Cannabis: CFM põe o Brasil na contramão do mundo

• As mudanças necessárias para a Saúde, segundo Temporão • SUS e a corrupção via Orçamento Secreto • OMS defende fundo para pesquisas sobre novas pandemias • Câncer de mama e pessoas trans •

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Atraso: CFM restringe uso da cannabis e ação de médicos

A perseguição aparentemente pontual a Paulo Fleury, um propagador da medicina canábica, recentemente relatada no Outra Saúde, tomou uma nova proporção. O Conselho Federal de Medicina (CFM) deu um enorme passo atrás com a resolução 2324, publicada em 14/10, que restringe a prescrição do canabidiol ao tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes que são refratários às terapias convencionais e Complexo de Esclerose Tuberosa. Isso significa que todos os outros usos terapêuticos da maconha são vetados, em uma decisão considerada meramente política por analistas. Há oito anos, o próprio CFM indicava a substância para uma gama muito maior de tratamentos – inclusive para doenças como Alzheimer, Parkinson e esclerose múltipla. 

Negacionismo e censura aos médicos

A censura também é aplicada aos médicos, que não podem mais falar sobre o uso da maconha medicinal, a não ser em ambientes acadêmicos. Em atitude negacionista, o Conselho afirma que a substância teve sucesso em casos de síndromes convulsivas, mas apresentou “resultados negativos em diversas outras situações clínicas”. Paulo Fleury é um dos que atua em prol do uso da cannabis para tratamentos, e defende: “Tem máxima segurança, em comparação com outras drogas e medicamentos. Se há um recurso com potencial terapêutico e é de máxima segurança, trata-se de uma possibilidade muito positiva que deve ser analisada”.

Temporão vê a crise do SUS em 2022

José Gomes Temporão, médico sanitarista e ministro da Saúde entre 2007 e 2010, foi convidado pelo Valor Econômico a listar as prioridades para o SUS no momento, em uma série organizada pelo jornal. Ele elencou quatro. A primeira diz respeito à recuperação da credibilidade do ministério da Saúde, que foi muito desmoralizado durante o governo Bolsonaro, em especial com a pandemia de covid-19. Mas não apenas a pasta precisa ser recuperada, como também o pacto federativo na Saúde. “Num modelo saudável, o governo federal precisa ter um papel de liderança e de construção conjunta”, explica. Outra preocupação de Temporão é com o financiamento: “Fala-se muito em melhorar a eficiência, mas para isso serão necessários mais recursos.” Ele também critica o orçamento secreto, que deixa as necessidades do SUS à mercê de interesses políticos. Defende a retomada da Reforma Psiquiátrica e dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e critica a priorização das comunidades terapêuticas para tratar dependentes de drogas. Temporão finaliza seus apontamentos com uma defesa do Programa Nacional de Imunizações, sucateado nos últimos anos. “O Brasil tem todas as condições de virar esse quadro rapidamente e retomar os padrões de cobertura vacinal de sete, oito anos atrás que eram perto de 90% e agora estão abaixo de 50%.”

SUS e Orçamento Secreto: mais investigações

A Controladoria Geral da União (CGU) também está interessada em investigar a corrupção desencadeada pelo orçamento secreto do governo Bolsonaro. Na sexta-feira (14/10), uma operação da Polícia Federal prendeu os irmãos Roberto e Renato Rodrigues de Lima, suspeitos de atuar em rede criminosa envolvendo o SUS em municípios do Maranhão. A PF vê indícios de que as prefeituras registram procedimentos e consultas de saúde que não aconteceram para embolsar o dinheiro vindo das emendas de relator – o tal “orçamento secreto”, que não permite que se saiba que parlamentar empenhou o dinheiro. Agora, a CGU monitora cerca de 500 municípios que também são suspeitos de cometer ilegalidades com o dinheiro público. A Controladoria busca dar mais transparência aos repasses do orçamento secreto, mas admite que é impossível saber quem foi o responsável pelo repasse que resultou em corrupção.

OMS defende investimento na Saúde e criação de fundo para conter pandemias

“Apelo a todos os países para que façam uma mudança de paradigma no sentido de promover a saúde e prevenir a doença, reconhecendo que a saúde começa não nos hospitais e clínicas, mas nas casas, nas ruas, nas escolas, nos locais de trabalho.” Essas foram as palavras de Tedros Adhanon, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), na Cúpula Mundial de Saúde, evento que acontece na Alemanha desde o domingo, 16/10. Ele enxerga a pandemia como motivo para o aprofundamento da desconfiança das pessoas nas instituições – incluindo a que chefia. E propõe a criação de um fundo para atender o Centro de Informações sobre Pandemias e Endemias da OMS. Tedros ainda defende a Saúde como meio de desenvolvimento para os países.

O risco de câncer de mama em mulheres e homens trans

A questão do acesso à saúde para travestis e transexuais é pouco debatida, mas é ainda menos conhecido o risco de câncer mamário nessas populações. Associações médicas em conjunto com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) aproveitaram o “outubro rosa”, mês de conscientização sobre o câncer de mama, para jogar luz nesse problema. Os entraves começam já nas pesquisas científicas: ainda hoje não há estudos conclusivos sobre a doença em mulheres transexuais – aquelas que nasceram com o corpo biologicamente masculino. Homens cis têm risco de câncer de mama muito baixo: cerca de 1% de todos os casos no mundo – mas uma pesquisa holandesa de 2019 sugere que mulheres trans correm risco 47 vezes maior. Isso pode acontecer por causa do tratamento de hormonização. Em homens transexuais que não fizeram a retirada das mamas, também há perigo – em especial nos mais velhos. Essas condições são agravadas pelo fato de que o preconceito e desconhecimento afasta essa população de tratamentos médicos e do acompanhamento para descobrir novas doenças.

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