Governo federal tenta demitir Paul Singer

Dispensa visaria acomodar apetites fisiológicos. Teórico e defensor histórico da Economia Solidária, Singer revela: ajuste fiscal bloqueou 60% das verbas para setor

Por Fundação Rosa Luxemburgo

Brasilia DF, 21/03/2012. Editoria: Brasil Reporter: Fernando Exman Local: Gabinete do secreario de economia solidaria do ministerio do trabalho. Pauta: Economista faz 80 anos TAGS: Economia solidaria, trabalho Persongem: Poul Singer economista. Foto: Ruy Baron/Valor

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Dispensa visaria acomodar apetites da base de apoio ao Planalto. Teórico e defensor histórico da Economia Solidária, Singer revela: ajuste fiscal bloqueou 60% das verbas para setor

Pela Equipe da Fundação Rosa Luxemburgo*

À frente desde 2003 da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o economista Paul Singer é considerado referência e um dos principais defensores da pauta no Governo Federal. Aos 83 anos, concilia suas atividades em Brasília com convites constantes para falar sobre economia solidária no Brasil e no exterior. Nesse mês, ele participa, por exemplo, da Semana de Mudança e Congresso de Economia Solidária e Transformação, que acontece de 10 a 13 de setembro em Berlim (leia mais sobre o encontro em alemão, espanhol ou inglês). Sua atuação à frente da secretaria vai desde a articulação de parcerias com outras pastas, até ações diretas como medidas para o fortalecimento de cooperativas e de modelos de autogestão de empresas por trabalhadores. Em meio ao agravamento da crise econômica que atinge diferentes países, suas propostas de feiras de trocas, agricultura solidária e modelos sem fins lucrativos de negócios têm sido apontados como possível caminho alternativo para garantir empregos.

No Brasil, porém, a crise pode culminar com a demissão do militante histórico do PT, que diz que já foi informado de que seria substituído por alguém do PDT, partido do atual ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias. “Fui avisado pelo [ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio ] Mercadante. Não por ele pessoalmente. Ele mandou uma pessoa de interesse comum, que disse: ‘olha, você está em vias de ser substituído porque nós precisamos, o Governo Federal precisa dos votos do PDT, estamos sendo vencidos no Congresso, e portanto prepare-se para isso’”, relata Singer.

O PDT tem adotado posições contrárias ao Governo Federal em diferentes momentos e ameaça se afastar de vez, o que pode fragilizar ainda mais a já abalada base de sustentação da presidenta Dilma Rousseff. Em nível estadual, em janeiro o partido rompeu na Bahia e deixou os cargos do governo de Rui Costa (PT). “A Dilma atendeu a uma exigência do PDT de ficar com o Ministério do Trabalho inteiro, que significa demitir os secretários que não são do PDT e colocar gente do PDT em seu lugar. Eu sou um deles”, avalia o atual secretário de economia solidária.

Bastidores do MTE

Singer diz que já conversou inclusive com o ministro Manoel Dias sobre sua possível demissão. “Eu soube que poderia ser substituído”, afirma, para ressaltar que considera o ministro do PDT um aliado na delicada disputa política que se desenha. “Ele é um dos nossos, mas corre perigo de também ser substituído. Espero que não seja, eu me lembro até hoje de uma conversa que aconteceu há alguns meses, em que ele disse o seguinte, ‘olha, eu não conheço ninguém no PDT que se interesse por Economia Solidária, muito menos para ficar com o cargo’.”

“A situação está indecisa. Quando houve essa promessa ao PDT de que eles poderiam usar os cargos, um colega meu, o Manoel Messias, foi comunicado que estava demitido”, diz, referindo-se ao sindicalista ligado à CUT que hoje ocupa a Secretaria de Relações do Trabalho do MTE. “As pessoas do PDT que o informaram ofereceram a ele a oportunidade de continuar no Governo com outro cargo. Ele recusou dizendo que não estava procurando emprego. Nós todos esperamos que o Diário Oficial desse a demissão no dia seguinte, mas, até hoje não apareceu nada e ele continua exercendo o cargo. Então isso me anima um pouco no sentido de que as coisas não são tão simples assim”.

Nos bastidores, as disputas por cargos no Ministério do Trabalho e Emprego têm sido marcadamente políticas, com tensão não somente entre diferentes partidos, mas também entre diferentes correntes do PDT. Em 2012, durante a gestão do então ministro Brizola Neto (PDT), a então secretária nacional de Inspeção do Trabalho, a auditora fiscal Vera Lúcia Albuquerque pediu exoneração reclamando de “cabresto político”. O órgão que comandava, responsável por verificar o cumprimento da legislação trabalhista e que tem, entre outras atribuições, a responsabilidade por fiscalizar denúncias de escravidão contemporânea, de trabalho infantil e de fraudes no FGTS, estaria sendo cerceado para fins políticos. Na ocasião, ela alertou para o risco de partidarização da fiscalização do trabalho e apontou uma disputa entre Brizola e o ex-ministro Carlos Lupi pelo controle do PDT.

Singer pode considerar o ministro Manoel Dias um aliado, mas durante sua gestão também não faltaram casos de reclamações de atropelos. Em 2013, auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Rondônia (SRTE/RO) chegaram a reclamar publicamente de interferência política do MTE nas ações no Estado, e denunciaram que, após embargo de um canteiro de obras da Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, a categoria passou a sofrer constrangimentos e restrições, com interferência direta de Ruy Parra Motta, assessor do já ministro Manoel Dias. Dois anos depois da denúncia, Parra Motta continua no cargo.

