Por um novo professor, capaz de transformar escola

Estudiosa sustenta: papel de transmissor de saberes esgotou-se. Mas o de orientar alunos em seu próprio aprendizado será cada vez mais indispensável

Por Ana Luiza Basílio, na educação integral

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Estudiosa sustenta: papel de transmissor de saberes esgotou-se. Mas o de orientar alunos em seu próprio aprendizado será cada vez mais indispensável 

Verônica Branco, entrevistada por Ana Luiza Basílio, no Educação Integral

Diferenciação entre ensino e aprendizagem, contestação da tradicional fórmula de transmissão de conhecimento e avanços das tecnologias e da comunicação. Estes elementos demandam uma reorganização da escola e o professor tem um papel central nisto. A opinião é da doutora em educação Verônica Branco, docente do setor de educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, a educadora analisa as demandas do século XXI e endossa a necessidade da mediação na aprendizagem, que pede um repensar das práticas escolares e, sobretudo, novo posicionamento por parte do professor, que deve sustentar uma postura orientadora, dialógica e capaz de ampliar os conhecimentos para além do território escolar. Confira a entrevista concedida durante o I Seminário Internacional de Educação Integral – TEIA.

Centro de Referências em Educação Integral: De onde se parte para diferenciar o tempo do ensino e o tempo da aprendizagem?

Verônica Branco

Verônica Branco

Verônica Branco: A organização da escola, nos séculos XVIII e XIX, veio acompanhada de uma concepção do ensino atrelada ao transmitir, de passar o que se sabe ao outro. A ideia era de que se aprendia ouvindo, memorizando e repetindo, princípio que ainda se vê hoje em dia. Só no século XXI se tem a clareza de que essa forma é  ultrapassada, desnecessária, até porque o professor não tem acesso a toda essa informação que o jovem tem e a comunicação extra-escolar é, de fato, muito mais eficiente. Também começamos a nos dar conta de que a escola trabalhou muito com o ensino, mas sem uma clareza de seus resultados, validando a lógica de que “se eu ensinei, ele tem que ter aprendido”. Caso contrário, faltou esforço por parte do aluno.

E qual concepção surge após estas constatações?

Verônica Branco: Surge a preocupação com a aprendizagem, desvinculando-a do ensino. Porque o ensino é trabalho do professor e a aprendizagem, do aluno. Isso não quer dizer que quem ensina não aprenda, mas temos segmentos responsáveis por essas habilidades. O professor, então, passa a ter o papel de repensar o ensino e suas práticas, já que transmitir não é mais o esperado. A conduta é de mediação, ou seja, orientar a aprendizagem a partir dos recursos já existentes, apoiando os alunos na leitura, interpretação e apropriação das informações, gerando conhecimento.

O aluno que não aprende passa a ser problema do professor, uma vez que se passa a avaliar em que medida ele atendeu as necessidades do estudante. Por isso, há a necessidade do docente garantir esse espaço de experimentação e reflexão para os sujeitos, que se torna possível ao conhecê-los e considerar os diversos contextos que os rodeiam.

Como esperar que a escola dê conta dessa integralidade do indivíduo, se não resolveu muitos dos problemas relacionados ao ensino?

Verônica Branco: Não estamos mais nessa evolução linear que a humanidade foi alcançando em séculos. O conhecimento deu saltos exponenciais. Isso mostra o quão ineficiente se torna  um professor se fechar em sala de aula com cartilha e quadro negro e tentar resolver a alfabetização, por exemplo. As crianças precisam aprender o que fazer com a leitura e escrita no mundo. Elas devem sair, ler as placas e cartazes, e estabelecer significado para o que aprendem. É aí que o professor pode atuar como mediador.

Verônica Branco: Eles estão preparados para esta nova função?

A questão é que eles também não são formados para isso. As universidades ainda trabalham como se os docentes fossem reproduzir a sua lógica de ensino; muitos professores universitários nunca pisaram em uma sala de aula. As discussões nas formações abordam teoria ou filosofia, mas não as práticas de ensino.

As crianças aprendem mais quando estão imersas em uma situação. Os professores têm que fazer uso disso e ajudá-las a sistematizar esses conhecimentos, de maneira integrada. É nessa medida que o tempo do ensino e da aprendizagem ainda são diferentes, porque são postos em caixinhas desconectadas. A escola se ocupou da educação formal e não dialoga com a que vai acontecendo ao longo da vida.

Verônica Branco: E como a escola deve se articular para que esse processo aconteça?

