O que o Brasil deveria aprender com o escândalo da Volks

Enquanto carro a diesel sofre reveses importantes ao redor do mundo, congressistas brasileiros tentam importar essa tecnologia

Por Claúdio Angelo, no Observatório do Clima

170113-Diesel3

.

Congresso quer autorizar carros a diesel, que são até trinta vezes mais poluentes. Submissão de parlamentares a empresas parece cada vez mais intolerável

Por Claúdio Angelo, no Observatório do Clima

O maior escândalo envolvendo a indústria automobilística nas últimas décadas teve seu epílogo nesta quarta-feira (11/1): a Volkswagen admitiu ao governo dos Estados Unidos a culpa por ter incluído em milhões de carros de passeio movidos a óleo diesel um software que para enganar as autoridades durante testes de emissão de poluentes. A gigante alemã terá de pagar US$ 4,3 bilhões em multas, além dos US$ 17,5 bilhões com que havia se comprometido no ano passado para compensar consumidores ludibriados. Na terça-feira, um executivo da Volks ligado ao esquema foi preso pelo FBI.O anúncio do acordo vem menos de uma semana depois que uma organização internacional de pesquisas mostrou que, na Europa, carros leves a diesel emitem proporcionalmente dez vezes mais óxidos de nitrogênio que caminhões e tratores, e cerca de um mês depois que prefeitos de quatro grandes cidades do mundo – Atenas, Madri, Cidade do México e Paris – se comprometeram a proibir esses automóveis a partir de 2025.Juntos, esses eventos sinalizam dificuldades crescentes para o diesel veicular, mesmo nos países que contam com as melhores regulações antipoluição do planeta. E deveriam servir como uma nota de cautela para aquela que talvez seja a única nação do mundo hoje disposta a facilitar a penetração de carros de passeio a diesel no mercado: o Brasil.

O país tem hoje tramitando no Congresso dois projetos destinados a liberar o carro a diesel: numa comissão especial da Câmara dos Deputados trafega o PL 1.013/2015, que libera a fabricação e a venda desses automóveis. Na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, pode ser votado a partir de fevereiro um projeto de decreto legislativo que susta resoluções do Departamento Nacional de Trânsito e do Conselho Nacional dos Combustíveis vetando o diesel para carros leves. Ambos enfrentam forte mobilização da sociedade civil e oposição de uma gama de atores que vão do Ministério de Minas e Energia à indústria canavieira. Mesmo assim, o PL 1.013 quase foi votado duas vezes em 2016.

“Todo mundo é contra”, diz sobre o projeto Cristiano Façanha, pesquisador do Conselho Internacional para o Transporte Limpo, o ICCT.

A ONG foi a responsável indireta por expor o caso Volks, quando mandou à EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA) dados que sugeriam que as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) dos carros a diesel nos EUA eram maiores em condições reais de uso do que nos testes de certificação. Uma investigação foi feita pela EPA, que concluiu em setembro de 2015 que a Volks instalou em milhões de carros dispositivos destinados a fraudar os testes.

Dez vezes pior

Na semana passada, o ICCT voltou à carga. Seus técnicos analisaram dados sobre emissões em laboratório e em condições reais de uso dos veículos submetidos aos padrões de qualidade de diesel Euro 6 (carros de passeio) e Euro VI (veículos pesados).

O estudo foi feito com 30 modelos de automóvel e 24 modelos de ônibus, caminhões e tratores. Concluiu que, por quilômetro rodado, os veículos pesados emitem em média 0,2 grama de NOx por quilômetro, contra 0,5 dos carros de passeio. O padrão Euro em vigor limita a emissão em 0,08 g/km. Como os veículos pesados consomem mais diesel por quilômetro, a poluição total por litro é proporcionalmente dez vezes maior nos carros leves.

Segundo o ICCT, isso se deve a falhas de regulação europeias: os testes são muito mais rigorosos para os veículos pesados do que para os carros de passeio.

“O ciclo de testes para os veículos de passageiros não é representativo do mundo real”, diz Façanha. “Existem tecnologias para controlar a emissão dos carros a diesel, mas, com um ciclo de testes menos rigoroso, as montadoras optaram pelo controle mais barato.” Segundo ele, a tecnologia antipoluição que permitiria igualar os resultados na rua e no laboratório reduziria a vantagem econômica do motor a diesel em relação ao motor a gasolina. Carros a gasolina têm desempenho idêntico nas duas situações.

A Europa é hoje o maior mercado do mundo para carros a diesel. Só em 2014 foram 8,8 milhões de unidades vendidas – cerca de 50% das vendas de veículos de passeio. Nos EUA, apenas 5% dos carros são a diesel.

Segundo Façanha, essa adoção tão disseminada foi, ironicamente motivada pela maior eficiência do motor a diesel – que consome menos e, na Europa, emite proporcionalmente menos CO2 que o carro a gasolina. No entanto, prossegue, “isso foi mortal, literalmente”: as emissões de NOx por esses carros são sete vezes maiores na rua do que nos testes, e hoje esses automóveis são as principais fontes europeias desse tipo de poluição. O NOx é precursor do ozônio troposférico, associado a problemas respiratórios e mortes prematuras. Na semana passada, o jornal The Guardian noticiou que a cidade de Londres ultrapassou, em uma semana, o limite de NOx de todo o ano de 2017.

Imagina na Jamaica

Se na Europa, que tem a regulação ambiental mais estrita do mundo, os carros não conseguem cumprir o padrão de qualidade ambiental, o que ocorreria no Brasil?

Façanha e seu colega Tim Dallmann, do ICCT, publicaram em 2015 uma análise que chama atenção para essa questão. Além do NOx, eles citam um segundo problema: os particulados finos, que causam câncer. Como o Brasil tem um diesel muito sujo – aqui o limite de particulados é cinco vezes maior que o na Europa, e ainda se vende diesel no interior com 50 vezes mais enxofre que nas regiões metropolitanas –, os filtros de particulado que rodam nos carros europeus poderiam se tornar inviáveis.

“Se o Brasil liberasse o carro a diesel, este por lei poderia emitir 30 vezes mais que um carro flex”, compara o pesquisador. O resultado, também segundo o ICCT, seriam de 32 mil a 150 mil mortes adicionais por conta de poluição veicular até 2050 no país, a depender da velocidade da entrada do carro a diesel no mercado.

Os deputados que defendem essa tecnologia em nome da “liberdade de escolha” do consumidor argumentam que o problema não é com o motor a diesel em si, mas sim com a maneira como a poluição é regulamentada e regulada. Embora isso seja verdade, o caso dos testes europeus e o escândalo da Volks nos EUA traz uma lição para o Brasil, a pátria dos biocombustíveis: se algo não está quebrado, o melhor que você tema fazer é não tentar consertar.

Leia Também:

3 comentários para "O que o Brasil deveria aprender com o escândalo da Volks"

  1. Nelson Wisnik disse:

    PL 1.013/2011

  2. Ana disse:

    O PL 1013/2015 que tramita na câmara estabelece o direito à meia-entrada nas atividades culturais e artísticas para professores. E não está relacionado à liberação da fabricação e venda de carros a diesel, como afirma a reportagem.

Os comentários estão desabilitados.