Dilma e o preço da paralisia política

Oposição arranca da presidenta, um a um, todos os instrumentos que lhe permitiriam manter projeto inaugurado por Lula. Mas ela própria estimula tal pilhagem

Por Maria Inês Nassif, na Carta Maior

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Oposição arranca da presidenta, um a um, todos os instrumentos que lhe permitiriam manter projeto inaugurado por Lula. Mas ela própria estimula tal pilhagem

Por Maria Inês Nassif, em Carta Maior

É assustadora a corrosão ocorrida na imagem da presidenta Dilma Rousseff e de seu governo em apenas 41 dias do início do seu segundo governo. Isso não é apenas efeito Operação Lava Jato. Aliás, é possível arriscar o palpite de que a operação, que desde o ano passado tentava vincular a rede de corrupção dentro da Petrobras ao governo, à Dilma e ao PT, apenas conseguiu esse objetivo porque encontrou terreno fértil na inação política do governo, no período posterior à campanha eleitoral.

Assustada com a agressividade da oposição durante as eleições, a presidenta concentrou-se em tentar eliminar as restrições do mercado à política econômica anterior. Acreditou que, agradando o capital financeiro, desarmaria seus oponentes mais sensíveis aos humores do poder econômico. Ignorou o fato de que a agressividade da oposição, e o ataque especulativo à economia brasileira e à Petrobras, não se encerrariam com o fechamento das urnas e a consagração do candidato vitorioso. Isso porque, independentemente da sua vontade ou de sua intenção, tornou-se a grande protagonista de um momento da história em que ocorre uma radicalização visível e grave na sociedade. Quer ela queira, ou não, é a maior líder de um lado dessa disputa, no momento em que o outro lado passou a ter um projeto de poder que lhe é próprio, não admite mais intermediários.

Neste momento, a elite brasileira não está delegando tarefas a terceiros. As elites política e econômica, juntas, acham que dão conta de operar diretamente seus interesses, da forma como fizeram durante toda a história desse país, salvo intervalos de governos mais populares — Getúlio Vargas, João Goulart, Lula e Dilma. O “outro lado” está forjando líderes na marra, com o uso ativo de uma máquina de mídia. Dilma tem que decidir se assume de fato a liderança do seu lado ou insiste numa política de tentar cooptar grupos políticos e econômicos que acreditam ter mais poder do que ela, e dificilmente serão seduzidos por um Executivo que vem sendo diária e persistentemente esvaziado pela ação da Justiça, da Polícia Federal, da grande mídia e da articulação parlamentar da política tradicional.

A parcela excluída do poder federal pelas eleições tinha, cultivou e adubou formas de poder concorrentes ao obtido nas urnas, tem munição para bancar uma guerra própria e não está interessada na mediação que Dilma insiste em fazer para contentar seus interesses econômicos imediatos. Qualquer concessão que a presidenta fizer a esse grupo social será apenas uma concessão. Ela e esses grupos estão apartados pela radicalização política que existe efetivamente nas bases sociais. Abandonar a política econômica antiliberal, cooptar para o governo figuras emblemáticas da direita ideológica (como a ministra Kátia Abreu, a ruralista, e o ex-prefeito Gilberto Kassab) e desmobilizar as forças que a levaram ao poder em 20 de outubro passado — nada disso apaga da sua imagem a marca, agora indelével, de figura central de um projeto de poder que venceu as três últimas eleições presidenciais com o voto de uma massa de eleitores pobres. Foi o voto que ela pediu aos eleitores que a transformaram nisso. Não existe hipótese de Dilma ser aceita por esses setores conservadores. O projeto de poder que representa foi consagrado nas eleições e continua em disputa na sociedade, mesmo depois de fechadas as urnas, e assim continuará, pela simples razão de que contrariou interesses econômicos consolidados e desalojou os políticos tradicionais de suas bases, antes manipuladas eleitoralmente com grande facilidade por grupos que, ou estão na oposição, ou foram apoiar o PT, mas deixaram de ser donos de votos e passaram a sobreviver do apoio a programas sociais do governo federal, e certamente não gostam dessa situação.

