Há quarenta anos, em Saigon

Fuga humilhante selou derrota norte-americana na Guerra do Vietnã. Três milhões de vietnamitas foram mortos; poder de Washington e do Ocidente jamais seria o mesmo

U.S. Army helicopters providing support for U.S. ground troops fly into a staging area fifty miles northeast of Saigon, Vietnam in January of 1966.  (AP Photo/Henri Huet, File)

EUA montaram maior operação de resgate por helicópteros da história. Partiam de dez em dez minutos, conduzindo soldados e cúmplices para 25 navios no Mar da China. O último decolou às 7h58 de 30 de abril

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Fuga humilhante selou derrota norte-americana na Guerra do Vietnã. Três milhões de vietnamitas foram mortos; poder de Washington e do Ocidente jamais seria o mesmo 

Por Luís Manfredini, no Vermelho

Saigon, Vietnã do Sul, final da manhã de 30 de abril de 1975. Sob chuvas torrenciais, 17 divisões do exército do Vietnã do Norte e da Frente Nacional para a Libertação (FNL) entram na capital e rapidamente se apoderam de edifícios e instalações estratégicas.

Blindados modelo T-54, de fabricação soviética, arrombam os portões do Palácio Presidencial. Quinze minutos após o meio-dia, é hasteada a bandeira da FNL. Ao recém-empossado presidente Duong Van Minh não restou alternativa senão o derradeiro comando de rendição geral das suas tropas. A cidade tornara-se um pandemônio, soldados que não tiveram tempo de vestir roupas civis corriam pelas ruas, esbaforidos, de cuecas e camisetas, milhares de civis que haviam trabalhado com os norte-americanos e o governo deposto, acotovelavam-se em desesperada debandada rumo à embaixada dos Estados Unidos. Mais de 50 mil soldados, entre vietcongs e militares do Norte, garantiam a queda de Saigon. Os combatentes pela libertação do Vietnã do Sul que integravam a FNL eram chamados de vietcongs, que significava “comunista vietnamita”. De início, um apelido maldoso criado pelos Estados Unidos, que depois viu-se associado heroicamente à luta de resistência.

Chegava ao fim Guerra do Vietnã (ou a Guerra Americana, como dizem os vietnamitas), uma carnificina patrocinada pelos Estados Unidos que, em 14 anos, provocou a morte de três milhões de vietnamitas e 58 mil norte-americanos. Mais que isso, encerrava-se um vasto período de dominação estrangeira e guerras de liberação no país asiático, que desde o longínquo 1887 enfrentara o colonialismo francês, o domínio japonês e o imperialismo norte-americano.

Acordos de Paris

Dois anos antes da queda (ou libertação, como preferem os vietnamitas) de Saigon, em janeiro de 1973, acordos de paz assinados em Paris entre os Estados Unidos e o Vietnã do Norte, após 24 meses de extensas e complexas negociações, haviam decretado o fim do envolvimento norte-americano na Indochina. Para os Estados Unidos a guerra havia terminado com a flagrante derrota política e militar de sua poderosa máquina de guerra. Mas em pouco tempo o presidente Nguyen Van Thieu, do Sul, anunciou que a guerra havia recomeçado e os Acordos de Paris não teriam mais efeito. A guerra ainda continuaria por mais dois anos.

Nos dias que antecederam a queda de Saigon, entre 15 e 28 de abril de 1975, os Estados Unidos montaram uma gigantesca operação de retirada de seis mil norte-americanos e 50 mil dos seus cúmplices sul-vietnamitas. Mas na madrugada do dia 29, os revolucionários bombardearam pesadamente o aeroporto e Saigon tornou-se um beco sem saída. Assim, os militares dos Estados Unidos iniciaram a maior operação de resgate por helicópteros da história. Durante dezessete horas ininterruptas, mais de 130 helicópteros chegariam e partiriam de dez em dez minutos, conduzindo prioritariamente soldados norte-americanos para 25 navios ancorados no mar do sul da China. O último deles decolou às 7h58min da manhã de 30 de abril. Calcula-se que cerca de dez mil sul-vietnamitas, entre os quais muitos colaboracionistas, ficaram para trás. Menos de uma hora depois, entravam na cidade, triunfantes, os tanques norte-vietnamitas.

As origens

Em 1887 o colonialismo francês se impôs ao Vietnã, Laos e Camboja, transformando-os na União Indochinesa. Em 1940 os japoneses ocuparam o lugar dos franceses, tendo como resposta a criação, em 1941, sob a liderança de Ho Chi Minh, da Liga Revolucionária para a Independência do Vietnã (Vietminh). Rendido o Japão, em 1945, o líder vietnamita proclamou a independência da República Democrática do Vietnã, com capital em Hanói. Mas no ano seguinte os franceses voltaram à carga e começou outra guerra, a da Indochina, que se arrastou até 1954, com a vitória dos vietnamitas na histórica batalha de Dien Bien-phu. Mas sob os ditames da guerra fria, o país foi dividido em dois pela Convenção de Genebra: ao norte, tendo Hanoi como capital, a República Democrática Popular do Vietnã, liderada por Ho Chi Minh; ao sul, com capital em Saigon, a República Democrática do Vietnã, sob influência dos Estados Unidos.

A divisão, no entanto, segundo a própria Conferência de Genebra, seria temporária, encerrando-se com eleições gerais em todo o Vietnã, que deveriam ocorrer em 1956. Mas o sul, temendo a enorme popularidade de Ho Chi Minh e aconselhado pelos Estados Unidos, cancelou o pleito. Nova guerra teria início, a partir de um grande levante popular em 1957. Em dezembro de 1960, nacionalistas, democratas, budistas, comunistas e outros segmentos excluídos pela ditadura de Ngo Din Diem, formaram a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã do Sul (FLN), com apoio dos compatriotas do Norte.

A fraude

Os Estados Unidos, que até então participavam do conflito enviando número crescente de consultores e assessores junto ao governo do Sul, iniciaram a intervenção militar direta em 1964, alegando um ataque de lanchas norte-vietnamitas contra um navio de espionagem estadunidense no golfo de Tonkin. O ataque nunca existiu, como comprovaram, em 2005, documentos secretos liberados pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos. No auge da guerra, seus soldados em solo vietnamita chegaram a 550 mil. Em 1965, tiveram início os bombardeios sistemáticos sobre o Vietnã do Norte. Ao longo do conflito, os norte-americanos investiram mais de US$ 250 milhões. Na obsessão de derrotar a FNL, praticamente devastaram o Sul com bombas químicas altamente destrutivas, condenadas pela ONU, incluindo as desfolhantes como o napalm, o gel pegajoso e incendiário que provocava asfixia e a destruição das pujantes florestas asiáticas.

A Guerra do Vietnã chegava ao fim, em 30 de abril de 1975, com a conquista de Saigon pela FNL e seus aliados do Norte. Durante a breve ocupação militar que se seguiu, o Vietnã do Sul foi administrado por um governo provisório. Sua antiga capital tornou-se Cidade Ho Chi Minh. E em dois de julho de 1976, as duas partes do país foram reunificadas para formar a República Socialista do Vietnã.

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