Saúde Mental: quem trama a contra-reforma

Manicômios privados, que viveram décadas às custas do SUS, querem ressuscitar políticas retrógradas. Nomeação de seu representante para ministério choca

Entrevista com Paulo Amarante, no IHU

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Presos no Hospital Psiquiátrico Valter Alencar, resquício da velha política. Novo coordenador do ministério da Saúde expressa interesses de quem dela se beneficiou

Um líder do movimento antimanicomial brasileiro sustenta: hospitais psiquiátricos privados, que viveram décadas às custas do SUS, querem ressuscitar políticas retrógradas. Nomeação de representante do setor para ministério da Saúde choca

Por Paulo Amarante, entrevistado pelo IHU

As políticas de saúde mental no Brasil têm uma trajetória de lutas que vem da mesma atmosfera dos movimentos contra a ditadura e pela redemocratização do país. Trata-se de uma história impregnada pela participação das bases, dos movimentos sociais, também ligada às reivindicações por um serviço de saúde universal, que atendesse a todos os brasileiros.

Em entrevista por telefone à IHU On-Line, o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Paulo Amarante, ressalta que o campo da saúde mental teve um papel importante nas lutas pela universalização da saúde no país porque incluiu a ideia da participação social no processo de construção das políticas.

Segundo o pesquisador, que é um histórico militante da Reforma Psiquiátrica e Sanitária brasileira, a partir desses movimentos foi estruturado no país um conceito diferente no tratamento da saúde mental, voltado para os direitos e a cidadania dos pacientes, e foi mais além: “trouxe algo bastante inovador que é atentar para a autonomia desses sujeitos. Pessoas até então consideradas loucas, incapazes de gerir a própria vida passam, no sistema de saúde mental, a ser protagonistas das políticas e a ter um papel de construção e de participação que não há em nenhum outro país do mundo”.

Entretanto, essa concepção sobre a saúde mental não é unânime, contrastando com alguns setores que ainda apostam em métodos de tratamento tradicionais, baseados na medicalização e isolamento dos pacientes, e muitas vezes entram em conflito com os adeptos de abordagens mais modernas. De acordo com o pesquisador, “o grande interesse na resistência desses grupos que defendem a permanência do modelo antigo de tratamento psiquiátrico é econômico e financeiro. São donos de hospitais psiquiátricos que têm há dezenas de anos essas instituições como fonte de renda, pois são serviços com baixo poder de regulamentação do público”.

Recentemente, os conflitos entre essas duas perspectivas da saúde mental se evidenciaram ainda mais com a nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho, para a Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde. Na década de 1990 o psiquiatra foi coordenador da Casa de Saúde Doutor Eiras, considerado o maior manicômio privado da América Latina, fechado em 2012 por graves violações aos Direitos Humanos. Para Paulo Amarante a decisão do Ministério da Saúde não foi causal, pois de acordo com o pesquisador, Duarte Filho é um defensor do modelo manicomial e “alguém que conheceu a Reforma Psiquiátrica e foi um militante ativo contra esse movimento”.

Esse cenário é de apreensão para os que lutam em prol de políticas de saúde mental mais inclusivas e cidadãs. Os protestos se espalham pelo país na tentativa de evitar retrocessos.

Paulo Amarante, médico de formação e doutor em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz, coordena do Grupo de Trabalho  de Saúde Mental e é Vice-Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, e presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental – Abrasme.  Confira sua entrevista.

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Como está organizada a Política de Saúde Mental no Brasil? De que forma o sr. a avalia? Ela tem sido implementada? De que modo?

Paulo Amarante – No Brasil, nós temos um processo que denominamos de Reforma Psiquiátrica que vem desde os anos 1970. É mais ou menos simultâneo ao processo de redemocratização do país, quando começamos a lutar pelo fim da ditadura e as demandas políticas. Muito particularmente na saúde, nós tivemos uma grande movimentação pela democratização dos serviços dessa área, pelas políticas públicas, pela ideia de criar políticas mais voltadas para os segmentos mais desfavorecidos da sociedade etc. Almejávamos uma política que fosse realmente nacional e não uma política de assistência à doença que fosse voltada para as camadas da população com mais posses. Então esse movimento ficou conhecido como reforma sanitária e compreendeu a criação de uma política nacional pública e gratuita, como dever do Estado e direito do cidadão, proposta que acabou sendo inscrita na Constituição.

