Reggae, direitos e feminismo no polo do agronegócio

Quem é Marina Peralta, cantora que sacode o MS defendendo os índios, o feminismo e a igualdade racial — e propondo, em vez do sertanejo,o ritmo de Bob Marley

Por María Martín, no El País

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Quem é Marina Peralta, cantora que sacode o MS defendendo os índios, o feminismo e a igualdade racial — e propondo, em vez do sertanejo,o ritmo de Bob Marley

Por María Martín, no El País

Marina Peralta (Campo Grande, 1993) passou sua infância brincando na rua e numa igreja evangélica. E foi o templo, paradoxalmente, um dos primeiros lugares onde expressou sua vocação artística. “Havia muito espaço para a dança, para o canto, para o teatro… Eu colocava até reggae”, lembra ela levando seus dreads de um lado para outro. Marina é hoje uma personagem muito improvável nos bancos da igreja, mas Deus continua não só na sua vida, mas nas suas letras. “Agora vejo Deus de uma forma mais ampla”, e como diz uma das suas músicas: Meu Deus é negro/ meu Deus é índio/ meu Deus é mulher/ meu Deus é menino. “Não consigo mais encaixar Deus dentro da caixinha duma religião”.

Improvável é também o ritmo com o qual Marina fez sucesso em Mato Grosso do Sul, uma região apaixonada pela musica sertaneja e fronteiriça aos passos de botas de cowboy. A jovem ganhou fama inesperada em 2015 ao divulgar um vídeo caseiro na varanda de casa cantando sua música Só Agradece. Dois milhões de pessoas já o assistiram no YouTube, e com o tempo e o poder da rede tornou-se uma revelação do reggae brasileiro. Na sua cidade lota ali onde vai e atrai fãs que nunca na vida pensaram em curtir um show de reggae. No Festival de Inverno de Bonito, uma homenagem à cultura e música da região onde ela se apresentou há semanas, até as botas de vaqueiro paqueravam a cadência dos versos da jovem que se contorcia no palco. “Já ouvi de muitas pessoas que não costumam ouvir reggae, mas que se sentiram atraídas pelas letras, pela sinceridade do trabalho”, conta a cantora.

As letras de Marina estão longe do paz e amor enquanto fumamos um. Elas atacam o agronegócio, defendem a demarcação de terras indígenas, pregam feminismo e batem de frente contra o racismo. “O reggae não é e só para falar de coisa boa. O reggae vem do gueto, é para denunciar todas as coisas que tem de errado”, alerta. A militância tem seu preço. Depois de criticar o encarceramento em massa no Brasil, alguns de seus seguidores indignados lhe cobraram que se dedicasse “apenas” à música, o que implicaria que ela deixasse de ser ela. “A pauta é mais importante que a fama. Não vou recuar. Essas reivindicações caminham junto ao meu trabalho artístico”.

Apesar da variedade das suas bandeiras, em Bonito, Marina declarou que seu coração estava “em chamas” pelo recente assassinato de Mayara Amaral, uma jovem musicista de Campo Grande, cometido, segundo a polícia, pelo seu namorado, também músico. Comovida, improvisou uma música composta após a morte da colega. Muita gente do público se emocionou. “Era um alerta para as mulheres. Cuidado, não permaneçam em relacionamentos abusivos. E, se você não estiver conseguindo sair, procure outras mulheres. O assassino era uma pessoa que a gente encontrava tantas vezes… a gente nunca sabe”.

Foi o feminismo, descoberto na militância da faculdade, o que a encorajou como artista, como mulher e como mulher espiritualizada.“Porque existe esse limite na militância de que se você é revolucionária não pode ter espiritualidade, né?” , provoca. “Eu cresci num contexto no qual a gente não podia se tocar, não podia sentir, não podia se permitir sentir prazer. A igreja é muito machista, o patriarcado reina dentro das igrejas. Eu vim do processo em que eu fui muito podada da minha sexualidade”, relata. “Quando eu consegui me libertar disso, falei: porra!”. Libertação que inspirou sua música Ela encanta: Fica bem aqui, que eu vou te falar / Frida já se foi, mas pediu pra representar /E só pra constar, na minha rima vou lembrar/ Você é linda do seu jeito e até quando acaba de acordar!

Marina, além de cantora e militante, é mãe. Lua, de apenas um ano e quatro dentinhos, roda os bastidores dos shows, ora nos braços do pai, baterista da banda e professor de arte, ora no peito da mãe enquanto dá entrevistas, tira fotos ou conversa com a produção. “O que a gente faz hoje é pensando no futuro dela como mulher. Melhorar o máximo possível nosso entorno para que ela não tenha que sofrer o que a gente sofre. Só de nascer mulher, já é resistência”, afirma Marina enquanto amamenta o bebê. Com protetor auricular cobrindo suas orelhas e jaquetinha de couro, a menina já começou a dançar.

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Um comentario para "Reggae, direitos e feminismo no polo do agronegócio"

  1. Maria A.Dickie disse:

    Não conhecia Marina. Vou procurar no Youtube. Gostei muito da postura dela. Valeu, Marina.

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