A influência da política em questões técnicas ameaça afetar até a fiscalização de casos de trabalho escravo. Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, em resposta a liminar da empresa ferroviária ALL, América Latina Logística Malha Paulista, colocou nas mãos do ministro Dias, que ocupa um cargo político e não técnico, determinar se um flagrante configurou ou não exploração de 51 pessoas em condições análogas às de escravos.

Ajuste fiscal e o fim da economia solidária?

Paul Singer, que sobreviveu a nove trocas de ministros (incluindo interinos) em 12 anos de governo do PT, é crítico a atual política econômica do governo. Ele tem manifestado sua posição em diferentes entrevistas. Em junho, à Carta Maior, defendeu que o partido deveria optar entre vantagens do poder ou seu projeto para o país. À Folha de S. Paulo, alertou que o PT poderia perder a base social se seguisse adotando medidas de austeridade. “O PDT está tão contra a política econômica da Dilma, quanto eu. Não posso condená-los porque estão votando em bloco contra o governo sempre que necessário. A convicção é a mesma da gente, não há como criticá-los”.

A secretaria tem procurado cadastrar cooperativas que buscam praticar o chamado comércio justo e Singer estima que hoje existam no Brasil mais de vinte mil. Tais grupos defendem a economia solidária. “Houve uma espécie de protesto geral do movimento de economia solidária na última feira lá de Santa Maria, em que houve um brado de ‘a SENAES é nossa’. Portanto, ela não nos pode ser retirada”, argumenta.

Ele diz que colegas da secretaria o avisaram que, se for substituído vão se demitir. “Isso pode significar perder um trabalho de 12 anos”. Ele vê todo o trabalho que desenvolveu agora ameaçado não só pela sua demissão, como também por cortes em meio às medidas de austeridade fiscal adotadas. “Fomos contingenciados fortemente, com cortes de algo como 60% do que seria o orçamento desse ano”, aponta. Segundo informações do portal Transparência Brasil, que divulga gastos públicos, o orçamento direto da SENAES em 2015 foi de R$ 151.567,40 até 31 de agosto. Em 2014, foi de R$ 227.047,29 e em 2013 de R$ 194.091,83.

Singer vê no ajuste fiscal a origem da crise atual e não a solução. “Ninguém foi consultado sobre os cortes, é difícil de acreditar. Ela [Dilma] deu uma reviravolta total à sua política depois de reeleita e não publicou uma linha sequer nos meios da mídia explicando isso. Para que que serve o ajuste fiscal? Eu não consigo explicar. Não há dívida externa que esteja pressionando. Não tem motivo algum. Nem havia pressão da direita, digamos assim, ela resolveu de cabeça dela fazer um ajuste fiscal que lançou a economia numa baita crise”, argumenta.

“A alternativa mais lógica, a meu ver, e a única aberta seria declarar o fracasso do ajuste fiscal. Foi feito errado do começo ao fim. Hoje a arrecadação do governo federal é muito menor do que costumava ser. O ajuste fiscal deveria produzir o oposto, para o governo mostrar que faz superávit fiscal. O que eu leio nos jornais é que se quiser manter os programas, o governo não pode fazer o ajuste fiscal”.

No parlamento, ele aponta a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) e o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) como aliados que podem ajudar a manter as pautas de economia solidária em um Congresso Nacional marcadamente conservador.

Socialismo e democracia

Paul Singer acredita que a economia solidária pode ser um caminho para mudanças maiores na sociedade, incluindo na organização social e política. Socialista, ele defende que o modelo econômico deve ser radicalmente baseado na democracia, e descarta sistemas centralizadores. “Uma grande lição que ficou para mim e para os meus companheiros todos foram os 21 anos de Ditadura. Não queremos mexer na democracia nem por meia hora, não dá para fazer isso. Renunciar à democracia significa, se vitoriosos, cair num Stalinismo ou algo assim. Isso nós não queremos, nunca”, explica.

“Enquanto somos fieis à democracia, nós não vamos liquidar o capitalismo antes que a população, a maioria, assim o desejar. Não estamos nessa de entrar, tomar o Palácio de Inverno e de cima para baixo instaurar o socialismo. Seria um socialismo inteiramente falso”, afirma, referindo-se à tomada do palácio que servia de residência de inverno aos czares russos em São Petersburgo, que foi tomado em 1917 e serviu de quartel-general da Revolução Russa.

Ele, que foi um dos primeiros a falar em economia solidária no Brasil, em um artigo em 1996 na Folha de S. Paulo, relaciona o início do uso do termo ao fim da União Soviética.  “Posso explicar a origem de tudo isso, porque é importante. Em 1991, quando a União Soviética tornou-se capitalista de novo e todos aqueles países que a União Soviética dominava fizeram suas revoluções.  Isso trouxe para a esquerda uma enorme crise. Simultaneamente, para gente que, como eu, que achava que aquilo não era socialismo coisa nenhuma, foi um alivio”, explica, crítico ao modelo soviético. “A direita usava isso: ‘é isso que vocês querem, uma ditadura, totalitária?’, e a gente precisava se diferenciar. Ficou uma grande dúvida: “então o socialismo acabou?”; e eu dizia ‘não, não acabou coisa nenhuma, nós vamos fazer ‘. E eu estava à procura de um caminho para isso, eu e muitos outros. Em 1996 eu me convenci de que a Economia Solidária é esse caminho”.

* A notícia foi produzida a partir de trechos de entrevista concedida por Paul Singer a equipe da Fundação Rosa Luxemburgo na semana passada. O material servirá de base para um especial em vídeo sobre economia solidária. 

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