Desse modo, a proposta do Sistema Único de Saúde – SUS nasceu dos movimentos sociais, não foi uma ementa parlamentar, foi realmente popular e acho que é a única nesse perfil presente na Constituição de 1988. Na Carta Magna consta então essa ideia de que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado e ainda a universalidade da atenção à saúde, que até aquele momento era restrita principalmente a previdenciários. O campo da saúde mental teve um papel muito importante nisso porque falava da noção da participação social nas políticas. Ficou denominada como Participação e Controle Social a ideia de criar conferências nacionais de saúde, conselhos nos níveis municipal, estadual e nacional para a sociedade ter canais de participação efetivos na política. Recentemente, em dezembro de 2015, tivemos a realização da 15ª edição da Conferência Nacional de Saúde.

Assim, esses processos se iniciaram aproximadamente entre 1976 e 1978 e se estendem até hoje. A saúde mental teve essa contribuição importante pelo fato de que, além dessa discussão do direito e da cidadania do usuário de serviço mental, ela trouxe algo bastante inovador que é atentar para a autonomia desses sujeitos. Pessoas até então consideradas loucas, incapazes de gerir a própria vida passam, no sistema de saúde mental, a ser protagonistas das políticas e a ter um papel de construção e de participação que não há em nenhum outro país do mundo. Esse é o princípio geral dessa proposta, que não é só um plano de organização de serviços para otimização e eficiência, estamos falando de uma questão política de participação, de integração social e de cidadania. Ademais, nós partimos para uma ideia de serviço de saúde articulado com outras políticas públicas nos campos de serviços sociais, da cultura, do esporte, do trabalho e da residência, sendo a área de saúde mental mais uma vez exemplar nisso.

A política de saúde mental conseguiu desenvolver grupos culturais, como há em Porto Alegre um grupo envolvido com teatro ligado ao Hospital Psiquiátrico São Pedro e uma banda de Hip Hop ligada a um Centro de Atenção Psicossocial – CAPS, chamada Black Confusion; e uma série de iniciativas que foram surgindo e que tiveram autonomia. Não se trata só de um grupo de artistas com transtornos mentais, é um grupo de teatro, por exemplo, que também tem pessoas com transtornos mentais, ou diagnósticos psiquiátricos, e se apresenta em diversos espaços.

Foi um avanço muito grande. Temos políticas, cooperativas de trabalho, residências onde vivem ex-moradores de hospitais psiquiátricos que agora estão morando nas cidades, produzindo e fazendo uma série de coisas. Além disso, nós conseguimos fechar no país mais de 60 mil leitos psiquiátricos, abrimos mais de dois mil CAPS, mais de mil projetos culturais, como de teatro, musicais, corais, e artistas individualmente também têm se sobressaído. Existem ainda dezenas de blocos de carnaval, no Rio de Janeiro há grupos que receberam prêmios, que já estão na agenda cultural da cidade. No ano passado saiu uma notícia no jornal New York Times sobre o bloco “Tá Pirando, Pirado, Pirou”, e o “Loucura Suburbana” ganhou o prêmio de segundo melhor bloco de carnaval do Rio de Janeiro, só perdeu para o “Cordão do Bola Preta”, um grupo muito tradicional carioca.

Essa é a grande inovação, uma política pública de saúde mental que muda o modelo assistencial, mas que também muda o lugar desses sujeitos, considerados antes só pacientes e depois protagonistas, agentes das próprias histórias. No momento, corremos o risco de sofrer um retrocesso em todo esse avanço no Brasil.

Como está o acesso ao tratamento psiquiátrico pelo Sistema Único de Saúde – SUS?

Estamos vivendo um período longo de mudança, pois antes assistência psiquiátrica indicava a internação. Muitos familiares, médicos e segmentos da sociedade ainda acham que se não há internação, não há tratamento, o que é um equívoco. Nós mostramos que os hospitais internavam milhares de pessoas, mas não faziam tratamento, faziam isolamento. Então ainda estamos em um processo de transformação. Os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, os Centros de Convivência e Cultura, as residências assistidas, e a criação de vários outros projetos poli culturais, assistenciais e de trabalho, isso tudo é consistência, é cuidado na forma de lidar com as pessoas com transtorno mental. No meu entendimento, ainda é muito pouco, nós deveríamos ter muito mais CAPS, Centros de Convivência, recursos para incentivar projetos culturais e desportivos, criar eventos e residências para pessoas que não têm família ou que os parentes não as aceitam. Porém, ainda se gasta milhares de reais em internação.

