Haddad no Roda Viva

Candidato do PT foi entrevistado e encaixou a saúde entre uma fala e outra sobre economia

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23 de outubro de 2018

HADDAD NO RODA VIVA

Fernando Haddad (PT) foi ontem ao programa de entrevistas Roda Viva. Não foi perguntado sobre saúde, nem sobre educação. No terceiro bloco, em uma pergunta sobre o comportamento do mercado à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) argumentou que se, um mês atrás, ele tivesse dado uma de Paulo Guedes e anunciado que privatizaria estatais o mercado também teria reagido ‘positivamente’ – de forma especulativa, frisou. Perguntado se venderia alguma empresa respondeu: “Não tem nenhuma estatal no meu radar pra ser vendida”. E encaixou um exemplo sensível para as áreas da saúde e ensino públicos.

“Ele [Bolsonaro] falou que vai vender todas as estatais criadas pelo PT. Eu criei uma que gerencia os 47 hospitais universitários”, lembrou. Trata-se da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, mais conhecida pela sigla EBSERH, nascida no apagar das luzes do segundo governo Lula, em 15 de dezembro de 2011. “Hoje os 47 hospitais universitários estão debaixo de um guarda-chuva de uma empresa para fazer uma gestão empresarial dos hospitais, ganhando eficiência. Melhorou enormemente a questão dos hospitais universitários. Você vai vender a empresa de hospitais universitários do país? Para quem você vai vender? E as universidades vão ter cenário de prática aonde? Vão ter que alugar leito hospitalar para capacitar nossos médicos? São ideias de quem desconhece completamente a máquina pública”, criticou Haddad. (Em tempo: os críticos da criação da EBSERH apontavam, dentre outras coisas, justamente o risco de, lá na frente, dependendo do governo, esse patrimônio ser vendido…)

Outro momento em que o candidato do PT transformou uma pergunta que poderia ficar no âmbito da economia e vinculou com o social foi a discussão sobre potenciais semelhanças entre seu programa de governo e o da ex-presidente Dilma Rousseff. Principalmente em relação ao controle estatal dos preços de produtos. Haddad propõe que o gás seja um item subsidiado, custando R$ 46 o botijão que, hoje, no mercado flutua na faixa de R$ 80. O candidato afirmou que o gás representa 4% do faturamento da Petrobras. “Este item específico vai entrar na cesta básica porque é um item fundamental para as famílias pararem de cozinhar à lenha ou a álcool, com os prejuízos inclusive para a saúde pública. Tem hospital lotado com gente queimada”, disse. O subsídio ao diesel concedido pelo governo Temer, comparou ao responder outra pergunta, é quatro vezes maior: “O gás precisa de mais subsídio para o diesel. Não tem sentido você dar um subsídio de R$ 13 a 15 bilhões para o diesel e não dar de R$ 4 [bi] para o gás de cozinha, sendo que as famílias pobres estão fugindo do gás e indo para a lenha. Temos que equilibrar, e esse equilíbrio é possível”.

LUPA NAS PROPOSTAS

Mais duas matérias ouviram especialistas para comparar os programas de governo de Bolsonaro e Haddad para a saúde. A Exame entrevistou Gonzalo Vecina, da USP, e Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco e professora da UERJ. E o Yahoo falou com Mário Scheffer, também da USP, e Ligia Bahia, da UFRJ. Todos consideram as propostas do petista melhores do que as do capitão reformado do Exército. E criticam, em particular, a inclusão de um gráfico que compara a proporção do PIB aplicada na saúde pelos países da OCDE que, segundo o candidato do PSL, prova que o Brasil gasta o suficiente com o SUS.

“Ele põe no plano de governo o gráfico da OCDE em que tenta demonstrar que gastamos a média dos países da OCDE e, por isso, estamos bem. Em termos de porcentagem do PIB, pode ser, estamos na média. A falácia é achar que isso representa gastos iguais. A demanda aqui é diferente. Uma coisa é porcentagem do PIB alemão, outra coisa é o PIB brasileiro. Quando olhamos o valor absoluto ou o gasto per capita, estamos muito atrás dos países da OCDE”, afirmou Gonzalo.

Já Mário e Ligia apontam que embora o país gaste 9,1% do PIB (e não 9,3% como afirma o programa de Bolsonaro), apenas 43% desse volume vem do setor público – e o número é menor do que o encontrado em todos os países membros da OCDE. “Essa proporção de maior volume de gastos privados do que gastos públicos, de menos de 50% dos gastos com saúde serem públicos, é incompatível com o que é praticado no mundo”, disse Mário. A reportagem dá exemplos: a Alemanha gasta 11,3% do PIB com saúde, mas 85% são de recursos públicos. Já a França gasta 11,5%, dos quais 83% vem de recursos públicos. Por fim, o Reino Unido, com o qual o plano de governo de Bolsonaro buscou um paralelo, gasta 9,7% com saúde, mas 79% são oriundos de recursos públicos.

Outra ideia de Bolsonaro que mereceu críticas se refere ao credenciamento universal de médicos, em que profissionais sem vínculo com o SUS poderiam atender para o sistema via pagamento do Estado. Isso, aponta Gonzalo, vai na contramão do que Bolsonaro afirma. “Não tem como essa ideia dar certo e só criaria uma explosão de custos”. Ligia Bahia contextualizou: “O credenciamento universal foi uma bandeira de luta de entidades médicas nos anos 1970, quando implementada no estado de Goiás pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), revelou-se desastrosa, em função de estimular gastos excessivos. Essas intenções, além de esparsas, são incoerentes. O credenciamento universal, por exemplo, exigiria recursos financeiros adicionais e substanciais. Portanto, o programa do PSL resulta de uma ‘juntada’ de interesses e ideias desconjuntadas”.

