Visita a Medellin, cidade aberta

Como articulação social livrou metrópole colombiana do crime organizado e derrubou índice de homicídios, estabelecendo regras de civilidade como proibição do arame farpado

Por Fernando Lara, na Revista Fórum

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Como articulação social livrou metrópole colombiana do crime organizado e derrubou índice de homicídios, estabelecendo regras de civilidade como proibição do arame farpado

Por Fernando Lara, na Revista Fórum

Acabei de voltar da minha primeira peregrinação a Medellin. É que assim como os muçulmanos vão a Meca, os comunistas vão a Cuba e a classe media vai a Disneylandia; os urbanistas, principalmente os latinoamericanos, devem ir a Medellin. E a viagem teve mesmo todos os componentes de uma peregrinação, a começar por horas de atraso nos voos (a Avianca está fazendo operação padrão por lá) e uma chuva que fez a estrada sinuosa que desce do aeroporto para a cidade, de noite, mais assustadora do que deveria ser. Depois de horas de tormenta o hotel estava overbooked e lá vai o urbanista peregrino buscar na chuva outro lugar para dormir. Mas acredito que tudo isto só fez aumentar a emoção da viagem que teve também seus momentos de oásis no meio de tanto deserto.

No meio do atraso, ainda no aeroporto de Bogotá, eu buscava uma tomada para recarregar o laptop e como bom viajante escaldado encontrei uma no canto perto dos telefones. Ali já estava sentada outra pessoa e por estarmos os dois ombro a ombro num canto vazio do aeroporto acabamos nos cumprimentando.  Quase caí da cadeira quando percebi que meu vizinho de “tomada” era ninguém menos que Sergio Fajardo, governador de Antióquia e ex-prefeito de Medellin. Fajardo carrega consigo o crédito de ter tirado Medellin da lama dos anos 90 com uma prefeitura que investiu pesadamente em espaço público. Extremamente simpático, Fajardo tentou me contar em 10 minutos (até que um assistente o chamasse para embarcar) que a renascença de Medellin foi um esforço de muita gente, várias gerações de orgulhosos “paisas” que nunca se deixaram levar pelos tristes anos em que sua cidade era conhecida somente pelo cartel de Pablo Escobar.

Para entender um pouco por que Medellin é ponto de peregrinação vale lembrar que no final dos anos 80 dali se controlava 80% do tráfico de cocaína nas Américas. Eventos como a invasão da Suprema Corte colombiana (1985),  a explosão do voo 203 da Avianca (1989) e das esculturas de Fernando Botero (1995) são todos atribuídos ao cartel de Medellin. Nos anos 90 um movimento chamado Compromisso Ciudadano começou a articular acadêmicos (Fajardo era diretor da faculdade), empresários e lideranças comunitárias em torno de um projeto de cidade. Em 2003 o sucesso do movimento levou elegeu Fajardo para a prefeitura.  Seu governo foi marcado pela proposta de construir os melhores e mais belos espaços públicos nas áreas mais pobres da cidade.

Desde então, Medellin tem estado na vanguarda do pensamento e da prática urbanística, com idéias que vão do o uso de teleféricos como solução de transporte à proibição de muros cegos e artefatos de segurança ofensivos como cacos de vidro e arame farpado. O fato é que os homicídios caíram de 6mil em 1991 para 871 em 2008 e estima-se que estarão na casa dos 400 em 2013.

Parece um milagre. Um prefeito não alinhado com os partidos tradicionais catalisa um movimento de melhoria cidadã a partir da construção de equipamentos urbanos e espaços públicos da melhor qualidade. Dezenas de projetos construídos em Medellin ganharam prêmios internacionais. Entre eles uma linda biblioteca foi construída onde antes havia uma penitenciária, uma iniciativa que atua também no nível simbólico, claro. A tecnologia de teleféricos é agora exportada para o Rio de Janeiro e para Monterrey no México, e o prefeito se elege governador. É ou não é digno de peregrinação?

Mas como o próprio Fajardo fez questão de me lembrar, Medellin se apoia em décadas de trabalho e planejamento. A começar pela Lei 80 de 1994 que dita que todo projeto público na Colômbia deve ser objeto de um concurso de arquitetura, garantindo a qualidade das propostas. Medellin, assim como Bogotá, tem uma autarquia municipal forte (EDU – Empresa de Desarrolo Urbano) que garante continuidade dos projetos enquanto prefeitos se alternam no executivo municipal. E uma capacidade de articulação e integração admirável que garante a maximização dos recursos investidos. Em Medellin as escolas, parques e bibliotecas são construídos em terrenos adjacentes a estrutura de transporte público. Metrô, ônibus e teleférico estão sempre ali junto aos edifícios públicos. Não é milagre, é resultado de planejamento, projeto e desenho institucional correto.

E de onde vem o dinheiro para tanta obra? Financiamento federal? Empréstimo do Banco Mundial? Plan-Colômbia? Nada disto, Medellin tem uma empresa pública de serviços unificada, a EPM [link www.epm.com.co]. A EPM é a segunda maior empresa da Colômbia e uma das 70 maiores da América Latina, com orçamento anual na casa dos 3 bilhões de dólares.  Fundada em 1955, a EPM serve Medellin com eletricidade, água, telefonia, gás, esgoto e coleta de lixo. Uma gigante pública que dispõe de 4 bilhões de dólares para investimento a cada 3 anos. Ou seja, com uma empresa de serviços forte e organizada, Medellin tem o seu próprio PAC municipal operando continuamente há décadas, sem pressas eleitoreiras ou urgências artificiais criadas por mega-eventos. Repito: Medellin não é um milagre mas sim resultado de planejamento, sensibilidade social e a força do investimento público.

E por último cabe perguntar: qual foi a última vez que você leitor encontrou um governador na sala de embarque normal do aeroporto. Pois é, na Colômbia eles andam por ai, no meio dos trabalhadores, dos turistas e dos eventuais urbanistas em peregrinação.

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