Por outro lado começa haver uma inversão, onde o sistema público financia mais serviços e dispositivos sociais, territoriais e comunitários do que hospitais. Isso já é uma mudança, mas ainda acho que a política deveria investir mais em serviços alternativos ao modelo psiquiátrico tradicional. O SUS está no caminho certo, mas está muito lento, vagaroso. Os investimentos precisam ser mais efetivos no sentido de superar todo o modelo manicomial tradicional, pois ainda temos mais de 20 mil leitos no país; e direcionar as verbas a equipamentos territoriais e comunitários, que fomentam a inclusão social, a reabilitação, inclusão social e são bem sucedidos em seus propósitos, mesmo com todas as limitações existentes. Esse tipo de trabalho é incomparavelmente superior ao modelo psiquiátrico hospitalar anterior.

Interesses financeiros atravessam os processos decisórios quanto às políticas de saúde mental no Brasil? De que maneira? Como é essa situação em outros países?

Esses leitos psiquiátricos são em grande parte privados. São geridos por empresas e sua quase totalidade é financiada pelo SUS. Nos anos 1980 essas organizações privadas tiveram um grande boom, como o caso da Casa de Saúde Doutor Eiras, que foi dirigida pelo atual nomeado coordenador Geral de Saúde Mental, contra o qual está havendo uma série de protestos. A Doutor Eiras teve mais de dois mil leitos psiquiátricos privados pagos pelo SUS, então era uma mina de ouro. Assim, acabar com esse modelo é claro que interfere em um negócio importante de prestação de serviços médicos e no mercado de trabalho, porque essas empresas contratam profissionais, e uma grande preocupação nossa é deixar claro que as pessoas não precisam ser demitidas, elas podem ser incorporadas em outros recursos e serviços.

O grande interesse na resistência desses grupos que defendem a permanência do modelo antigo de tratamento psiquiátrico é econômico e financeiro. São donos de hospitais psiquiátricos que têm há dezenas de anos essas instituições como fonte de renda, pois são serviços com baixo poder de regulamentação do público, porque é muito difícil alguém entrar em um local desses, e para isso, como foi o caso da Doutor Eiras em Paracambi, é necessário às vezes acionar o Ministério Público, porque o próprio SUS não consegue fiscalizar o trabalho prestado, ou mobilizar a Vigilância Sanitária. Especificamente a qualidade da atenção em saúde mental é muito difícil de acompanhar nessas organizações, então é um serviço que tem uma tranquilidade de funcionamento, tem pouca interferência.

O que representam para o campo de estudos em saúde mental as experiências brasileiras de tratamento psiquiátrico comunitário a partir da abordagem interdisciplinar, em relação aos métodos tradicionais, mais centrados na medicalização e internação em hospitais?

Representam a possibilidade de formar profissionais novos. Um dos grandes problemas no Brasil é que a formação profissional, principalmente da psiquiatria, é controlada pela Associação Brasileira de Psiquiatria que tem uma posição conservadora, muito ligada a interesses privados, afinal de contas os proprietários dos hospitais são os dirigentes de determinadas entidades. Desse modo, as residências médicas não abrem para esta nova formação, querem continuar formando em hospitais, na prática institucionalizante e medicalizante. Quando os estudantes, por algum motivo, um furo, uma brecha nesse espaço de formação, conhecem os CAPS e essas experiências culturais e projetos novos eles ficam fascinados, apaixonados porque vislumbram uma prática médica e psiquiátrica, de saúde mental, diferente. São campos de formação muito relevantes, é importante que a gente consiga abrir espaços de formação para as faculdades não mais nesses manicômios, mas sim nos CAPS, nas práticas territoriais, na saúde da família e em outras experiências.

