Iraque: os Estados Unidos cansados de guerra

Nem mídia conservadora defende nova intervenção, em país acossado por ultra-fundamentalistas. Doze anos depois, invasão de Bush revela-se fracasso total

Por Jim Lobe, no Envolverde

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Soldados dos Estados Unidos na cidade de Basra, no Iraque, durante a ocupação

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Nem mídia conservadora defende nova intervenção, em país acossado por ultra-fundamentalistas. Doze anos depois, invasão de Bush revela-se fracasso total

Por Jim Lobe, na Envolverde

Os políticos e assessores conservadores que apoiaram a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque em 2003 não conseguiram convencer a população e nem o Congresso da necessidade de uma nova intervenção militar naquele país, apesar de sua onipresente pressão nos meios de comunicação.

De fato, em contraste com a posição acrítica adotada por quase todos os veículos de comunicação norte-americanos no período prévio à invasão do Iraque, em março de 2003, desta vez vários deles rechaçam abertamente os conselhos dos chamados falcões conservadores sobre a resposta que Washington deve dar ao avanço dos radicais islâmicos sunitas no Iraque.

O exemplo mais impressionante se viu no canal de notícias Fox News, tradicionalmente identificado com a direita e o opositor Partido Republicano. A âncora Megyn Kellyn apresentou Dick Cheney, o vice-presidente nos dois governos de George W. Bush (2001-2009), como “o homem que ajudou a levarmos o Iraque à primeira instância”.

“O senhor disse que (o ex-presidente iraquiano) Saddam Hussein (1979-2003) tinha armas de destruição em massa”, recordou Kelly a Cheney, no dia 17 deste mês. “Assegurou que seríamos recebidos como libertadores. Disse que a insurgência (sunita) dava seus últimos suspiros, em 2005. E disse que depois de nossa intervenção os extremistas teriam que repensar sua estratégia da jihad. Agora, com um gasto ali de quase US$ 1 trilhão, com 4.500 vidas norte-americanas perdidas naquele país, o que diz aos que afirmam que o senhor estava tão equivocado sobre tantas coisas à custa de tantas pessoas”?, perguntou a apresentadora.

“Simplesmente, estou fundamentalmente em desacordo”, respondeu Cheney, que acabava de publicar um artigo de opinião no Wall Street Journal com sua filha, Liz Cheney, no qual utilizara essa última frase pra descrever a política do presidente Barack Obama.

O jornal The New York Times, habitualmente sério e respeitoso, brincou com as críticas contra a política de Obama feitas por John Bolton, ex-embaixador junto à Organização das Nações Unidas (ONU) durante o governo de Bush, em um artigo sobre a “semana de regresso da administração Bush”, caracterizada por um “desfile de neoconservadores que apareceram recentemente na televisão por cabo e sem seminários conservadores para dizer ‘eu te disse’ a respeito do Iraque”.

E quando o senador republicano John McCain defendeu no Senado uma “ação imediata” contra as forças do Estado Islâmico do Iraque e Síria (Isis) para evitar seu posterior avanço sobre Bagdá, a jornalista do Washington Post, Dana Milbank perguntou “quando John McCain argumenta a favor da guerra alguém o ouve”?.

O Isis é um grupo extremista que se separou da rede islâmica Al Qaeda e que reclama territórios do Iraque e da Síria e impulsiona a ofensiva da minoria sunita, à qual pertencia Saddam, executado em 2006, que vem avançando no norte e no centro do Iraque nos últimos dez dias.

Como disse Milbank, “ser um intervencionista é um trabalho solitário nestes dias”. As pesquisas dos últimos anos revelam que o público norte-americano está desiludido com a guerra em geral, não só com as intervenções militares de Washington no Iraque e Afeganistão. Uma pesquisa feita pela Ipsos/Reuters este mês mostra que 55% dos entrevistados são contra qualquer tipo de intervenção militar dos Estados Unidos, enquanto apenas 20% a apoiaria, e que há pouca diferença entre os que se consideram republicanos e democratas.

Esta situação prejudicou claramente a posição política e a credibilidade dos falcões, especialmente daqueles – como Cheney, Bolton e o ex-subsecretário de Defes, Paul Wolfowitz, e o editor do semanário Weekly Standard, Bill Kristol – que apoiaram de forma destacada a guerra no Iraque e agora pedem uma nova intervenção, pelo menos, com ataques aéreos.

