A crise iminente do agronegócio e as alternativas

Queda do preço global dos produtos primários expõe fragilidade do modelo agrícola brasileiro, baseado em latifúndio e exportação

Por Maura Silva, na página do MST

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Queda do preço global dos produtos primários expõe fragilidade do modelo agrícola brasileiro, baseado em latifúndio e exportação

Por Maura Silva, na página do MST

O agronegócio, apontado por muitos como a locomotiva econômica do país, parece sofrer com os efeitos da crise econômica nacional e internacional.

Embora o setor pareça não ser afetado pelos os ajustes fiscais perpetrados pelo governo federal, é atingindo em cheio pela reversão dos preços das commodities agrícolas, minerais e do petróleo bruto no mercado internacional.

A crise chinesa evidencia esse processo. Desde 2008 o país se tornou o principal comprador de commodities do Brasil, entre minério de ferro, soja, petróleo, açúcar e celulose.

Entretanto, a desaceleração do crescimento chinês fez com que o preço das commodities despencasse e atingisse o menor nível deste século. O valor dos produtos exportados para a China caiu 19,4% em um ano – quando comparados os dados de janeiro e julho de 2014.

Dados do índice Research Bureau (CRB) demonstram que os preços das commodities caíram 21% entre 2010 e julho de 2015, após subirem 113% nos oito anos anteriores.

Diante desta realidade a dependência econômica do país em relação ao setor é colocada em xeque.

Para o cientista social e engenheiro agrônomo Horácio Martins de Carvalho, esse cenário evidencia a dependência das exportações brasileiras dos produtos primários e a fragilidade econômica do país que aposta no setor agroexportador como um de suas bases de sustentação financeira.

“O atual cenário só comprova a fragilidade do setor. Se a lucratividade desses negócios cai, os governos subalternos aos interesses do agronegócio substituirão os mercados compensando os aventureiros do agronegócio com subsídios mais volumosos. A diminuição da pauta de exportação dos produtos primários brasileiros ocorre e ocorrerá sempre de maneira oscilatória, já que é dependente da demanda dos países consumidores de seus produtos”, avalia.

Horácio Martins ainda destaca que a subserviência que os governos no Brasil mantêm para o livre arbítrio do agronegócio, inclusive a sua estrangeirização, é contrária aos interesses do país.

“A China está entre outras nações cujos modelos de sociedade não correspondem ao capitalismo predatório. Muito ao contrário, possui, além de uma economia altamente diversificada e socializada, estratégias de médio e longo prazo de ação nos mercados, podendo dispor, ainda que com variação nos custos, de demandas de produtos primários sem que isso comprometa sua economia”, ao contrário do que ocorre no Brasil.

Em 2002, os três principais produtos vendidos pelo Brasil para a China – minério de ferro, petróleo e soja – correspondiam a 61,1% de todo o valor exportado. Em 2014, a concentração desses itens encostou em 80%.

Entretanto, o pacto de poder do agronegócio dispõe ainda de grande capacidade de ação e retaliação para se apropriar de recursos públicos e promover o saneamento financeiro das perdas que a crise lhe provoca.

“A parcela mais pobre do povo brasileiro é sempre a que sofrerá bastante devido às restrições que provavelmente ocorrerão nos recursos públicos federais destinados aos programas sociais, pois parcela ponderável desses recursos será destinada aos subsídios aos setores da burguesia agrária produtora de ‘commodities’ para exportação, ainda que com demanda reprimida”, finaliza Carvalho.

Na contramão da dependência, as saídas

Para Horácio Martins as saídas dependeriam de mudanças radicais nas políticas agrárias e na substituição da lógica do modelo agrícola empregado pelo agronegócio.

“Não existe outro caminho para sair desse cenário de dependência. É necessário primeiro a realização de uma Reforma Agrária massiva, integral e popular, que proporcione o acesso e uso da terra pelos camponeses produtores de alimentos para o país e para uma exportação sob o controle popular. Segundo, a nacionalização da propriedade privada da terra enquanto recurso público e popular, de forma a destiná-la aos camponeses, e não aos empresários capitalistas, mudando-se o perfil da produção rural. E terceiro, o monopólio estatal das exportações de commodities agropecuárias e florestais, de maneira a se controlar socialmente o que deve ou não, ademais de sua forma e volume, ser exportado”, acredita.

No mesmo sentido, o doutor em economia pela Universidade de Campinas (UNICAMP), Guilherme Delgado, acredita que as saídas do ciclo de estagnação passam, necessariamente, pela diversificação produtiva na agricultura.

“É imprescindível promover mudanças importantes na matriz energética, na linha da produção sustentável do ponto de vista ambiental; e estabelecer um novo arranjo de produção de alimentos condizente com condições benéficas de saúde pública. Além disso, precisamos de uma resposta coerente do modelo de produção agrícola às exigências planetárias de prevenção às mudanças climáticas”, aponta.

Para Delgado, para que essas ideias ganhassem dimensão e possibilidade de figurar como via alternativa de desenvolvimento, seria necessário políticas de fomento. “E aí reside o problema, porque o pacto de poder dominante, ainda que em crise, resiste fortemente a mudanças qualitativas. Daí que o risco de crise externa é realmente existente”, diz.

Ele chama atenção para a política doméstica do atual governo de continuar, a qualquer custo, fazendo mais do mesmo.

“Mesmo com a crise, o Brasil continua apostando nas exportações de soja, milho, carnes, minério de ferro e petróleo como via de salvação da pátria. A recessão já existente em 2015 e 2016, misturada à paralisia política do governo federal, indica-nos que neste período o objetivo clássico do ajuste fiscal e monetário será de saneamento financeiro e patrimonial do capital financeiro na agricultura, e não de qualquer estratégia nova de crescimento econômico”, ressalta.

O economista acredita que a real importância do agronegócio para a economia brasileira está na razão direta da tendência à “reprimarização” das exportações brasileiras, que vinha sendo perseguida avidamente por pelo menos 15 anos de política econômica.

“O tamanho da economia do agronegócio é muito distinto de sua conformação em termos de economia política, de sua capacidade de se apropriar do excedente econômico. Sua capacidade direta de geração de emprego é muito baixa, seja na produção direta ou na produção dos complexos agroindustriais. Até o presente a política agrícola dos Planos Safra continua a injetar recursos nesse sistema, contrapondo-se a uma tendência mercantil de desvalorização da terra”, finaliza.

 

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