As cores das manifestações colombianas

Operários, camponeses, estudantes, indígenas estão nas ruas da Colômbia, lutando por uma democracia menos neoliberal

Por Mauricio Archila, no Le Monde Diplomatique Brasil

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Operários, camponeses, estudantes, indígenas estão nas ruas da Colômbia, lutando por uma democracia menos neoliberal

Por Mauricio Archila, no Le Monde Diplomatique Brasil

Recentes protestos na Colômbia mostram duas tendências, ambas ligadas ao modelo econômico neoliberal: a oposição ao neoextrativismo e a defesa da economia camponesa. Por neoextrativismo entendemos a atividade mineroenergética, os agrocombustíveis e as megaobras como represas e vias de transporte. Diversos atores se opõem a ele em uma convergência de sindicalistas, pequenos mineradores, indígenas e comunidades negras, ambientalistas e habitantes das áreas ameaçadas. De outro lado, vêm despontando pequenos e médios camponeses que denunciam velhos problemas relacionados à desigual distribuição da terra e novos problemas derivados da abertura econômica. Embora os protestos desses setores não sejam novos, anteriores não cumprimentos governamentais propiciaram uma ampla convergência com a recente “paralisação nacional agrária”.

Em ambos os casos há aspectos do contexto que favorecem a crescente visibilidade desses temas e atores. De um lado está a política reformista do governo de Juan Manuel Santos, que vem estimulando leis a favor das vítimas, da restituição de terras, e que deu início aos diálogos com as guerrilhas, para não falar da melhora das relações com os países vizinhos. De outro lado, está o aprofundamento do modelo neoliberal. Essa quadratura de círculo mostra que, embora os diálogos de paz sejam chave para superar a violência política, nem tudo será solucionado por eles.

A novidade das lutas sociais na Colômbia é evidente, pelo aumento dos protestos, o número de participantes, a maior cobertura territorial e sua radicalização. O governo Santos responde com promessas que não cumpre, desqualifica os participantes ou os reprime. Por sua vez, para tornar visíveis suas exigências, os manifestantes lançam mão dos bloqueios de vias. Essas modalidades de protesto extrainstitucionais são distintas da luta guerrilheira, mas setores políticos, empresariais e militares tendem a assemelhá-las. Por isso, a violência política, que passou a utilizar formas menos letais, mas igualmente efetivas, de destruir organizações populares, continua limitando a evolução dos movimentos sociais na Colômbia.

Algo que também chama a atenção é que voltaram à cena atores com identidade de classe – operários e camponeses – cuja visibilidade apresentava uma tendência de diminuição; com isso, as lutas por condições materiais adquirem relevância. Claro que os operários e camponeses que protestam se concentram nos setores trabalhistas extrativos mineroenergéticos ou agroindustriais, ou em setores rurais especialmente afetados pela abertura econômica. Em regiões como a fronteira com a Venezuela, que viveu um grande protesto em meados deste ano, inserem-se também velhas reivindicações contra a fumigação de cultivos de uso ilícito e a declaração de certa autonomia em suas terras. Em algumas regiões continua a ação de comunidades indígenas e afrodescendentes pela defesa de seus territórios e o respeito das consultas prévias. Os indígenas de Cauca também vêm travando valorosas lutas de “resistência civil” contra todos os atores armados para que estes se retirem de seus territórios e respeitem sua autoridade.

Outro ator que se destacou na luta social há dois anos foi o movimento estudantil, que bloqueou com êxito a proposta oficial de reforma da educação superior. A mobilização do segundo semestre de 2011 por autonomia e democracia universitárias e pelo financiamento adequado dos entes de educação superior mostrou de novo a vitalidade do movimento estudantil, que utilizou criativamente de meios pacíficos e festivos de luta pela demanda da educação como um direito. Essa luta foi incentivada pelo movimento pelo direito à saúde, que havia conseguido frear uma regulamentação regressiva no fim de 2010.

Os impactos da recente mobilização social podem ser divididos entre imediatos e mais de fundo. Entre os imediatos, pode-se dizer que os recentes protestos tiveram algumas conquistas concretas, como liberdade de sementes (termo utilizado para reivindicar o não patenteamento das sementes, assim como medidas contra a biopirataria e a transgenia), controle de preços de certos insumos agrícolas e de combustíveis e alguns subsídios. Em relação aos impactos de fundo, embora o modelo econômico vigente não tenha sido derrotado, há alguns resultados notórios que o alteram parcialmente: mostrou-se outra cara da conflituosidade do país, não reduzida apenas ao enfrentamento armado; vieram à tona as desigualdades históricas da sociedade colombiana agudizadas com a abertura econômica; e destacou-se claramente que buscar a paz com abertura neoliberal não apenas é contraditório como talvez seja impossível sem reformas de fundo. Tudo isso mostra as limitações da democracia na Colômbia. Mas o mais importante é que as mobilizações tornaram visíveis atores que a sociedade não levava em conta, especialmente os camponeses, com suas alianças e convergências, que dão um tom mais radical aos protestos.

Em um balanço dessas lutas, insinuam-se novas formas de fazer política nas ruas, que articulam formas institucionais e extrainstitucionais, que indicam as desigualdades e exclusões de nossa sociedade. Essas novas formas de política estão ligadas a uma crescente politização das lutas sociais, tanto por motivos resumidos na expressão “direito a ter direitos” como por considerar cada vez mais o Estado (em todos os seus níveis, especialmente o nacional e o municipal) o principal adversário. Também a iniciativa de renovação política vem dos movimentos sociais, sobretudo indígenas, estudantes e camponeses. Cansados de uma representação que na verdade não os representa, de pactos políticos por cima que perpetuam a iniquidade e a violência, e, ainda, dos focos de corrupção que têm aparecido nas fileiras da esquerda tradicional, esses setores sociais têm propiciado convergências sociopolíticas e, às vezes, têm conformado expressões eleitorais que os representam – sem muito alcance territorial e atravessadas por lógicas setoriais e locais.

Com esses diferentes modos de atuação, os movimentos sociais na Colômbia, como em outras partes da América Latina, contribuem para aprofundar a democracia, com mais participação e novas formas de representação. Nessas lutas, os atores sociais põem em jogo seus valores e projetos utópicos, que em alguns casos vão além do desejo de obter benefícios estatais ou melhor desfrutar o “desenvolvimento”. Nesses exemplos, que são poucos, mas sintomáticos, esgrimem-se argumentos contra a categoria de desenvolvimento situada nos marcos da globalização capitalista e da modernidade ocidental. Desse modo, propõem-se alternativas ao “desenvolvimento” que se expressam em noções de “viver bem”, em contraposição às “más” práticas do capitalismo neoextrativista.

Infelizmente, esse processo conflituoso não está à margem da imposição da agenda neoliberal na Colômbia e das novas formas de violência contra os atores sociais, realidade que diz respeito a elementos estruturais da conformação histórica do Estado-nação no país. Mas os atores sociais não permanecem passivos diante dessas situações e, como os recentes protestos mostram, embora não consigam derrotar o modelo econômico, alteram-no de alguma forma enquanto se empoderam substantivamente, dando conteúdo participativo à democracia colombiana. O salto ao campo político-eleitoral é precário, mas há novas formas de ação cidadã, cada vez mais ampla e convergente, nas ruas e campos, que mostram que também na Colômbia outro mundo é possível.

* Mauricio Archila é Ph.D. em História, professor titular da Universidade Nacional da Colômbia e investigador do Centro de Investigación y Educación Popular (Cinep).

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