e R$ 120 bi, respectivamente). De acordo com a revista, o Ministério da Economia foi tirar satisfação com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já que a Fiocruz é uma autarquia ligada à pasta.

EXPLICAÇÃO

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do MPF encaminhou na sexta pedido de esclarecimentos ao ministro da Cidadania, Osmar Terra. Quer averiguar as denúncias de que a pasta estaria mantendo fora do ar os conteúdos do portal Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas.

MANDETTA CRITICA

Na sexta, Mandetta afirmou que pretende atualizar a tabela de preços dos procedimentos realizados no SUS. Mas, segundo o ministro, há grande confusão na tabela, já que alguns prestadores de serviços passaram a receber incentivos para complementar os valores. “Tem hospital reclamando dos valores, mas não levando em conta os incentivos. Teremos que sentar para refazer essa conta”, disse em Porto Alegre, durante evento da Federação dos Hospitais do Rio Grande do Sul. Mandetta criticou a diferença de tratamento dispensada a pacientes do SUS por instituições filantrópicas (“Nós temos uma má cultura de pensar que o paciente do SUS é de segunda ou terceira linha”) e também falou sobre os recorrentes programas de socorro federal às Santas Casas que estariam sempre, nas suas palavras, “de pires na mão” e defendeu “pagar melhor para quem tem um melhor desempenho”.

INSATISFEITOS

Segundo o Valor, o PL que altera o marco legal do saneamento básico, aprovado pelo Senado na última quinta, desagradou governo federal e companhias privadas, que pretendem atuar na Câmara para alterar o texto. Isso porque uma alteração de última hora feita pelos senadores permitiu a renovação dos contratos de programa (firmados entre concessionárias públicas e municípios sem licitação) por uma única vez. Só que o prazo adicional pode chegar a 30 anos. “Dessa forma, muitos contratos de programa acabariam só em 50 anos. Na prática, não muda nada”, disse Percy Soares, da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, ao jornal. A ideia das empresas é obrigar que essa renovação seja feita por meio de Parceria Público-Privada na segunda etapa do contrato.

MUDANÇA NECESSÁRIA
Os rompimentos de barragens que eram consideradas seguras em auditorias mostram várias coisas. Entre elas: as auditorias não estão confiáveis. Em entrevista ao IHU-Unisinos, o engenheiro Bruno Milanez defende o fim do automonitoramento, que “confunde os interesses das auditoras e das mineradoras”. Segundo ele, há técnicos na Agência Nacional de Mineração e no Ministério de Minas e Energia que querem romper com isso. “A pergunta é: eles terão força suficiente para fazer essa mudança?”, questiona.

AJUSTES
 A assinatura do tal pacto entre Executivo, Legislativo e Judiciário foi adiada.

MUITO MORTAIS

“Não está descontrolado, mas certamente não está sob controle”: é como se referiu Michael Ryan, do Programa de Emergências em Saúde, da OMS, sobre a epidemia de ebola na República Democrática do Congo. Já foram mais de dois mil casos, com mais de 1,3 mil mortes. Mas deve ser pior: a Organização acredita que um quarto das infecções não tenham sido detectadas. 

E os grandes surtos de doenças extremamente letais como o ebola são provavelmente o “novo normal”, segundo Michael Ryan, diretor-executivo do programa de emergências em saúde da OMS. Motivos para isso: a emergência climática, a exploração de florestas tropicais, a mobilidade populacional, a fragilidade dos governos e conflitos. 

Na semana passada, foram confirmados na Índia casos de infecção pelo vírus Nipah , que é mais mortal que o ebola, não tem cura nem vacina e tem aparecido a cada ano desde 1998. 

LGBTs NAS RUAS

Não é a primeira vez que falamos aqui da ofensiva do governo polonês contra a população LGBT. Neste sábado, quase 50 mil pessoas foram às ruas na Parada da Igualdade para protestar após declarações bizarras de Jaroslaw Kaczynski, líder do partido governista, que classificou o movimento como uma “importação estrangeira” que ameaça a identidade da nação. Segundo a Deutsche Welle, em áreas conservadoras as autoridades municipais vêm declarando suas cidades “livres de LGBT”. Na véspera do desfile, um jornalista tuitou que “é preciso dar um tiro nas pessoas LGBT”; “não no sentido literal, claro – mas estas não são pessoas de boa vontade ou defensores dos direitos de ninguém, (o movimento é) uma nova mutação de bolcheviques e nazistas”.

SEM HOMENAGEM

A enfermeira Jean Purdy teve papel crucial nas pesquisas que levaram ao nascimento do primeiro bebê de proveta, em 1978. mas seu nome foi excluídode uma placa colocada no hospital Kershaw’s Cottage em homenagem aos pioneiros da fertilização in vitro, ainda nos anos 1980. Restaram só a de deus colegas homens: Sir Robert Edwards Patrick Steptoe. Agora, foram reveladas cartas mostrando que o próprio Edwards havia solicitado a inclusão do nome de Purdy e, depois, ainda protestou contra o ‘esquecimento’: “Jean Purdy viajou para Oldham comigo por 10 anos, e contribuiu tanto quanto eu para o projeto”. Há dois motivos prováveis para a exclusão: o fato de Purdy ser mulher e também o de ser enfermeira em vez de médica. 

MODELO?

Os Estados Unidos têm regras para agrotóxicos bem mais frouxas do que as brasileiras. Sempre se fala dos produtos que são liberados aqui e proibidos em países europeus, mas nos EUA o problema é maior: desde os anos 1970, 508 ingredientes ativos foram autorizados lá . Destes, 72 são proibidos na União Europeia; 17 no Brasil e 11 na China. 

A conclusão é de um estudo publicado na sexta na Environmental Health. E há no artigo um alerta sobre o nosso caso: “O presidente recém-eleito no Brasil tem sido abertamente hostil à regulamentação ambiental e provavelmente vai tentar reverter as regras de pesticidas no país no futuro”.

Em tempo: A consulta pública da Anvisa sobre o glifosato, que terminava na semana passada, foi prorrogada por mais um mês. 

ACESSO LIVRE

Em setembro do ano passado, um conjunto de agências de apoio à pesquisa de vários países, a maioria europeus, propôs uma iniciativa de acesso aberto chamada Plano S: pesquisas financiadas com recursos públicos deverão ser divulgadas em uma revista científica ou em uma plataforma na internet que possa ser lida por qualquer pessoa, sem custo. A implementação do plano foi adiada. Começaria no ano que vem, mas passou para 2021. Segundo a revista da Fapesp, é para que os periódicos tenham mais tempo para reorganizarem suas fontes de receitas. 

SUSPENSOS

A ANS suspendeu temporariamente a venda de 51 planos de saúde de 11 operadoras, em função de reclamações dos consumidores. Ao mesmo tempo, voltam a circular 27 planos que haviam sido suspensos antes. As listas estão aqui.

CONSOLIDAÇÃO

A Hapvida segue expandindo: acaba de comprar o Grupo América Planos de Saúde, de Goiás, por R$ 426 milhões. No início de maio, a operadora havia adquirido o grupo São Francisco, por R$ 5 bilhões. Segundo o Valor, agora a empresa passou a marca de seis milhões de beneficiários de saúde e  odongologia.

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