E as ocupações de escolas chegam ao Rio

Que reivindicam os estudantes fluminenses. Como reorganizaram a rotina de 64 escolas, assumindo tarefas, criando grupos de trabalho e organizando debates sobre Educação e o país

Por Maurício Fidalgo, na Vice

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Que reivindicam os estudantes fluminenses. Como reorganizaram a rotina de 64 escolas, assumindo tarefas, criando grupos de trabalho e organizando debates sobre Educação e o país

Por Maurício Fidalgo, na Vice

Usando os estudantes secundaristas de SP como exemplo, os alunos da rede estadual do Rio de Janeiro decidiram se fazer ouvir. A secretaria de Estado de Educação (Seduc) fala em 59 unidades; já os estudantes contam 64 escolas e colégios ocupados por alunos e que contam com o apoio de pais e professores.

O Colégio Estadual Mendes de Moraes na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio foi onde ocorreu a primeira ocupação do estado. No dia 21 de Março, por volta de 70 estudantes, após decisão em assembleia, declararam a ocupação do Mendes. O diretor questionou os alunos quanto a representatividade de um numero tão pequeno perto da quantidade de jovens matriculados no colégio, 2.300, e voltou para sua sala. Mas os estudantes estavam bem organizados, partiu deles a decisão de chamar o Conselho Tutelar. Sentiam que seus direitos não estavam sendo plenamente cumpridos. Algumas horas depois, dois representantes do conselho e mais dois representantes da Seduc chegaram ao edifício, entraram na sala do diretor e só saíram de lá para tentar convencer os alunos a desistir da ocupação, sem oferecer nada em troca. A resposta negativa dos estudantes dava início a um movimento sem nome, que mais tarde se tornaria o Ocupa Tudo.

Ainda no primeiro dia, a Polícia Militar do Rio foi outro órgão público que apareceu no colégio. Os estudantes denunciaram ameaças de prisão por não permitirem aos policiais o acesso ao patrimônio público. Os alunos maiores de idade ainda foram intimidados por estar, segundo os policiais, cooptando menores para formação de quadrilha. Mas os manifestantes não se deixaram amedrontar. No segundo dia, liberaram a entrada de dois PMs mediante assinatura de um documento, no qual os militares se comprometiam em sair do prédio assim que requisitado. Cumpriram o trato, mas fizeram novas ameaças. Agora o grupo tem a intenção de falar com o governador do Estado ou com o secretário de Educação.

Já faz quase um mês da ocupação, e os cinco grupos de organização da escola dividem todas as responsabilidades. A galera da comunicação é responsável por lidar com as requisições da mídia e buzz nas redes sociais, como a hashtag #OcupaMendes. Os da alimentação preparam as refeições diárias e organizam as doações em listas de recebimentos e do que falta.

O pessoal da segurança é responsável pela manutenção dos bens públicos e acesso ao colégio. O grupo da limpeza mantém o prédio organizado e limpo. Por último e não menos importante, as atividades: eles organizam os aulões, saraus, shows e tudo mais que possa ajudar os alunos a se manter ocupados e aprendendo, mesmo com a rede estadual de professores em greve. O movimento de ocupação é horizontal, ou seja, não há liderança e todas as decisões tem de ser tomadas em assembleias nas quais apenas aos alunos é permitido o direito de fala.

Professores que preferiram não se identificar relataram uma certa apreensão quando ouviram a notícia da manifestação pela primeira vez, não acreditavam que alunos do ensino médio fossem capazes de manter uma ocupação. Vinte dias depois, dizem-se surpresos e animados. Numa assembleia dos professores grevistas, foi votado apoio aos alunos e às ocupações. Professores também são alguns dos responsáveis por dar aulões sobre os mais variados temas. O professor Marcos Vinícios questiona, com empolgação: “Agora qual vai ser a desculpa dos que diziam que os jovens não queriam nada com nada?”.

Uma vez por semana, uma das escolas ocupadas é sede de um encontro do Comando Ocupa Tudo, e lá os estudantes trocam experiências e votam sobre os próximos passos, deixando claro as liberdades individuais de cada escola. Por exemplo, algumas delas não aceitam a entrada de repórteres, outras não aceitam grupos midiáticos específicos. O comando não interfere nessas questões, mas definiu uma pauta geral que inclui a eleição dos diretores pelos alunos, a volta de porteiros e inspetores, a livre organização de grêmios, entre outros pontos.

Os alunos da primeira escola ocupada pedem ainda a cabeça do seu atual diretor, Marcos Madeira, e a livre utilização dos laboratórios e salas, que segundo eles são subutilizados. O laboratório de informática permanece trancado a cadeado, e o de química parece um depósito de livros lacrados. Alunos de outras escolas denunciam equipamentos que muitas vezes são dados como em falta, encontrados encaixotados em salas longe das vistas dos alunos. São centenas de livros, muitos ainda no plástico, e até marcados para descarte. Bolas, bebedouros, alto-falantes e instrumentos musicais também foram achados em diversas escolas do estado.

Em Queimados, município da Baixada Fluminense, a situação é ainda pior. O Colégio Prof. Joaquim de Freitas sofre com infiltrações, lâmpadas queimadas, pedaços da parede caindo, portas sem trinco, fezes e ninhos de pombos e morcegos, uma infinidade de problemas. Numa visita dos alunos do Mendes, os estudantes da 19ª escola ocupada do estado ouviram atentamente as sugestões de assembleias diárias, pedidos de visto do orçamento da escola à Seduc, além do convite para fazerem parte do Ocupa Tudo. Outras questões abordadas foram com relação ao cuidado com ONGs e organizações estudantis e políticas que podem tentar cooptar o movimento, alertando que toda ajuda é bem vinda, mas que os alunos mantenham sempre sua voz ativa e acima das outras.

A Secretaria do Estado da Educação do Rio de Janeiro não nos cedeu entrevista até o fechamento desta matéria. Em nota, disse já ter recebido alunos para ouvir suas reivindicações, e afirmou que o secretário de educação fará uma visita as escolas ocupadas após a volta das aulas. Ainda em nota, disse não ver interesse nos líderes do movimento em desocupar as escolas, e pede aos pais que conversem com seus filhos para que as aulas voltem o mais cedo possível. Em contrapartida, os alunos do Mendes fizeram um jantar convidando todos os pais para o esclarecimento dos acontecimentos. Os jovens fizeram ainda questão da presença deles a qualquer momento nas instituições. Após o jantar, o apoio dos pais aumentou. Hoje, mais alunos têm permissão de dormir no colégio, e os manifestantes passaram a receber mais doações, de comerciantes do entorno e dos próprios pais dos alunos.

Nem tudo são flores, os “Desocupa”, como são conhecidos os alunos contrários às ocupações, pedem a saída dos manifestantes. Alunos do último ano em sua maioria, os “Desocupa” afirmam que serão prejudicados pelas ocupações e greves, e que estão em ano de vestibular. Os ocupantes contra-argumentam, afirmando que mesmo liberando as escolas os professores ainda se encontram em estado de greve, e denunciam ataques feitos com bombas e pedras durante a noite a fim de assustar e enfraquecer o movimento de ocupação

Vídeo: Reprodução Facebook Ocupa Mendes

O nível de consciência de alguns alunos chega a espantar. Numa fala aos colegas uma aluna de 15 anos afirmou: “Tenho certeza que algum ruim ainda vai acontecer, mas algo bom também vai. É para isso que estamos aqui.” e finalizou “É a primeira vez que temos voz. Nossa voz.”

Mais fotos do Ocupa Tudo a seguir:

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