Chacina de Osasco, mais indícios de crime policial

Investigações apontam execução de desafetos da PM, acobertamento de provas, álibis bizarros. Mas midia reduz cobertura e cresce fantasma da impunidade

Por Luís Adorno e André Caramante, na Ponte

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Investigações apontam execução de desafetos da PM, tentativas de acobertar provas, álibis bizarros. Relatório fala em “vingança”. Mas midia reduz cobertura e cresce fantasma da impunidade

Por Luís Adorno e André Caramante, na Ponte

Um relatório que engloba documentos da Corregedoria da PM-SP (Polícia Militar do Estado de São Paulo), da delegacia seccional de Osasco, do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), ambos da Polícia Civil, do MP-SP (Ministério Público) e do TJM-SP (Tribunal de Justiça Militar) aponta que os ataques que deixaram 19 pessoas mortas em Osasco e Barueri, na Grande SP, no dia 13 de agosto deste ano, foram, sim, uma retaliação às mortes de um cabo da PM e de um GCM (guarda civil metropolitano) na mesma semana da série de atentados.

A defesa dos 18 policiais militares e de um civil, acusados de terem participação nos atentados, tem acesso ao relatório. Ao todo, a investigação ouviu 54 policiais militares da ativa, da Força Tática e do 42º BPM (Batalhão da Polícia Militar), de Osasco.

De acordo com o capitão da PM encarregado pelo Inquérito Policial Militar, Rodrigo Elias da Silva,“está demonstrado, por meio dos registros das ocorrências, que trata-se de um grupo organizado para a prática de crimes de homicídios com clara intenção de vingança”. Antes de escrever isso, ele relembrou os assassinatos do cabo Avenílson Pereira de Oliveira, de 42 anos, e do GCM Jefferson Rodrigues da Silva, de 40. O PM foi morto no dia 7, e o GCM, no dia 12. “Devemos reparar que ocorreram 10 eventos com resultado morte depois das mortes do policial militar e do GCM”, afirmou.

Em um dos depoimentos colhidos, uma testemunha afirma que depois de ter sido baleada na perna, o atirador não falou nada e entrou no carro, que saiu em alta velocidade. Ela foi colocada em um carro de um morador da região para ser resgatada, quando ouviu as pessoas falando que o carro estava “sendo acompanhado por uma viatura da polícia, sendo que os policiais que estavam dentro dessa viatura estavam dando risadas”.

Durante a manifestação feita sete dias após a série de atentados, na frente do bar em Osasco onde oito pessoas morreram, os moradores afirmaram à reportagem da Ponte Jornalismo que todos desconfiavam da ação de PMs na série de atentados com 19 mortos.

“Quem sabe quem fez isso são só eles e os comparsas deles. Só uma coisa que eu te falo é que bandido não faz uma coisa dessas, não, de matar um monte de pai de família”, disse o segurança Fabiano Custódio, de 28 anos, que, naquela noite, ajudou a levar amigos baleados ao hospital.

O único preso

Quase um mês depois da maior série de homicídios do Estado desde os Crimes de Maio, em 2006, apenas uma pessoa está presa. Trata-se do soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), considerada uma tropa de elite da PM-SP, Fabrício Emmanuel Eleutério, de 30 anos. O agente público havia sido transferido recentemente da Força Tática para a Rota em uma movimentação promovida pelo Comando da PM. Todos os policiais que tinham três ou mais supostos confrontos seguidos de morte nos últimos cinco anos foram movimentados de batalhões. O soldado Eleutério afirmou à Corregedoria que já foi preso acusado de pertencer a um grupo de extermínio e que responde a cinco processos criminais.

Ele só foi preso por ter sido reconhecido por uma vítima que sobreviveu aos atentados. “Convidado a compulsar atentamente algumas fotografias, reconheceu, sem sombra de dúvidas e com absoluta segurança, a fotografia do indivíduo número “08”, de nome Fabrício Emmanuel Eleutério, como sendo o homem que estava de passageiro no veículo e que atirou várias vezes contra o reconhecedor na noite do dia 13/08/15 na região de Osasco”, aponta o documento do auto de reconhecimento fotográfico.

Briga com a mulher na hora dos crimes

Fabrício Emmanuel Eleutério afirmou em depoimento que, no momento dos ataques, estava com a namorada comendo pizza e assistindo um filme.

Uma história menos convincente foi contada pelo 3º sargento da PM Edilson Camargo Sant’Ana, de 46 anos. Ele trabalha no 42º BPM, o mesmo do cabo Avenílson Pereira de Oliveira.

No dia dos atentados, ele estava de folga. Mesmo assim, em depoimento, afirmou que saiu do bico que faz em um supermercado às 20h40 daquele dia 13. Livre do trabalho, ele disse que foi ao batalhão por ter brigado com a mulher. Relatou que chegou no local às 20h50 e que ficou no alojamento até 22h20, quando, por um estalo, decidiu voltar para casa. Lá, ele não falou com ninguém. Nenhum colega de trabalho sequer teria lhe visto.

Questionado pelo capital da PM Rodrigo Elias da Silva, por que ele resolveu voltar para casa, Sant’Ana afirmou que “achou melhor conversar com a esposa, acertar os problemas, pois depois só piora. Nada como a casa da gente”, disse. Ele sequer soube precisar se houve registro de sua suposta entrada e saída do batalhão.

Balada pós crimes

O 2º tenente da reserva da PM Carlos Alberto do Nascimento, de 49 anos, que há oito anos trabalha como segurança privado do proprietário da casa noturna Bar Razzi, localizado no Parque São Domingos, afirmou que achou estranho que, após o crime, sete policiais do 42º BPM – um sargento, um cabo e cinco soldados – foram ao local que tinha apresentação de bandas de forró e de sertanejo.