Verônica: Há um ponto central nas discussões sobre educação integral que é: precisamos de mais tempo. As quatro horas, organizadas em 50 minutos, já eram insuficientes para o modelo em que o professor tinha que transmitir conhecimento. Hoje, a mediação pressupõe participação e não se encaixa ao modelo. E veja que estou apenas falando do tempo em sala de aula.

Esse conhecimento também está no mundo, ou seja, as crianças têm que sair da escola. Claro que algumas coisas podem adentrar esse ambiente, mas é preciso considerar o tempo de levar as crianças para a rua, ao parque, ao cinema ou ao teatro. A escola tem que se assumir enquanto espaço de organização e não somente um espaço de permanência.

Vista a defasagem na formação dos professores, como imaginar que eles possam dar conta desse arranjo?

Verônica Branco: Eu não fui formada para ter filhos. Como eu aprendi? Na vida. Fui buscar os livros, outras referências e fui aprendendo com tudo isso. É um processo de se abrir também, de buscar o conhecimento que não se tem. O professor também precisa estar aberto a aprender, não só as crianças. Aí é que está o problema, fechado ele se sente protegido, fecha a porta e faz o que quer dentro da sala de aula. Ele ainda não se deu conta de que é um ator social e que tem compromisso com cada uma das crianças. O professor é o principal articulador do arranjo de educação integral.

Como vê essa implementação?

Verônica Branco: Nas discussões de educação integral, sempre aparece a questão do espaço mas este  não é o maior problema. O professor tem que ser o maior foco para garantir essa revolução que pretendemos nas escolas, para que elas deixem de ser jurássicas. É um trabalho que independe do espaço, começa a partir da formação do professor, para que ele seja capaz de expandir esses espaços, esse território da escola para o seu entorno.

Temos aí o Plano Nacional de Educação que quer 50% das escolas ofertando educação em tempo integral nessa década para pelo menos 25% dos alunos (meta 6). Isso não é pouco em termos de Brasil, temos muito a fazer ainda nessa década.

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5 comentários para "Por um novo professor, capaz de transformar escola"

  1. Vanize disse:

    Em que escola vocês colocariam seus filhos? Nessa que propõe passeios pela cidade, teatro, cinema, etc., ode o aluno demanda o que quer aprender e o professor orienta o caminho para que ele aprenda sozinho? Ou em uma escola onde haja um professor de carreira, bem preparado que ENSINE saberes científicos? assim como o estômago não faz digestão se não colocamos comida dentro dele, o cérebro não raciocina se no colocamos saberes dentro dele. Defendo que é papel da escola sim, transmitir conhecimento sólidos, científicos e universais, de posse disso nossos alunos interpretam qualquer questão que se coloque à sua frente.

  2. Andréa disse:

    Concordo com você, Sonia. Sou professora de História na rede ública municipal e fico nesse dilema: sei que ensinamos coisas muito mais importantes do que o próprio conteúdo, mas não podemos privar os alunos dos conteúdos que serão cobrados deles depois. Por mais que eu discorde do sistema e dos programas curriculares oficiais, como professora também tenho que tentar fazer com que meus alunos tenham chances nos vestibulinhos/vestibulares/ENEMs da vida. É complicado…

  3. Sonia Regina de Lima disse:

    Por favor, não me entendam mal, mas tenho aqui algumas dúvidas. Sou professora de língua portuguesa e observo que há conteúdos cobrados no vestibular e em concursos que jamais deveriam ser ensinados em sala de aula, considerando sua inutilidade. Porém, nossos alunos necessitam desses saberes para disputar vagas. São conteúdos que jamais teriam demanda espontânea em sala de aula ou que jamais brotariam de um saber dialético advindo do educando e acho que isso ocorre em todas as disciplinas. O discurso desse texto já me encantou mais, mas na prática sabemos que não depende do professor em primeiro plano a transformação da escola. O professor é um agente importante, mas não é autônomo neste processo, tem peso semelhante ou inferior a políticas públicas educacionais. Se não, vejamos. Dentro dessa perspectiva como posso abolir conteudismos sem prejudicar meus alunos? Ou então, como ensinar ou não “Orações Subordinadas”, por exemplo, dentro desta visão. O que digo não é um desafio, mas um pedido de ajuda. Preciso muito que saiamos da subjetividade para exemplos práticos e enriquecedores, que de fato venham causar a transformação. Mas insisto, não caiamos na armadilha de achar que mais uma vez o professor é a causa e a solução de tudo na educação.

  4. Luis Benedito Ponzeto disse:

    Esse modelo de escola, focado no ensino aprendizagem, já nasceu falido e nunca funcionou, apenas atende aos interesses da elite e da classe dominante, é excludente, discriminador e preconceituoso

  5. Luiz disse:

    Há muita mais coisa em volta do que a escola

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