Previdência: segredo acima de tudo

Governo decretou sigilo sobre “estudos” que “embasam” a PEC da contrarreforma. Leia também: no Rio, unidades de saúde param todo dia por violência; governo quer suspender lista de espécies aquáticas ameaçadas; e muito mais

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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SEGREDO ACIMA DE TUDO

Que estudos embasam a reforma da Previdência? Que estatísticas foram consultadas pela equipe técnica do Ministério da Economia? Que dados econômicos e sociais sustentam o texto do governo? Do bolso de quem vai sair a alardeada ‘economia’ de R$ 1 trilhão? O quanto disso vai vir da restrição dos direitos dos agricultores e idosos pobres? Não podemos saber, pois a pasta decretou sigilo sobre estudos e pareceres técnicos que embasaram a PEC da Reforma. A decisão consta de um pedido da Folha para consultá-los, via Lei de Acesso à Informação: a resposta ao pedido diz que todos os documentos foram classificados como “de acesso restrito”, ou seja, só podem ser vistos por servidores e autoridades públicas, pois são “preparatórios”.

Mas a explicação não convence. Segundo Manoel Galdino, da Transparência Brasio, não há hipótese legal para impor esse sigilo uma vez que a PEC já foi enviada ao Congresso. “O cidadão tem direito de saber quais foram os fundamentos que embasaram uma proposta que já está em debate público”, argumenta ele. 

Parlamentares também criticam a medida. Até os apoiadores do governo, como o deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) – que considera “ridículo” o nível de restrição – e Janaína Paschoal (PSL-SP). A PEC deve voltar esta semana a ser discutida na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. 

PROTOCOLO DE GUERRA

Nove por dia, ou 3.195 vezes em todo o ano: foi o quanto unidades de saúde da capital do Rio suspenderam algum tipo de atendimento por conta da violência em 2018. A Secretaria Municipal de Saúde tem um “protocolo de guerra”, feito em parceira com a Cruz Vermelha, parecido com o de países em situação de guerra civil. Quando uma unidade entra em estágio vermelho – nível máximo de risco –,  ela fecha e interrompe completamente as atividades por conta de tiroteios ou outros eventos envolvendo violência armada.

Em outros níveis, há a suspensão dos atendimentos externos, como visitas domiciliares e atividades de busca ativa e promoção da saúde. É o mais comum: foram 2.608 vezes no ano passado. No geral, as interrupções aumentaram 81% desde 2015, segundo a matéria do Extra. “Quem mora na Vila Kennedy diz que não se sente seguro nem dentro da Clínica da Família da favela. O local já foi atingido por disparos em 2017. Já ano passado, uma troca de tiros interrompeu uma atividade com crianças de colo. Mães e funcionários tiveram que se jogar no chão para proteger os pequenos”, diz o texto. 

E longe daqui, na República Democrática do Congo, houve um ataque ao Hospital Universitário Butempo que matou Richard Kiboung, médico destacado pela OMS para o combate ao surto de ebola. Duas outras pessoas ficaram feridas. “Estamos indignados com este ataque: os trabalhadores de saúde e as unidades de saúde nunca devem ser alvos”, disse o diretor da Organização, Tedros Ghebreyesus. Bom, ninguém nunca deve ser alvo. Mas entendemos o ponto.

NAS PRISÕES

Na última newsletter, comentamos que morreram três detentos com meningite no Rio. Mas o problema se estende para além destas mortes: um levantamento do Mecanismo para Prevenção e Combate à Tortura mostrou que, entre 2010 e 2017, as mortes nas prisões aumentaram 114%. A maior parte delas está relacionada a doenças. O relatório cita que há “um colapso” no controle da tuberculose, violência obstétrica antes e durante partos e ainda faltam audiências de custódia para presos hospitalizados.

Segundo a Agência Brasil, em 20 anos o número de detentos no Rio passou de 18 mil para 54 mil e, no mesmo período, o de profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento deles caiu de 1,2 mil para apenas 450. 

SUSPENDA-SE A LISTA

É uma lógica interessante. O Ministério da Agricultura pediu ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para suspender a lista de espécies aquáticas ameaçadas de extinção. O motivo? O cadastro gerou “grande repercussão negativa no setor pesqueiro” e prejuízos econômicos ao proibir o manejo e  venda dos animais listados. No ano passado, foram identificadas quase 500 espécies ameaçadas. O documento do MAPA, obtido pela Folha, pede que o Brasil deixe de usar as metodologias da UINC (União Internacional para a Conservação da Natureza), composta por governos, agências governamentais e ONGs, adotada internacionalmente.”O Brasil deve se orientar pelos seus próprios critérios para definição e adoção das políticas públicas que afetarão a fauna e a todos os brasileiros e não por critérios de ONGs internacionais”, diz. 

A matéria lembra que a lista é alvo antigo da indústria pesqueira e já passou por duas suspensões devido a ações judiciais. Voltou a vigorar em 2017. 

APAGÃO

E, no Nexo, os pesquisadores Rogério Jerônimo Barbosa e José Szako explicam por que corremos o risco de ter um apagão estatístico no país, comentando o corte no orçamento (e provavelmente no questionário, nas entrevistas e nas contratações) do Censo. O anúncio do governo faz parte de um momento “em que resultados são substituídos por tuítes e pelo senso comum — e em que pesquisas correm o risco de serem dilaceradas ou não ocorrer”, escrevem.