Foram ao local o sargento Valter Gonçalves, o cabo Jean Juliano Crispim Camargo, e os soldados Ângelo da Silva Ribeiro, Rogério Bastos Oliveira, Maksuel Lima Carneiro, Paulo Henrique Marques da Silva e Rodrigo Rodrigues de Oliveira.

Nascimento afirmou que, normalmente, os policiais informam com antecedência que vão até o local, sendo que, desde 2011, quando o estabelecimento foi aberto, nenhum PM daquele batalhão já havia ido até lá. O tenente da reserva soube precisar isso porque, para alguém entrar na balada, é preciso assinar um livro interno, assumindo que está portando arma.

Ele também disse que comentou com os policiais sobre a ocorrência daquela noite, afirmando que “a área de vocês está feia”. Como resposta, obteve apenas um “tá”. Alguns dos policiais saíram do estabelecimento comercial por volta das 3h do dia 14 de agosto.

Vítima sofreu dois abusos de PMs em julho

Rafael Nunes de Oliveira, de 23 anos, executado na rua Moacir Sales D’Ávila, em Osasco, foi reprimido por policiais militares menos de um mês antes de ser assassinado no dia 13 de agosto de 2015. Em julho, ele estava com seis amigos – quatro garotos e duas meninas – quando policiais os abordaram e agiram com abuso de autoridade. Uma das meninas foi reconhecida como sobrinha de um policial. Um dos PMs que estava na ação afirmou que “esse seu tio gosta de tirar tatuagem na faca”. Via rádio, ele chamou o tio da garota que foi até o local.

Um dos garotos foi levado até uma pista de skate, onde foi espancado. A mãe dele chegou perguntando o que havia acontecido e os PMs afirmaram que ele foi pego com porte de drogas. A mãe explicou que ele era trabalhador e os policiais liberaram o rapaz. Outra viatura chegou, após um deles ter ido embora. Todos apanharam. Foi quando viram que um dos jovens tinha uma carpa tatuada na barriga. “Você sabe o que significa isso aí?”, um dos PMs perguntou. “Sei sim, mas não fiz com essa intenção”, respondeu. “Stive, vai lá buscar a faca pra mim que eu vou tirar essa tatuagem na lâmina”, afirmou o PM. A tatuagem da  carpa  pode simbolizar pertencimento à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

Em um momento de distração dos PMs, que estavam atrás da faca, o garoto conseguiu ligar para o pai, que, então, foi até o local e chegou na hora em que os policiais já posicionavam o objeto de aproximadamente 40 centímetros na barriga do jovem. “Tomou coragem agora só porque seu pai chegou? Da próxima vez que eu pegar você, não vai ter seu pai do lado, não”, disse um dos PMs. O mesmo policial já havia raspado duas tatuagens de um amigo do grupo abordado. O policial que agiu desta maneira foi reconhecido fotograficamente como o soldado Mateus Gusmão de Sampaio.

Em uma outra data, no final de julho, Rafael estava dentro de seu carro, um Palio preto, ano 1998, com um amigo, quando foi abordado pelo sargento Camilo Fajin Pardo Júnior e um soldado da PM não reconhecido. Os policiais perguntaram se eles tinham algo de errado. Rafael respondeu que havia um cigarro de maconha no veículo. Os documentos estavam em dia, mas Rafael não tinha habilitação. O soldado falou que “o outro aí do lado é habilitado” e perguntou se “podia liberar o carro?”. O sargento respondeu: “não. Esse carro já está apreendido”.

Quando o carro estava em cima do guincho, Rafael pediu ao motorista que fechasse a janela de seu veículo e obteve o não como resposta, sob alegação de que a perícia iria mexer no carro. Houve uma discussão e Rafael pediu ajuda dos policiais. O sargento respondeu que “já está em cima do guincho. Não é mais problema meu”. O jovem se exaltou e o sargento afirmou: “Fica quietinho aí, se não a gente vai te complicar com aquele negocinho que pegamos com vocês”.

PM suspeito de atuar em duas chacinas: Pavilhão 9 e Osasco

Em abril, 8 pessoas foram assassinadas na quadra da torcida organizada corintiana Pavilhão Nove, na Ponte dos Remédios, zona oeste de São Paulo, divisa com Osasco. Quatro meses depois, 19 pessoas foram executadas em Osasco e Barueri.

O segundo sargento da Polícia Militar Marcelo Mendes da Silva, do 14º Batalhão da corporação, em Osasco, um dos PMs investigados sob a suspeita de participar da série de atentados que deixou 19 mortos em bairros da periferia de Osasco e Barueri, na Grande São Paulo, em 13/08, também é investigado por participação na chacina com oito mortos dentro da sede da torcida Pavilhão Nove..

O nome de Mendes já era conhecido pelo Comando-Geral da PM e pela Corregedoria (órgão fiscalizador) da corporação desde maio, mas ambos não conseguiram elementos para que o soldado fosse indiciado pelas oito mortos dentro da sede da torcida organizada do Corinthians.

O DHPP (Departamento de Homicídios de Proteção à Pessoa) apontou o ex-PM Rodney Dias dos Santos, de 41 anos, um dos sócios-fundadores da uniformizada do Corinthians, e o PM Walter Pereira da Silva Junior, soldado do 33º BPM, como dois dos três homens que cometeram os crimes na Pavilhão Nove. Rodney e Walter negam participação na chacina e estão presos.

 

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