Armas nucleares, discurso hipócrita e caos

Em 2015, surgirá novamente oportunidade de questionar acordo que dá a alguns países monopólio do terror nuclear. Qual a brecha? Como aproveitá-la?

Por Thalif Deen, da IPS/Envolver

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Em 2015, surgirá novamente oportunidade de questionar acordo que dá a alguns países monopólio do terror nuclear. Qual a brecha? Como aproveitá-la?

Por Thalif Deen, da IPS/Envolverde

“Um dos grandes paradoxos da ciência moderna” é que os seres humanos buscam vida em outros planetas enquanto as potências nucleares do mundo mantêm e modernizam suas armas para destruir a vida na Terra, afirmou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon. “Devemos lutar contra o militarismo que engendra a busca por essas armas”, afirmou Ban no dia 6 de agosto, aniversário do lançamento pelos Estados Unidos da primeira bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima, em 1945.

A partir de abril, uma série de reuniões converterá 2015 em um ano decisivo para o sucesso ou o fracasso do desarmamento nuclear. Uma das mais importantes será a conferência quinquenal de exame do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), programada para os meses de abril e maio. Quase ao mesmo tempo, haverá uma conferência internacional da sociedade civil sobre paz, justiça e ambiente, nos dias 24 e 25 de abril, em Nova York, uma manifestação internacional e uma marcha pacifista rumo à sede da ONU, no dia 26 de abril, junto com protestos não violentos nas capitais de todo o mundo.

Em 2015 também se completarão 70 anos dos bombardeios atômicos sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, pelos Estados Unidos. E também 45 anos desde que as primeiras cinco potências nucleares – China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia (P5) – acordaram no Artigo VI do TNP a realização de negociações de boa fé para a eliminação de seus arsenais nucleares. Além disso, é possível que a conferência internacional sobre uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio, acordada na conferência de exame de 2010, aconteça no próximo ano, após numerosos adiamentos.

O Grupo Internacional de Planejamento para a Mobilização da Revisão 2015 do TNP, uma rede de organizações não governamentais internacionais que terá um papel preponderante nas próximas reuniões, apresentará uma petição, com milhões de assinaturas, a favor da abolição das armas nucleares. Caso a conferência de exame de 2015 não decida pelo início das negociações sobre a abolição, “o próprio tratado poderá fracassar, acelerar a proliferação das armas nucleares e aumentar a probabilidade de uma guerra nuclear catastrófica”, segundo o Grupo.

“O que devemos fazer? Deixar que os realistas pirados nos levem ao inferno? Não creio”, afirmou Joseph Gerson, coordenador da rede internacional, ao ser perguntado se seria possível algum avanço diante da intransigência das potências nucleares. A perspectiva do exame do TNP não é otimista, acrescentou. “Mas tenho esperança ao saber que nossos movimentos da sociedade civil não estão sozinhos na luta pela abolição”, acrescentou.

As última conferência de exame do TNP, em 2010, reafirmou “o compromisso inequívoco dos Estados possuidores de armas nucleares de alcançar a eliminação total de seus arsenais, com vistas ao desarmamento nuclear”, acrescentou a rede internacional. Cinco anos depois, com outra conferência no horizonte, os arsenais “capazes de destruir civilizações inteiras”, persistem, e inclusive se deteve o escasso progresso obtido para o desarmamento.

Há mais de 16 mil armas nucleares no planeta, dez mil no serviço militar e 1.800 em estado de alerta, segundo a rede. “Todos os Estados com armas nucleares estão modernizando seus arsenais nucleares, manifestando a intenção de mantê-los nas próximas décadas”, apontou a organização, lembrando que os países com armas nucleares gastam mais de US$ 100 bilhões ao ano com elas.

O gasto com armas de alta tecnologia aprofunda a dependência de alguns governos de seus arsenais nucleares e fomenta a crescente brecha entre ricos e pobres. Em 2013 o gasto militar chegou a US$ 1,75 trilhão, mais do que a renda total anual do um terço mais pobre da população mundial. Jackie Cabasso, da Fundação Legal dos Estados Ocidentais e também organizadora da rede internacional, destacou que as potências nucleares “se negam a cumprir sua obrigação legal e moral de iniciar as negociações para proibir e eliminar completamente seus arsenais nucleares”.

“Como vimos na Reunião de Alto Nível das Nações Unidas para o Desarmamento e nas conferências de Oslo e Nayarit sobre as consequências humanas das armas nucleares, a imensa maioria dos governos do mundo exige a aplicação do TNP”, assegurou Cabasso. “Estamos trabalhando com organizações associadas nos Estados Unidos e em outros países para mobilizar ações internacionais a fim de gerar pressão popular e influir na conferência de exame de 2015”, acrescentou.

A mobilização destacará as conexões entre a preparação para a guerra nuclear, as repercussões ambientais da mesma e do ciclo do combustível nuclear, e o gasto militar em detrimento das necessidades humanas essenciais, ressaltou Cabasso. Gerson disse à IPS que, “ao longo da minha vida, vi a superação do sistema de segregação racial nos Estados Unidos, o fim da guerra do Vietnã e o fim do sistema de apartheid sul-africano, fatos que antes de se converterem em história às vezes pareciam insuperáveis”.

Em cada um desses casos, “acontecimentos inesperados e a poderosa vontade humana provocaram a mudança para a qual nos havíamos sacrificado e lutado”, destacou Gerson, membro da junta diretora do Escritório Internacional da Paz e da rede Não à Guerra/Não à Otan. A realidade é que todos os Estados possuidores de armas nucleares estão modernizando seus arsenais e há colaboração entre os membros do P5 para resistir à reclamação da maioria dos demais países para que cumpram o Artigo VI do TNP, enfatizou.

O que está acontecendo com a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a União Europeia e as respostas da Rússia e Ásia oriental recorda a Europa dos anos prévios à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), com sua ameaça de guerra catastrófica e aniquilação, advertiu Gerson. “Sei que a lei das consequências imprevistas significa que nunca podemos saber realmente quais serão as consequências de nossas ações. Mas confio em que nossa mobilização dará ânimo a numerosos diplomatas e atores governamentais que são nossos potenciais aliados”, ressaltou.

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