O dia em que Marighella falou na rádio dos Marinho

Há 45 anos, ação meticulosamente planejada levava ao ar mensagem do guerrilheiro contra ditadura. Agora, organizadores contam como façanha foi possível

Por Leandro Melito, no EBC

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Há 45 anos, ação meticulosamente planejada levava ao ar mensagem do guerrilheiro contra ditadura. Agora, organizadores contam como façanha foi possível

Por Leandro Melito, na EBC

No dia 15 de agosto de 1969, a Ação Libertadora Nacional (ALN), organização que teve entre seus dirigentes o guerrilheiro Carlos Marighella, realizou uma audaciosa operação na cidade de São Paulo.

Diferente de outras ações ousadas da época como o assalto ao trem pagador ou o sequestro do embaixador dos EUA, o objetivo dessa ação não era obter dinheiro e nem a  libertação de presos políticos. O objeivo da ação era a transmissão de um manifesto pelas ondas do rádio, o meio de comunicação com maior alcance no país.

“Atenção, muita atenção! Senhoras e senhores: tomamos esta emissora para transmitir a todo o povo uma mensagem de Carlos Marighella”. Com essa abertura, os ouvintes da Rádio Nacional paulista, afiliada da Rede Globo, foram alertados sobre o conteúdo que seria transmitido a seguir, por volta das 8h30 daquela sexta-feira, cujo sinal alcançaria o raio de 600 km nesse horário, conforme registrou o jornalista Mário Magalhães no livro Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo.

A voz que ecoava nas ondas do rádio não carregava o sotaque baiano de Marighella, apesar de o texto ser de sua autoria. Quem emprestou voz ao manifesto foi o estuante paulista da Escola Politécnica da USP, Gilberto Luciano Belloque, que bolou a estratégia junto ao companheiro José Carlos Lessa Sabbag e apresentou aos dirigentes da ALN, Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. “Eles gostaram da ideia, que era muito simples do ponto de vista operacional”, lembra Belloque.

Ouça trecho da entrevista com Gilberto Belloque:

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O texto preparado por Marighella começava falando sobre ações recentes que estavam sendo atribuídas a ele e sua organização, como o incêndio provocado nas instalações das TVs Globo, Record e Bandeirantes na capital paulista.

“Brasileiros, queremos esclarecer a opinião pública que os últimos atentados contra as emissoras de TV são contra os revolucionários. Deixamos bem claro que nossos atos de sabotagem e terrorismo são voltados contra a ditadura militar e o imperialismo americano”, dizia a mensagem com o Hino da Independência ao fundo.

Na sequência, a mensagem listava as prioridades da organização contidas no manifesto Ao Povo Brasileiro: derrubar a ditadura militar e anular todos os seus atos desde 1964, formar um governo do povo, expulsar do país os norte-americanos, expropriar firmas, bens e propriedades deles e dos que com eles colaboram, expropriar os latifundiários, acabar com o latifúndio, transformar e melhorar as condições de vida dos operários, dos camponeses e das classes médias, entre outros. Ao todo, foram 138 linhas transcritas pelo serviço secreto do Exército, anota Mário Magalhães em seu livro.

A gravação do manifesto foi providenciada em um estúdio para produção de jingles de um amigo de Sabbag, na capital paulista. Para a sessão de gravação do texto, estiveram presentes apenas Belloque, Sabbag e o dono do estúdio.

Ouça trecho da entrevista com Gilberto Belloque:

Para realizar a ação, que contou com a participação de cerca de 12 pessoas distribuídas em um fusca e um Aero Willys, os guerrilheiros não ocuparam o estúdio da rádio, localizado  na região central da capital paulista, mas os transmissores que ficavam a 27km dali, em Piraporinha, hoje divisa entre o município de Diadema e São Bernardo do Campo. Metade entrou no prédio onde ficavam os transmissores e metade ficou do lado de fora,esperando. A ideia partiu do próprio Belloque, que já havia trabalhado em rádio no município de Monte Aprazível.

Ouça trecho da entrevista com Gilberto Belloque:

Repercussão

A mensagem transmitida pela Ação Libertadora Nacional não ficou restrita aos ouvintes da rádio graças à atuação de Joaquim Câmara Ferreira, que entrou em contato com Hermínio Sacchetta, seu antigo companheiro de PCB (Partido Comunista Brasileiro). Apesar das divergências políticas e caminhos diferentes trilhados por ambos após a saída do partidão, Sacchetta prontamente se colocou à disposição para colaborar na ação. Como diretor de redação do Diário da Noite, já com o manifesto que seria transmitido em mãos, o militante pediu à repórter que acompanhava o noticiário das rádios para ficar atenta à Rádio Nacional. Mostrou surpresa ao ser avisado da mensagem inusitada transmitida na frequência da emissora e publicou na íntegra o texto de Marighella, como lembra Belloque.

Ouça trecho da entrevista com Gilberto Belloque:

Desdobramentos

Marighella não estava na ação, mas acompanhou a repercussão do caso. No mês de agosto de 1969, o guerrilheiro se refugiou em uma casinha branca no subúrbio de Todos os Santos, o mesmo bairro da rua Honório, onde foram capturados Olga e Prestes, em 1936. A casa era alugada pela irmão de Zilda, uma das companheiras de Marighella. Detalhe: a ditadura militar jamais descobriria o aparelho de Marighella, observa Mário Magalhães em seu livro.

Em abril daquele ano ele começara a gravar com a filha de Zilda, Iara Xavier Pereira, uma série de fitas intituladas Rádio Libertadora. Com o sucesso da ação na Rádio Nacional, ele seguiu com o propósito de divulgar os manifestos em praças públicas, o que nunca aconteceu “Atenção: as gravações em fita das transmissões da Rádio Libertadora devem ser ligadas aos sistemas de alto-falantes dos bairros e subúrbios e irradiadas para o povo, mesmo que para isso tenhamos que empregar a mão armada”, anuncia uma das mensagens.

Ouça um dos áudios da Rádio Libertadora, com a voz de Carlos Marighella:

 

Marighella iniciou as sessões improvisadas de gravação com Iara. Desde então ele tenciona reverberar os manifestos da ALN nas praças públicas. O auge do arrojo foi dias antes na tomada da Rádio Nacional, que Marighella festeja em um trecho, alertando para riscos excessivos.

Dezoito dias depois da tomada dos transmissores, o estudante José Carlos Lessa Sabbag acabou sendo morto por oficiais da ditadura na tentativa de comprar um gravador com cheques roubados para dar continuidade à ação.

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