O início do segundo governo Dilma possibilitou uma reunificação de interesses das elites econômicas e políticas do país. As traições ocorridas nos partidos tradicionais que apoiavam a reeleição, durante o processo eleitoral, são expressão disso. Maior expressão ainda foi a vitória do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na disputa pela Presidência da Câmara. A derrota arrasadora na eleição para mesa daquela Casa legislativa não foi simplesmente uma humilhação política. Foi um golpe para o projeto político do eleitor de Dilma. Cunha consegue unificar interesses econômicos que antes orbitavam no Planalto apenas por razões de ordem prática. Agora, quase que se extingue a necessidade desses interesses negociarem diretamente com o Planalto. O deputado peemedebista fez uma enorme bancada de seguidores porque opera como mediador de financiamento de campanha para parlamentares. É uma ligação direta entre política e poder econômico. Com Cunha, esse vínculo deixa de ser uma hipótese ou recurso teórico e retórico: o deputado é a ligação tangível, real, palpável, sem subterfúgios, entre a política tradicional e o poder econômico; entre elites políticas e econômicas. Por isso ganhou as eleições para presidente da Câmara. E, investido do cargo, passa a ter o poder adicional de agendar interesses de qualquer grupo econômico. Tem poder e bancada para respaldá-lo. Cunha é um elemento fundamental na unificação dos setores econômicos e políticos cujo status quo foi ameaçado pela política econômica e social da última década, que permitiu melhor distribuição de renda e democratizou o acesso dos brasileiros aos direitos básicos de cidadania: renda, educação (inclusive superior), saúde e habitação.

Quando obteve os votos necessários à sua reeleição, Dilma foi credenciada pelos eleitores para ser a voz deles na disputa por espaço de poder não apenas formal — o da Presidência, com as limitações impostas ao exercício pleno de um projeto de poder consagrado pelas urnas –, mas como líder de um dos lados da luta social incontida na sociedade, que ganhou espaço e substância na luta eleitoral. Dilma desmobilizou a militância e os apoios que obteve na campanha eleitoral, no pressuposto de que isso acalmaria os detratores, sem se dar conta de que abria mão da sustentação social que deu a ela vitória nas urnas, e sem entender que isso não desmobilizaria os setores que a ela se opunham. Esses grupos têm lado definido, estão mobilizados, entenderam que a disputa política não se encerra nas eleições e estão dispostos a pagar — e fazer o país pagar — qualquer preço para tirar o PT do poder.

Em 12 anos de luta contra aparelhos de Estado que se mantêm em permanente conflito com o poder instituído pelo voto, como o Ministério Público, Justiça e Polícia Federal, e de sofrer bombardeios diários e constantes da mídia tradicional, aparelho privado de ideologia mais forte e poderoso que os próprios partidos políticos, não ensinaram o partido que detém o poder que hegemonia eleitoral e hegemonia política são duas coisas distintas. Dilma sofre do mesmo mal. Ela e o PT desconhecem que o voto não passa simplesmente uma borracha no desgaste acumulado nesse período por ataques constantes à imagem (sem reação significativa nenhuma dela ou do PT a qualquer acusação). E que a nova classe média, que reelegeu Lula e elegeu Dilma, e em parte contribuiu para a reeleição da presidenta, entrou no mundo do consumo também como consumidor de uma informação que é produzida pela mesma elite que os manteve fora do mercado durante todo esse tempo.

O processo de desgaste político pode encontrar meios de reparação na ação política do governo e da presidenta Dilma — e se não enxergar o país e a democracia brasileira apenas no âmbito institucional. O desafio de Dilma, nesse momento, não é ganhar aliados discutíveis, mas manter a base de apoio social que deu a ela vitória nas eleições. Com dificuldades institucionais, num sistema político onde cada vez mais os poderes são concorrentes, e cada vez menos cooperativos; numa realidade onde a radicalização dos setores oposicionistas persiste; num momento em que o ativismo policial e judiciário tem servido ao caldo de cultura contrária ao partido que mantém o poder há 12 anos e em que a mídia tradicional reina, absoluta, nos corações e mentes, desmobilizar eleitores, militantes e simpatizantes significa isolar completamente a Presidência da República.

Se a resposta política não for rápida e ampla, todavia, a repercussão sobre os instrumentos disponíveis de gestão das políticas econômica e social será desastrosa. O desgaste político torna o governo muito mais sensível ao ataque especulativo contra a Petrobras. Já é possível antever o próximo ataque, destinado ao BNDES. Sem Petrobras e BNDES, e com a decisão de fazer uma política fiscal restritiva, a chance de piorar muito a situação econômica do país é enorme. Aos poucos, a ação policial contra a Petrobras — que está mirando a estatal e o governo, não simplesmente depurando a empresa de malfeitos — vai amarrando todos os instrumentos que, a partir do segundo mandato de Lula, permitiram a ele e a Dilma resistirem à crise internacional: investimentos crescentes da petroleira estatal, banco de desenvolvimento, incremento da indústria da construção civil e capacidade do Estado incentivar setores via benefícios fiscais. Voltar a fazer uma gestão antiliberal sem esses instrumentos, no futuro, vai ser muito difícil. O risco futuro não é simplesmente a inviabilização da esquerda como alternativa de poder, mas junto com isso enterrar o legado — reconhecido internacionalmente — de construção de um país menos injusto.

