Juca Kfouri: "problema do Brasil é falta de espaços para participação"

Em entrevista a coletivo que acompanha Copa, jornalista critica obras que Estado priorizou, mas rechaça ideia de que torneio tirou recursos da Saúde e Educação

No Ocopa

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Em entrevista a coletivo que acompanha Copa, jornalista critica obras que Estado priorizou, mas rechaça ideia de que torneio tirou recursos da Saúde e Educação

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Foram abordados aspectos da conjuntura política do Brasil frente à Copa do Mundo, a estrutura mercadológica do futebol em seus moldes atuais, questões relativas às jornadas de junho e suas repercussões. Sobre o megaevento, Kfouri acredita que a ausência de consultas populares explica os altos índices de insatisfação.

Copa no Brasil

O jornalista não considera que a FIFA é culpada de todas as mazelas do evento. Ele explica que ao se candidatar para sediar o evento, o governo brasileiro já tinha conhecimento de todas as exigências da “transnacional corrupta”. O erro, portanto, consiste na falta de participação da sociedade civil na decisão que trouxe o grande evento para o país. “Para que se aceite no Brasil novos empreendimentos desse porte, sejam mega eventos, sejam grandes obras, como a Belo Monte, deve haver referendo popular”, analisa o jornalista.

Quando a ideia de receber a Copa começou a ser semeada, foram levantados questionamentos sobre a capacidade do país de realizar o evento. Frente a isso, Kfouri mantém a mesma opinião de sete anos atrás e entende que um país 5 vezes campeão do mundo tem toda a condição de sediar o mundial do futebol. Entretanto, o jornalista enfatiza: “Sou contra que se faça o evento com essa gente que está sendo escolhida para a organização. Vai dar merda. Por quê? Porque quando você vê que o Ricardo Teixeira passou a ser o presidente do comitê organizador local, estava na cara o que daria”, critica Kfouri.

Gastos da Copa

Considerando os altos níveis de insatisfação popular com relação aos exorbitantes gastos, o colunista da Folha de S. Paulo avalia: “Quando decidiram que o Brasil ia fazer a Copa, a promessa feita, tanto pelo governo quanto pela CBF, é que seria a Copa do capital privado, que não ia entrar dinheiro público, o que aconteceu foi o contrário: quase exclusivamente o dinheiro público. Então é natural que as pessoas reclamem”, explica.

Ainda sobre os gastos, o jornalista considera um equívoco imaginar que os recursos utilizados na construção dos estádios poderiam ser destinados a outras áreas, como educação e saúde. “O dinheiro que foi utilizado para enviar o homem à lua não aniquilaria a fome na Terra”, critica Kfouri. Ele relaciona a Copa com o jogo de interesses intrínsecos ao capitalismo, no qual os investimentos são claramente aplicados a projetos que visam um retorno lucrativo, sobrepondo-se, assim, às necessidades básicas da população.

Ao mesmo tempo, o colunista não deixa de desmistificar a ideia que permeia o discurso pró Copa de que a construção de estádios em regiões carentes do país alavanca o desenvolvimento econômico e urbano de tais áreas. “Conversa com um urbanista de direita, nem ele vai afirmar que isso é verdade”, ironiza. Juca usa o exemplo do estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro: apesar de ser uma das arenas mais modernas do país, não trouxe desenvolvimento algum para a região. O estádio atualmente está interditado e logicamente não receberá nenhum jogo da Copa.

(Foto: Michel Nebonta/ Revista Vaidapé)

Elitização do Futebol

A entrevista também trouxe temas como a elitização e mercantilização do futebol. Juca Kfouri afirma que o esporte no Brasil precisa de um “choque de capitalismo” para valorizá-lo internamente, desacelerar o processo de exportação de jogadores para o exterior e “vender o filme e não os atores”. Para o cronista, a saída em grande escala de jogadores brasileiros para clubes europeus e asiáticos é responsável pelo enfraquecimento do futebol nacional. Usa como exemplos o caso do jogador Paulo André e Sócrates, ambos ex Corinthians: “O Paulo André foi jogar na China porque a cartolagem pressionou o Corinthians para tirá-lo daqui, (…) do mesmo jeito que o Sócrates teve que jogar na Itália”.

Juca aponta a importância das torcidas na composição do espetáculo futebolístico, criticando políticas que restrinjam sua participação. Toma assim o exemplo do futebol inglês, que, para resolver as questões relativas à violência entre as torcidas, eliminou a possibilidade de participação popular nos jogos. “Sou louco por ti Corinthians”, fala o jornalista ao ressaltar seu time e a emoção do torcedor.

Nesse sentindo, a repressão policial na entrada dos jogos é apontada como um fator que estressa o torcedor antes mesmo de entrar no estádio e aumenta os casos de violência entre as torcidas. “Se você é tratado como animal, você vai agir como um animal”, relaciona.

Sobre as grandes manifestações de junho do ano passado, em que a população questionou os baixos salários dos professores em contraste com o alto salário de grandes jogadores, o jornalista sinaliza: “O que me parece equivocado é eu cobrar do Neymar as mazelas do Brasil ou dizer que é um absurdo o salário que o Neymar ganha comparado com o salário dos educadores”. Kfouri ressalta que os jogadores de futebol são artistas e questiona: “Por que questionar o salário dos jogadores e o do Roberto Carlos não? É um absurdo o salário dos educadores e ponto”.

Já no final da entrevista, após relatar um pouco sobre sua extensa trajetória política no jornalismo, Kfouri expressa sua posição ideológica. “Qual é a minha luta hoje? É para tornar menos selvagem esse capitalismo. O que é ser de esquerda hoje? É ser alguém que continua brigando pela inclusão dos excluídos, que não dá como uma lei natural a injustiça social, que considera a competitividade do capitalismo a roda da historia – eu não concordo com nada disso”, conta.

Questionado sobre os meios para atingir esse objetivo, Juca diz que já sonhou com um modelo similar ao da União Soviética no Brasil. “Já faz tempo, que me dei conta de que aquilo lá também não era solução, tomaram o poder em nome de uma ideia e traíram essa ideia. Hoje eu olho para a Escandinavia pensando: tomara que a gente chegue lá”, conclui Juca Kfouri.

A coletiva contou com a participação dos veículos Guerrilha GRR, Revista Vaidapé, Correio da Cidadania, Jornal A Nova Democracia, BBC Arabic, Revista Ocas, Coletivo Sacode, Rádio Várzea e o jornalista Carlos Carlos. A íntegra está aqui.

Veja o arquivo da entrevista no twitcasting

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