Em relação à Haddad, a professora da UFRJ e o professor da USP cobram mais profundidade. “As propostas de expansão da rede pública, da atenção primária, de expansão do Mais Médicos, da criação de rede de especialidades multiprofissionais, tudo isso demanda mais recursos. Minimamente, há uma coerência entre a expansão pretendida e a promessa de mais recursos, mas faltou detalhamento das ações”, analisou Mário.

APOIOS

Ontem, Marina Silva (Rede) divulgou em nota “voto crítico” em Haddad. Ela obteve 1% dos votos no primeiro turno. Outro presidenciável, o nanico José Maria Eymael (DC) também expressou apoio ao petista.

ÓCULOS

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça João Otávio de Noronha disseontem que “nitidamente” não vê “nenhuma intenção de ameaça” nas declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre fechamento do STF.

COMENDO PLÁSTICO

Você pode estar ingerindo regularmente pelo menos nove tipos diferentes de plástico. A afirmação é de um estudo inédito feito por pesquisadores da Universidade de Medicina de Viena e pela Agência de Meio Ambiente da Áustria. Eles monitoraram habitantes de oito países (Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Polônia, Rússia, Reino Unido e da própria Áustria) e descobriram que todas as amostras de fezes dos participantes da pesquisa continham o chamado microplástico: partículas de menos de cinco milímetros que têm impacto na saúde humana, causando problemas para o trato gastrointestinal e até interferência na respostas imunológica do organismo. Ingerimos microplástico a partir do consumo de alimentos embrulhados com o produto, ou de bebidas engarrafadas nele. E ainda do consumo de peixes e frutos do mar.

SEDENTARISMO MORTAL

Não se exercitar pode ser pior para a saúde do que fumar, de acordo com estudo publicado no JAMA. Pesquisadores acompanharam 122 mil pessoas entre 1991 e 2014 e concluíram que há uma conexão “clara” entre uma vida longa e saudável e exercícios aeróbicos intensos e frequentes.

DEBATE CANADENSE

Editorial da Folha hoje destaca a legalização do uso recreativo da maconha no Canadá. E afirma que o país, por ser membro do G7, que reúne as nações mais ricas do planeta, e ter pautado a decisão em torno de questões de saúde e segurança pública abre inaugurou novo capítulo no debate:

“Evidencia-se que a tendência para descriminalização veio para ficar. Como entende esta Folha, a mera repressão, ou guerra contra as drogas, se revelou tão cara quanto ineficaz, tendo chegado o tempo de tratar da questão pelo prisma da saúde pública”, defende o jornal. E argumenta também: “Com controles similares aos existentes para tabaco e álcool, e começando prudentemente pela maconha, esses produtos poderão ser taxados e gerar recursos para prevenção e tratamento de dependentes, assim como para campanhas de esclarecimento sobre riscos dirigidas aos jovens. A experiência de países como Portugal, onde apenas a posse de drogas foi despenalizada e se instituíram políticas de controle de danos (como a distribuição de seringas), indica que tais providências têm bastado para reduzir o número de mortes por overdose.[…] O Brasil, onde esse debate público não dá mostras de que amadurecerá tão cedo, poderá um dia beneficiar-se com a avaliação crítica de tais experimentos.”

TIRA-GOSTO

E Claudia Collucci dá uma palinha do que deve ser debatido a partir de amanhã na Conferência Global sobre Atenção Primária à Saúde, realizada em Astana no Cazaquistão: “discussões polêmicas devem acontecer durante a conferência, como a crescente pressão de interesses privados nos sistemas públicos de saúde, a crise econômica e financeira e o forte avanço do neoliberalismo e autoritarismo pelo mundo. Na contribuição do Brasil para a conferência, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, defende-se, por exemplo, que se exclua o termo cobertura universal de saúde do novo texto da Declaração de Astana. Na concepção brasileira (e de outros países em desenvolvimento), cobertura universal é uma proposta neoliberal e antagoniza com o direito e o acesso universal à saúde, previstos na Constituição.”

EXPANSÃO

A Rede D´Or comprou o Hospital São Lucas, de Aracaju. É a terceira aquisição realizada em 2018 no Nordeste. O maior grupo hospitalar do país, com 37 unidades, havia adquirido o Hospital São Rafael, na Bahia, e o Unidade de Diagnósticos por Imagem Hospital, no Maranhão. No ano passado, a empresa teve lucro líquido de quase R$ 1 bi.

AGENDA

Começa hoje a Semana de Saúde da População Negra pela Valorização do SUS. Trata-se de uma ação virtual organizada pela Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, a Rede Lai Lai Apejo e a Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas (Candaces) que oferece até o dia 27 palestras sobre o assunto. A de hoje, às 16h, fala sobre a necessidade do preenchimento do quesito raça/cor e é dada por Elaine Soares. A programação segue amanhã com Isabel Cruz falando sobre a importância do Sistema Único (“Ruim com o SUS? Pior sem o SUS!”, provoca o título da palestra) e com Devison Nkosi, na quinta, lembrando a participação da população negra na construção do Sistema. Sexta Luana Natielle explica o que fazer quando se é discriminado pelo SUS. E, fechando o evento, Lúcia Xavier fala às 10h sobre direitos sexuais e reprodutivos no sábado. Com transmissão virtual.

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