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6 comentários para "Dilma e o preço da paralisia política"

  1. Ruy Mauricio de Lima e Silva Neto disse:

    Brilhante e apavorante, Maria Inês, parabéns! Quando e como terminará este pesadelo, sem que haja vozes discordantes sistematica e planejadamente na mídia, através de canais próprios para que o povo possa ser bem informado? Cadê as lideranças parlamentares, cadê os novos Celsos Furtados, Darcys Ribeiros, Alminos Afonsos, Doutéis de Andrades da atual Intentona? Dilma,pelo amor de Deus, reaja substancialmente, amplamente, envolvendo massas humanas nas ruas, artistas, intelectuais, cientistas. Chega de ficar boiando na Base Naval de Aratu, o Carnaval já passou, Beija-Flor venceu. O ano finalmente começou.Os olhos da Nação se voltam para você, nossa recém-eleita.Vamos ter que continuar a assistir a esta melancólica e bem orquestra sucessão de insultos, acusações, calúnias que não visam a outra coisa senão desconstruir todo o esforço iniciado por Lula (com todos os seus pecados) e que vinha dando, de um modo geral, tanto certo? Um pesadelo.

  2. Marilene disse:

    Em que planeta esta “jornalista” vive? Faz sua análise culpando as instituições que estão defendendo (agindo estritamente dentro da Lei) o dinheiro público saqueado pelos novos ladrões, vulgo petralhas, os espertos que vivem da mentira e da desinformação. Somos uma República e nossa Lei maior é a Constituição. Todos tem que respeitá-la e NINGUÉM pode se achar acima desta Lei pois é o maior contrato social que faz a Justiça e a Paz Social se tornarem realidade. Mas a “jornalista” Nassif acha que quem está dando “golpe” no povo é quem defende a aplicação da Lei e, (já está ficando ridículo) a “mídia tradicional”! Mostra, portanto, o tamanho de sua inveja dos colegas livres. É asqueroso que num texto longo não tenha se referido aos BILHÕES desviados do erário para alimentar “um projeto criminoso de poder” como já atestou um Ministro da Suprema Corte. Não vê o que está em frente ao seu nariz marrom. Talvez esteja distraída contando as moedas que caem em sua conta como pagamento de sua cumplicidade no crime de lesa pátria em prol de uma ditadura socialista. Se fosse analfabeta teria perdão mas como é só mais uma militante petralha exibindo sua desonestidade intelectual em troca do vil metal, merece só a lata do LIXO da história.

  3. Tms disse:

    “O desgaste político torna o governo muito mais sensível ao ataque especulativo contra a Petrobras. Já é possível antever o próximo ataque, destinado ao BNDES. Sem Petrobras e BNDES, e com a decisão de fazer uma política fiscal restritiva, a chance de piorar muito a situação econômica do país é enorme.”
    Isso beira a loucura! ataque especulativo? A petrobrás está afundada na lama e ainda chama de especulação? A solução é o que? Deixar rolar as torneiras da corrupção nessa empresa?!
    Quem está arrisca piorar a situação econômica não é qualquer ataque especulativo, são as políticas econômicas desastrosas e os desmandos que são descobertos a cada dia. É muito querer ser cego ao achar que isso é especulação. Ou então é a deixa para preparar o terreno para quando o inevitável desastre econômico ocorrer poderem culpar “a grande mídia”, “o capital especulativo”, “a direita conservadora” e outros tantos monstros que assombram esse governo tão puro e cheio de pessoas com boas intenções que é incapaz de fazer algo de errado.

  4. astrofocus disse:

    “ataque especulativo contra a Petrobras”?? sério? essa crise é verdadeira e muito maior, não é uma mera “especulação”. crise moral, ineficiência econômica, corrupção desvairada por todos os governos que entraram no poder. isso não é invenção da mídia. eu sempre votei no PT mas não o considero “santo”. todos que entram no poder se beneficiam da corrupção. o descontentamento com o governo Dilma ainda vai além: conivência com a direita evangélica (já no poder há anos), com a base ruralista, nenhuma medida de proteção ecológica ou de proteção aos índios, etc etc. Dilma está pagando pelos seus “pecados” e deveria se afundar ainda mais. só uma crise absoluta vai fazer o brasileiro se dar conta do que é de fato preciso fazer: eliminar completamente a classe política que domina o nosso país.

  5. Por que Lula e Dilma não fizeram a Auditoria Cidadã da Dívida Pública? Pagamos de juros sobre juros e amortização mais de 2 bilhões de reais por dia. Todo sistema econômico está dominado por esse roubo!
    Felipe Luiz Gomes e Silva.

  6. Letícia. disse:

    Dilma sairá, talvez, com a pior avaliação da história como presidenta. 2015 será um ano péssimo para os trabalhadores, mas os grandes empresários, sócios do governo, irão certamente continuar sorrindo. O governo Dilma é refém de seus erros e de suas omissões. A economia está no caminho do naufrágio, segure-se quem puder.

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