SALÁRIOS E MORTES

Um estudo dos EUA mostrou que, nos estados que aumentam seus salários mínimos, as taxas de suicídio crescem mais lentamente, e pessoas que vivem em famílias com maiores rendimentos têm menos risco de tirar a própria vida. A pesquisa foi publicada no American Journal of Preventive Medicine. Englobou dados de 2006 a 2016 e mostrou que, para cada US$ 1/hora aumentado, correspondeu uma redução de 1,9% na taxa anual de suicídio.

“É possível que o aumento do salário mínimo melhore a satisfação com a vida, aumente o acesso aos cuidados de saúde e diminua as doenças mentais, o que leva a menos mortes por suicídio”, disse um dos autores à Reuters, ressalvando: “Não podemos afirmar com certeza que o crescimento mais lento das taxas de suicídio é causado pelo aumento do salário mínimo, mas é preciso mais estudos”. A pesquisa foi baseada em evidências anteriores que relacionam salários mais altos e menores taxas.

NÃO CONSEGUEM

“Eu passei por 39 médicos até encontrar um que fizesse a laqueadura. Fui a consultas particulares, pelo convênio e pelo SUS. Mesmo apresentando a lei, ouvi um médico dizer que eu poderia pagar qualquer valor que ele não me operaria. Outros me chamaram de maluca, me mandaram ir para a igreja porque eu estava doente. Já me disseram que eu estava interpretando a lei de forma errada e que precisava cumprir o requisito de ter dois filhos”. A matéria do Globo está recheada de depoimentos como esse, de mulheres que não querem filhos e não conseguem fazer o procedimento, que é garantido por lei a partir dos 25 anos. É que, como explica o Conselho Federal de Medicina, médicos podem alegar objeção de consciência (a mesma que frequentemente usam para se recusarem a fazer abortos…). 

MAIS MÉDICOS

O Nexo fez um resumão da história do Mais Médicos. Tanto do que já passou como das hipóteses sobre o que está por vir. Como a ideia do ministro da Saúde, Mandetta, de substituir as contratações temporárias por um plano de carreira, mudando o modelo do programa. 

Já o Saúde Popular fala do desmonte da saúde indígena no governo Bolsonaro, inclusive por conta do desmoronamento do Mais Médicos. “Segundo o Ministério da Saúde, dois terços das vagas dos Mais Médicos para os DSEI ainda não foram preenchidas. Depois da saída dos cubanos e do edital lançado no final de 2018, apenas 119 do total de 372 vagas tem médicos em atividade”, diz a reportagem. O Ministério afirma que há 252 brasileiros formados no exterior participando do módulo de acolhimento e iniciando as atividades em áreas indígenas. 

REGRAS MAIS DURAS

A China vai endurecer as regras para pesquisa envolvendo genes humanos e embriões. A decisão vem ainda na esteira do nascimento das gêmeas editadas geneticamente, no fim do ano passado. Nesse fim de semana foram enviadas minutas de lei ao legislativo. Entre as medidas, está a adoção de análises mais rigorosas dos projetos, exigência de que os seres humanos envolvidos nas pesquisas sejam devidamente informados e necessidade de aprovação dos testes por comitês de ética. 

NOVO ALERTA

A Agência Francesa do Medicamento emitiu no fim da semana um alerta sobre o uso de ibuprofeno e de uma droga similar, o cetoprofeno, usados para dor e febre. Aqui no Brasil, são vendido sob os nomes Advil, Alivium e Profenid, entre outros. Em junho, a agência encomendou um estudo sobre o caso que apontou riscos no tratamento de infecções como faringites, tosses e infecção pulmonar, que podem ser agravadas com os dois medicamentos. Ao todo, foram analisados 337 casos de complicação após uso de ibuprofeno e 49 com o cetoprofeno que resultaram em hospitalizações, sequelas e até mortes. Entre as orientações do organismo, está priorizar o paracetamol.  Que, em doses altas, também oferece riscos

E a Novartis anunciou na semana passada resultados positivos de testes clínicos para uma terapia genética contra a atrofia muscular espinhal, que pode levar à paralisia, dificuldades respiratórias e mortes. Mas não foram exatamente positivos para todos: um bebê morreu de insuficiência respiratória, o que inicialmente não foi considerado com sendo relacionado ao tratamento.  Só que foi anunciada uma segunda morte, de outro bebê. Agora, está sob investigação para ver se teve relação com o tratamento.  

MALÁRIA

Este mês deve ser lançada uma nova vacina, produzida pela GSK, que promete reduzir em 40% o número de casos e mortes pelo mundo. É uma eficácia bem modesta para uma vacina. E há preocupações de que mesmo essas promessas não se cumpram no mundo real. Nos próximos quatro anos, vai haver projetos piloto de imunizações alguns locais (Malawi, Gana e Quênia) para mostrar se a vacina pode efetivamente ser aplicada e vai ter os resultados prometidos. Isso porque há algumas particularidades, como fato de que é mandatório tomar quatro doses (e garantir que as crianças recebam todas as 4 é complicado). 

A MAIS LONGA

Parecia que a temporada de gripe nos EUA este ano seria curta, mas uma segunda onda do vírus se espalhou e com isso ela se tornou a mais longa da década. Já dura 21 semanas. 

DRÁUZIO

No seu canal do Youtube, Dráuzio Varella vai lançar hoje o último episódio da série “Dráuzio Dichava”. É sobre maconha.

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