No momento, até os líderes republicanos no Congresso parecem satisfeitos com as medidas anunciadas por Obama no dia 19 deste mês – uma vigilância aérea reforçada e o envio de no máximo 300 assessores militares para reverter o avanço do Isis. Washington também pressiona o primeiro-ministro iraquiano, o xiita Nouri Al Maliki, a quem praticamente todos os observadores deste país culpam por alienar sistematicamente a população sunita no Iraque, para que renuncie a um terceiro mandato ou compartilhe o poder de forma que a oposição sunita apoie o governo.

A maioria dos especialistas norte-americanos no Iraque insistem que os ataques aéreos ou qualquer medida militar adicional dos Estados Unidos deve contar com o acordo de Maliki e o apoio e a eventual ajuda do Irã, da Arábia Saudita e de outros vizinhos para estabilizar o país. Mas os falcões afirmam que Washington carece da influência militar, isto é, de dezenas de milhares de soldados norte-americanos, para conseguir uma solução desse tipo.

E por esta situação culpam Obama quando retirou as forças dos Estados Unidos em 2011, depois que o parlamento iraquiano se negou a aceitar um acordo extremamente impopular que daria imunidade legal às forças norte-americanas.

De fato, em consonância com sua tentativa de retratar a política externa de Obama como frágil, o discurso dos falcões atribui a crise atual à decisão do presidente de retirar os militares norte-americanos e não à sua própria responsabilidade pela invasão de 2003 e suas consequências (incluída a destruição do Estado iraquiano e o aumento do sectarismo), sem se centrar no que Washington deveria fazer diante da ofensiva do Isis.

Os conservadores têm especial preocupação com o interesse de Washington para que o Irã participe com relação à crise no Iraque, algo que começou em meados deste mês com uma breve reunião de alto nível, paralela às negociações internacionais em curso sobre o programa nuclear de Teerã. Os conservadores se opuseram com veemência quando um destacado falcão republicano, o senador Lindsey Graham, apoiou a ideia de que Teerã, que apoia o governo de Maliki, tenha um papel importante na solução do problema do Isis.

“A ideia de que os Estados Unidos, uma nação que defende a democracia e a proteção da estabilidade, compartilhe um interesse comum com a República Islâmica do Irã, uma teocracia revolucionária que é patrocinadora número um do terrorismo no mundo, é tão descabelada quanto se Neville Chamberlain e Adolf Hitler tivessem trabalhado junto para o bem da Europa”, escreveram, no Washington Post, Michael Doran, um alto assessor do governo Bush no Oriente Médio, e Max Boot, do Conselho de Relações Exteriores (CFR).

Esse tema foi usado pelos Cheney, que escreveram que “só um bobo” buscaria a participação do Irã em relação ao Iraque, deixando de lado a opinião do ex-secretário de Estado, James Baker – e colega de Cheney no governo Bush –, que afirmou que “o Irã já é o ator externo mais influente no Iraque e que, portanto, qualquer esforço sem sua participação provavelmente fracasse”. Naturalmente, uma das muitas consequências não buscadas da invasão de 2003 e da ascensão xiita durante a ocupação norte-americana foi que o Iraque se aproximasse do Irã.

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2 comentários para "Iraque: os Estados Unidos cansados de guerra"

  1. Ronalde Segabinazzi disse:

    Eu gostaria de saber o que o articulista quer se referir quando fala em “midia conservadora”. Talvez seja aquela que imite opiniões contrárias a, por exemplo, ao bolivarianismo que o lulopetismo está tentando instalar no país.

  2. benjamim lima disse:

    os EEUU não estão cansados de guerra, estão cansados de perder guerras: Guerra do Vietnã, um fiasco, invasão do Iraque, um fiasco, guerra do Afganistão, outro fiasco, guerra da Líbia, por interpostos lacaios, França, Inglaterra,etc , mais um fiasco. Gato escaldado tem medo de água fria, como diz o ditado popular. Mas, o complexo militar-industrial dos EEUU precisa de guerras. A guerra é a seiva de que o complexo militar-industrial se alimenta. Afinal, as multinacionais precisam assegurar os seus lucros e suas fontes de energia. Eles estão dando apenas um tempo, para que a consciência do fracasso se dilua um pouco.

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