Sobre a importância da experiência brasileira, eu participei agora em dezembro de 2015 em Trieste, na Itália, do Encontro Internacional “Uma sociedade sem isolamento”, promovido pela Organização Mundial da Saúde – OMS, pude ver que o trabalho desenvolvido no Brasil é considerado um dos mais importantes hoje no mundo, por ter uma abordagem inovadora e avançada. Essa é a opinião externada pelo dirigente da OMS, mas também compartilhada pela Organização Pan-Americana de Saúde, por professores, intelectuais, autores de várias universidades inglesas, norte-americanas, francesas, e pesquisadores do Japão, Nova Zelândia e Canadá, país do qual recebemos uma docente titular da Universidade de Quebec como professora visitante na Fundação Oswaldo Cruz. Então, as pessoas também estão vindo conhecer a nossa experiência e fazer pesquisas.

Também estive na Espanha para lançar um livro em um importante seminário sobre práticas inovadoras em psiquiatria. Na ocasião, entre os títulos lançados, a única obra não espanhola lançada no evento foi o nosso livro sobre a experiência brasileira. Isso é sinal de que temos uma escuta, um interesse internacional e de que a experiência do Brasil está entre os trabalhos de referência.

De que modo o campo da Reforma Psiquiátrica no Brasil tem tratado a questão dos Direitos Humanos e da cidadania das pessoas com transtornos mentais? Tendo em vista que o país já foi criticado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por violações em hospitais psiquiátricos que resultaram em morte de pacientes.

Direitos Humanos e cidadania são os temas centrais. Desde o início da Reforma Psiquiátrica, da luta contra a ditadura etc., que percebíamos como os hospitais psiquiátricos eram locais de segregação, não só de pessoas com diagnóstico psiquiátrico, mas de vários segmentos sociais que eram marginalizados e para os quais o Estado não tinha políticas públicas sociais. Então esses depositários de pessoas, também eram locais psiquiátricos. Espaços onde eram comuns a violência exercida por funcionários; a invisibilidade dos sujeitos internados em instituições deste tipo, os quais acabavam perdendo seus direitos; as mortes, sempre atribuídas a conflitos entre os internos, nunca a agressões cometidas pelos empregados dessas organizações. Sobre a violência, houve um caso clássico de um paciente no nordeste em que foi considerado que ele próprio teria batido em si mesmo até morrer. Foi dito que ele teria se espancado com um pedaço de pau. Isso é considerado tecnicamente impossível, qualquer legista sabe disso.

Um caráter também inovador da Reforma Psiquiátrica brasileira em relação aos Direitos Humanos é que, além da luta contra a violência exercida às pessoas com transtorno mental, também houve uma preocupação com o reconhecimento da diversidade desses sujeitos. Significa perceber nas pessoas com transtorno mental uma capacidade discursiva, narrativa, de produção de arte, de identidade que é potente. Ao construir uma forma de identificação com o coletivo, se oferece uma nova condição de possibilidade de saúde mental que é a da pessoa não sentir-se constrangida por ser quem é, por ter um sofrimento mental, sua diversidade mental, mas ver nisso também uma das suas formas de identidade.

Por outro lado, não é romantizar a condição do sofrimento, mas é reconhecer que as pessoas têm determinadas circunstancias, condições, características e que isso não precisa ser endeusado, glorificado, mas também não demonizado ou escondido. Isso dá uma característica de identidade e de suporte às condições mentais psicológicas subjetivas. Essa é uma articulação importante dos Direitos Humanos nesse caráter de um suporte subjetivo, afetivo, emocional às pessoas pela sua condição de diversidade, com a denúncia e a luta contra a violência que se exerce contra essas pessoas.

De que forma a nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho, para a Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, contrasta com a trajetória dos movimentos pela Reforma Psiquiátrica e a luta antimanicomial no Brasil? Como os movimentos sociais ligados a estas lutas estão recebendo essa decisão?

Recebemos com total perplexidade e inaceitação porque se trata de uma pessoa que foi dirigente do Manicômio Doutor Eiras, de Paracambi, considerado o maior hospital psiquiátrico privado da América Latina, mas eu penso que se é o maior da América Latina é o maior do mundo, pois eu nunca vi um hospital privado desse tipo com mais de dois mil leitos em lugar nenhum do mundo, nunca tive notícia de uma coisa assim.

