O dia em que a Folha pingou sangue

Quem diria: em declínio, jornal que já posou de esquerda e “vanguarda” estampa fotos que fazem lembrar o pior de “Notícias Populares”

Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa

folha1

.

Quem diria: em declínio, jornal que já posou de esquerda e “vanguarda” estampa fotos que fazem lembrar o pior de “Notícias Populares”

Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa

Folha de S. Paulo se destaca na imprensa brasileira pela preferência por expressões fortes, como recurso para chamar a atenção dos leitores ou para reforçar certo sentido que se quer dar à informação. Foi com esse olhar espetaculoso sobre a notícia que o jornal paulista buscou se apresentar, nas duas últimas décadas, como uma marca de vanguarda. “Hiperinflação”, “megaempresário”, “super-salários”, são alguns exemplos desse estilo, que acabou contaminando os outros jornais, contribuindo para uma mudança na linguagem jornalística cujas consequências ainda estão a merecer estudos de pesquisadores em comunicação.

Outra tática utilizada pela Folha para se destacar da concorrência, em especial de seu principal rival na imprensa paulista, o Estado de S. Paulo, é uma postura mais liberal em assuntos comportamentais. O jornal se apresentou como uma espécie de porta-voz do movimento pela aceitação pública do homossexualismo, expandiu os limites para a exibição de cenas de nudismo na imprensa e consolidou o hedonismo como traço marcante de sua conexão com o público. No entanto, em muitos aspectos segue sendo um veículo conservador, preso a uma visão de mundo refratária a novos sentidos da vida social.

Seus editores certamente consideram que estão produzindo um jornal “pós-moderno”. Portanto, faz todo sentido, de vez em quando, “épater la bourgeoisie”, como dizia o poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891) – ou “chocar a burguesia”, como diria em outras épocas o ex-revolucionário e ex-libertário Fernando Gabeira.

Ao mesmo tempo, eventualmente as escolhas do jornal escorregam para o grotesco, a imagem meramente escandalosa e o jornalismo “marrom” que marcou o extinto diário Notícias Populares – que pertencia ao mesmo Grupo Folha.

Nesta semana, a ousadia da Folha de S. Paulo provoca os limites do gosto duvidoso, ao reproduzir imagens feitas em um presídio do Maranhão, nas quais aparecem os corpos de três sentenciados que foram decapitados durante a rebelião ocorrida no dia 17 de dezembro. Além de fotografias, o jornal deu curso à divulgação, pela internet, de vídeo no qual os assassinos se divertem exibindo as cabeças cortadas e os corpos vilipendiados.

Desejo de escandalizar

Na edição de quarta-feira (8/1), o jornal faz a repercussão de sua própria lambança, como a criança que brinca com as próprias fezes: um editorial e mais de um terço da principal coluna de política, além de uma reportagem de página inteira, tratam da questão dos presídios do Maranhão, defendendo uma intervenção federal no Estado e expondo gastos da governadora Roseana Sarney com lagostas e outros petiscos para abastecimento da sua cozinha ao longo do ano. Soa como se a Folha estivesse justificando a exibição das imagens macabras.

Os desmandos da família Sarney em seu longo reinado no Maranhão são bastante conhecidos, e os indicadores que mostram aquele estado na rabeira do desenvolvimento econômico e social do Brasil não deixam dúvida quanto aos resultados da política coronelista em todos os aspectos da vida maranhense.

A situação de descalabro que se revela com a eclosão de conflitos violentos nos presídios e nas ruas exige atenção das autoridades federais e da imprensa de todo o país, conforme já se destacou aqui. Cabe até mesmo, como faz a Folha na quarta-feira (8), levantar um debate sobre eventual intervenção federal, medida pouco usual na história política do Brasil.

Conveniências de alianças partidárias não deveriam cegar os olhos do Planalto para o que se passa naquela região. Esse isolamento já começa a ser quebrado pela imprensa – também o Globo e o Estado de S. Paulo enviaram repórteres para observar diretamente o que acontece no Maranhão, onde a situação social é de calamidade: por exemplo, o número de homicídios cresceu 460% na capital, São Luís, nos últimos 13 anos.

Do trabalho desses enviados especiais deve brotar um retrato daquilo que transformou aquela região em um ponto fora da curva no processo de redução da pobreza que beneficiou todo o resto do país. Em quase meio século no poder local, a família Sarney conseguiu a proeza de manter o estado preso ao passado. No entanto, nada justifica a escolha dos editores da Folha, de dar publicidade às grotescas imagens da selvageria produzida no interior do presídio.

A não ser, claro, o desejo de escandalizar para ganhar audiência.

Leia Também:

5 comentários para "O dia em que a Folha pingou sangue"

  1. Amarildo Garcia disse:

    Está havendo uma leitura equivocada. Isto se chama jornalismo. As imagens denunciam por si só. A TV americana apressou o fim da Guerra do Vietnã quando passou diariamente a mostrar americanos e vietnamitas mortos numa guerra sem sentido. Nós precisamos mostrar o que os muros das prisões escondem para tentar mudar esse retrato absurdo. O que a Folha fez foi praticar jornalismo. O que a imprensa brasileira cada vez menos faz nós últimos tempos, pois dá farto espaço para imbecilidades e notícias sobre celebridades, em vez de discutir os problemas crônicos do Brasil. Só que quer manter as coisas como estão e não sabe o que é jornalismo condena a divulgação das imagens.

  2. Ricardo Weiss Stein disse:

    O que deve ser feito quando um ato de tamanha violência é praticado? Um atentado injustificável aos direitos humanos? Tem que ser higienizado? Maquiado? Deve-se relatar com imagens meramente ilustrativas? As imagens são reais. A sociedade civil precisa sim ser chocada, chacoalhada, sentir nojo, revolta, indignação. A Folha está certa de publicar o vídeo. Essa violência que é cotidiano para uma imensidão de brasileiros não tem que ser reciclada para chegar ao conhecimento do ‘homem de bem’ sob um prisma que não dê náuseas. A degradação política e moral do Brasil é que gera isso. E isso deve ser mostrado, denunciado, alarmado, em sua forma mais crua, mais feia. Porque é a cara verdadeira dela.

  3. Andrei Santovich Ricon disse:

    Assisti ao vídeo e é de uma selvageria e barbárie alarmantes. Mas é a realidade daquele estado. Mostrar a notícia, ainda que sob sua faceta mais torpe, não é condenável. As realidade deve vir à tona, ainda que não seja degustável. Ela só serve para ilustrar, fazendo de tinta o sangue humano, o caos, o abandono, a degenerescência que reinam no Maranhão.

  4. Não da nem para comentar essa publicação da”Folha” de tão sem fundamento da forma como ela coloca.

  5. yoshio disse:

    Com a palavra a Ombudsman da Folha !

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *