Lava Jato alcança Qualicorp

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Passados cinco anos da simbólica prisão do empreiteiro Marcelo Odebrecht, a Operação Lava-Jato atingiu o setor privado de saúde. E não qualquer flanco, mas a administradora de benefícios Qualicorp. Ontem, o fundador do grupo empresarial, José Seripieri Filho, foi preso temporariamente na esteira das investigações desencadeadas por uma delação premiada. Júnior, como é conhecido, teria irrigado a campanha de José Serra ao Senado em 2014 com nada menos do que R$ 5 milhões em doações ilegais. 

O bilionário foi delatado por alguém próximo: Elon Gomes de Almeida, fundador e ex-diretor da Aliança, uma das empresas da Qualicorp. Segundo o relato, Seripieri foi a ponte entre o grupo empresarial e o senador tucano – sempre lembrado por sua atuação como ministro da Saúde no governo FHC. Depois de feito o acerto com Serra, coube a Elon operacionalizá-lo: os R$ 5 milhões foram repassados a duas empresas – que, por sua vez, fizeram transferências para outras três, indicadas por Serra. As transações financeiras foram simuladas por meio da emissão de notas frias de serviços de gráfica e TI. O senador teria recebido o montante em três parcelas – duas de R$ 1 milhão e outra de R$ 3 milhões. 

Além de relatar como funcionou esse esquema, Elon entregou às autoridades um conjunto de provas, como comprovantes das transferências, e parte das movimentações teria sido confirmada pelo COAF. “No topo da cadeia criminosa tem o acionista controlador [Júnior] e, no topo do político, temos o então candidato”, disse o delegado Milton Fornazari, responsável pela operação batizada de Paralelo 23. “Vamos agora aprofundar essa investigação para saber se os repasses foram apenas para doação eleitoral ou visando uma contrapartida”, continuou.

A partir das informações fornecidas pela PF até o momento, fica a dúvida se o mesmo esquema não poderia servir para outras doações ilegais. Isso porque José Seripieri Filho ficou conhecido como alguém que conviveu muito perto do poder. Ele é próximo de Geraldo Alckmin – era num helicóptero do empresário que o filho caçula do ex-governador de SP estava voando quando sofreu um acidente fatal em 2015. Também ficou para a história o final de ano que Lula passou na casa do bilionário em Angra dos Reis: aconteceu em 2013, quando ele ainda era presidente. Foi em 2009, no governo do petista, que o ex-CEO da Qualicorp, Maurício Ceschin, virou a porta giratória rumo à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – indicação muito criticada na época. Ceschin chegou a ser presidente da ANS. A agência até hoje não conseguiu regular o reajuste anual dos planos de saúde coletivos, carro-chefe da Qualicorp.   

Mais fios do novelo poderiam ser desenrolados pelo próprio Seripieri. “A avaliação de pessoas próximas ao fundador da Qualicorp é que ele suporta a prisão temporária, que tem cinco dias de duração prorrogáveis por mais cinco, mas que não encararia uma prisão preventiva, ou seja, sem data para terminar, sem negociar um acordo de delação”, apurou a jornalista Bela Megale. Ele foi parar na mesma cela da superintendência regional da PF em São Paulo onde Joesley Batista ficou detido.

Após a notícia da prisão, as ações da Qualicorp caíram 6,41%, fechando o pregão a R$ 29,81. Atualmente, Seripieri detém apenas 2,75% das ações do grupo que fundou em 1997. No ano passado, a Rede D´Or assumiu o controle da Qualicorp. A coluna Painel, da Folha, levantou que o grupo tem outro problema no front jurídico: no dia 16 de julho, o Ministério Público Federal abriu inquérito para investigar se a Qualicorp está maquiando custos operacionais – e se isso impacta os reajustes de preços aos consumidores.

O cerco se fecha

Ontem, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão no apartamento funcional de José Serra (PSDB-SP) em Brasília e em endereços ligados a ele em São Paulo, mas teve sua entrada no gabinete do senador barrada. Quem intercedeu foi o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que conseguiu impedir o avanço dos agentes, que já estavam no corredor. Argumentou que, em meio ao material apreendido, poderia haver documentos referentes à atividade parlamentar atual – e como Serra tem foro privilegiado, isso só poderia ser autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Dias Toffoli, então, suspendeu o mandado

O inquérito envolvendo a Qualicorp foi enviado pelo Supremo à Justiça Eleitoral de São Paulo em meados de 2019 (na época da campanha de 2014, Serra não tinha foro). De acordo com o Ministério Público Estadual, além da Qualicorp, duas empresas – uma construtora e uma do setor de alimentos – teriam feito repasses de R$ 2 milhões às mesmas firmas intermediárias indicadas por Serra para a administradora de benefícios. Juntando com os valores da Qualicorp, R$ 7 milhões teriam sido repassados ao político ilegalmente naquelas eleições. Serra nega.

Mas as investigações vão além da campanha de 2014. No início de julho, o Ministério Público Federal em São Paulo denunciou Serra e sua filha, Verônica, pela prática de lavagem de dinheiro transnacional. Cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços relacionados a ambos, além de bloquear uma conta na Suíça com R$ 40 milhões, sobre a qual não se tem maiores detalhes. Segundo a denúncia, quando era governador de SP, Serra ‘valeu-se de seu cargo e de sua influência política para receber, da Odebrecht, pagamentos indevidos em troca de benefícios relacionados às obras do Rodoanel Sul’. 

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