Variante P.1 pode ser duas vezes mais transmissível e driblar imunidade adquirida

Cientistas calculam pela primeira vez estrago da cepa surgida em Manaus e concluem que ela demorou apenas sete semanas para se tornar dominante na cidade

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Desde que a capital do Amazonas entrou novamente colapso, vários especialistas vinham levantando possíveis causas para a catástrofe: a nova cepa possivelmente era mais contagiosa e capaz de gerar mais reinfecções. Agora, pela primeira vez, um estudo traz números sobre isso – e são preocupantes. Os pesquisadores calcularam que a P.1 pode ser de 1,4 a 2,2 vezes mais transmissível, e ainda que consegue driblar o sistema imune em algo entre 25% e 61% das pessoas previamente contaminadas pelo SARS-CoV-2. Esse seria, portanto, o percentual de indivíduos propensos a se reinfectarem com a nova variante. Os cientistas mostraram ainda que a nova cepa levou apenas sete semanas para se tornar dominante em Manaus. 

O trabalho, conduzido pelo CADDE (Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus), ainda não foi revisado por pares. Os autores ressaltam que os número são aproximados, porque foram calculados por meio de um modelo matemático que cruzou dados genômicos e de mortalidade. “De qualquer modo, a mensagem que os dados passam é: mesmo quem já teve covid-19 precisa continuar se precavendo. A nova cepa é mais transmissível e pode infectar até mesmo quem já tem anticorpos contra o novo coronavírus. Foi isso que aconteceu em Manaus. A maior parte da população já tinha imunidade e mesmo assim houve uma grande epidemia”, diz, no site da Fapesp, a professora da USP Ester Sabino, que coordena o grupo.

Outro estudo conduzido por eles, ainda em 2020, calculou que cerca de 70% dos manauaras já tinham sido infectados no ano passado e que a cidade poderia ter atingido a imunidade coletiva – o que recebeu grandes críticas, principalmente após a nova escalada nos casos e mortes.

E as vacinas?

Apesar de indicarem que a P.1 escapa da imunidade natural (adquirida por infecções prévias), os novos dados não trazem nenhuma indicação sobre problemas com vacinas. Porém, quanto a isso, outro trabalho (também ainda sem revisão de pares) traz notícias potencialmente ruins: ele sugere que essa variante pode escapar dos anticorpos produzidos pela CoronaVac. No Estadão, a repórter Fabiana Cambricoli alerta que se trata de uma pesquisa ainda preliminar, feita com apenas oito pacientes, e que portanto são necessários estudos maiores para confirmar os achados.

O que os cientistas fizeram foi pegar o plasma dessas oito pessoas, que tinham tomado a segunda dose da vacina cinco meses antes, e testar a capacidade dos seus anticorpos de neutralizarem os vírus. Eles verificaram que o nível e anticorpos necessários para deter a P.1 foi muito pequeno, abaixo do limite de detecção no exame. E ainda que, mesmo para a linhagem B (a mais comum no Brasil, ao menos antes de a P.1 surgir), o nível deles não foi muito alto.

Mas os autores lembram que o sistema imune não usa só os anticorpos para combater as infecções; de acordo com eles, o fato de os estudos clínicos terem mostrado alta proteção da CoronaVac contra as formas graves da covid-19 é um bom indicador de que outras células de defesa, como os linfócitos T, continuam agindo mesmo diante da redução dos anticorpos. 

Mas a verdade é que ninguém sabe ainda o quanto as vacinas disponíveis protegem contra essa cepa. Ontem o médico Paulo Menezes, coordenador do Centro de Contingência da covid-19 do governo do estado de São Paulo, disse que o Instituto Butantan deve liberar até o fim desta semana dados sobre a eficácia da CoronaVac diante da P.1, mas não informou se se trata de testes de eficácia, em seres humanos, ou de ensaios em laboratório. 

Em tempo: o Reino Unido identificou seis casos de infecção pela P.1 na Escócia e na Inglaterra, e as autoridades começaram uma busca frenética por uma das pessoas. É que um “viajante desconhecido” fez o teste ao entrar na Inglaterra mas não preencheu o formulário com seus dados pessoais. Agora, há pressa para chegar até ele, rastrear seus passos e impedir o espalhamento.

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