“Colocar uma pessoa para dirigir uma política nacional que seja contra essa política é no mínimo um contrassenso e no máximo uma tentativa de desarticulá-la”

Eu conheci esse hospital e ele teve 2500 leitos pagos pelo SUS. O que é mais impressionante é que nenhum país do mundo tem essa política de privatização pelo Estado, pois é possível privatizar e passar ao setor privado determinado setor da economia, mas o que acontece no Brasil é que o país continua pagando a conta. Não são as pessoas em particular ou os planos de saúde contratados que custeiam esse serviço, mas sim o Sistema único de Saúde. Então aqui a lógica é diferente, os empresários da área da saúde querem que se privatize, mas querem que o SUS continue pagando, porque assim eles garantem o sustento do serviço e não dependem do mercado.

O Hospital Doutor Eiras teve uma intervenção federal, do Ministério Público estadual e foi fechado por graves violações dos Direitos Humanos. O então diretor clínico era o médico Valencius Wurch Duarte Filho, que resistiu a essa intervenção, fez várias tentativas de manter esse hospital em funcionamento atuando em relação à equipe que trabalhou no processo de fechamento da instituição e foi um defensor até o último momento do manicômio e desse modelo de tratamento psiquiátrico.

Ele se utilizou de todas as estratégias para que esse hospital permanecesse funcionando porque defendia fundamentalmente que os internados eram pessoas que não tinham condições de vida fora do manicômio, organizou os familiares desses pacientes para que eles não aceitassem as altas, afirmando que era um interesse que o Estado tinha em devolvê-los às famílias, o que é uma visão deturpada dos fatos, pois as famílias que tiveram condições de receber seus parentes foram amparadas por um programa chamado “De Volta pra Casa”, para os que não puderam voltar foram constituídas residências coletivas financiadas pelo SUS.

Dessa maneira, esse médico é um defensor do modelo manicomial, não é um médico qualquer que talvez tivesse uma prática mais manicomial, mas é alguém que conheceu a Reforma Psiquiátrica e foi um militante ativo contra esse movimento. Então, é muito curioso, por exemplo, que fosse indicado ministro da saúde alguém que é contra o SUS, que é a política pública oficial. A Reforma Psiquiátrica também é uma política pública oficial, foi aprovada pela Lei 10.216/2001, que passou pela Câmara, Senado e foi sancionada pelo presidente da República. Colocar uma pessoa para dirigir uma política nacional que seja contra essa política é no mínimo um contrassenso e no máximo uma tentativa de desarticulá-la. No nosso entendimento, não é uma ingenuidade do ministro, ou apenas um descuido, é uma tentativa de desarticular uma política que é bem sucedida e que interfere nos interesses arcaicos conservadores da psiquiatria e nos interesses econômicos da área.

Diante das mobilizações intensas dos movimentos sociais e entidades ligadas à promoção da saúde mental contra a nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho, a que o sr. atribui essa escolha do Ministro da Saúde, Marcelo Castro?

Atribuo a uma tomada de consciência do risco que essa política de Reforma Psiquiátrica representa para determinados segmentos que pensam a saúde como mercado, como privatização e que querem dar um freio nesse movimento. Não me parece uma escolha ingênua ou desavisada, e sim uma decisão consciente, pois se trata de um opositor explícito e declarado da Reforma Psiquiátrica.

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3 comentários para "Saúde Mental: quem trama a contra-reforma"

  1. Caroline disse:

    Concordo, mas nem tudo precisa ser tratado no isolamento. Uma coisa é certa, essa antiga política de isolamento e privação não funcionou, aliás só funcionou para os donos dos hospitais (interesse financeiro). Uma história marcada por sangue, sofrimento e manipulação.

  2. Jaque Lacan disse:

    Concordo, Jeovah. Este grupo radical não enxerga que há casos e casos. O Caps é ótimo, mas nem tudo é pode ser tratado no Caps.

  3. Jeovah Souza disse:

    Enquanto existirem pessoas como o ilustre entrevistado, que valorizem mais a argumentação maniqueísta em detrimento do pragmatismo da realidade, estaremos apenas discutindo no universo da fantasia e da ilação.
    Não há mais “reforma psiquiátrica” no Brasil; sobrou apenas um grupo radical, quase dogmático, prendendo-se a clichês e palavras de ordem da década de 70 defendendo-os como algo “moderno”.
    Preocupam-se sim com a possibilidade de perderem os seus cargos de chefia, coordenação e outros afins interpretando isso, dentro da sua ótica, como um “retrocesso”.

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