Nem lá, nem cá

Ao mesmo tempo, Henrique Meirelles promete ampliar financiamento federal e manter a Emenda do teto dos gastos

Crédito: José Cruz / Agência Brasil

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Ao mesmo tempo, Meirelles promete ampliar financiamento federal e defende teto dos gastos

11 de setembro de 2018

Por Raquel Torres

Candidato à presidência pelo MDB de Michel Temer, Henrique Meirelles tem apostado mesmo é em se identificar com Lula. Além de mencionar o tempo todo que foi responsável pela criação de 10 milhões de empregos enquanto comandou o Banco Central nos oito anos do governo do petista, ele tem até programa televisivo em que Lula aparece: a propaganda diz que Lula o chamou para ‘comandar a economia’ e, em seguida, surgem fotos do ex-presidente. O PT pediu ao STF a suspensão do vídeo. 

Embora seja o escolhido de Temer para ministro da Fazenda e Previdência Social, o atual presidente quase não aparece na campanha de Meirelles. Ainda como pré-candidato, Meirelles foi sabatinado pela IstoÉ e disse que gostaria do voto de Temer “como gostaria de votos de outras pessoas”. Mas disse também que defende sua “política econômica, a reforma trabalhista e outras realizações do governo”.

O candidato veio do campo empresarial. Mais especificamente, do setor financeiro, o que é bastante frisado em seu site. Ele começou a trabalhar no Bank Boston, nos EUA, antes dos 30 anos, e na década de 1990 chegou à presidência mundial da instituição.

Em 2002, veio uma virada. Candidatou-se a deputado federal em Goiás, pelo PSDB, bancou praticamente toda a própria campanha (quase R$ 1 milhão) e foi o mais votado. Não chegou a atuar, porém —  o convite de Lula para a presidência do Banco Central veio logo em seguida, em 2003. Agora, ele repete a estratégia do autoinvestimento e, por determinação do MDB, deve financiar integralmente sua participação na corrida eleitoral.

O valor agora é bem maior. Na pré-campanha ele já gastava R$ 250 mil por mês, e sua prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que fez uma doação de R$ 20 milhões para si mesmo em agosto. Ao todo, a campanha pode chegar até R$ 70 milhões. Não devem lhe fazer falta, afinal, ele tem declarados R$ 377,4 mi.

Na última pesquisa eleitoral, divulgada ontem pelo Datafolha, Henrique Meirelles aparece com 3% das intenções de voto. 

O futuro do SUS

Dito isto tudo, chegamos enfim à saúde. Há pouco menos de dois meses, o ministro da Secretaria de Governo Carlos Marun mandou uma carta para Meirelles e deputados do MDB propondo que se apresentasse um plano de governo “arrojado”: “Vamos ousar!”, escreveu ele.  A carta era breve, bem coloquial (nela, Marun chamou Ciro Gomes de débil mental) e falava de tudo um pouco. Inclusive da saúde —  mas com uma proposta um tanto desalentadora em relação ao SUS: “Vamos manter o Bolsa Família, mas vamos propor um valor mínimo para o atendimento pela saúde pública, mantendo a gratuidade absoluta somente para aqueles que são realmente carentes”.

Na época, Meirelles disse à Folha: “Vou ler com cuidado e conversar para a redação do programa de governo”. No caso do SUS,  ao menos o plano de governo de Meirelles —  chamado Pacto pela Confiança! —   não veio com nenhuma ideia de pagamento pela assistência. Quando participou da sabatina Estadão-FAAP, o candidato foi perguntado sobre manter o SUS 100% público. Não deu certeza. Disse que “acredita” que o fará.

Já o flerte com o setor filantrópico (que está presente em outros partidos e candidaturas, como veremos nos próximos posts sobre as eleições) está bem explícito no plano, que traz a proposta de “promover o saneamento e a recuperação financeira dos hospitais filantrópicos e das Santas Casas”. E foi reforçado no mês passado, quando Meirelles participou do 28º Congresso Nacional das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos. Lá, eles prometeu regulamentar a Lei Pró-Santas Casas (13.479/2017), que trata do financiamento específico para essas instituições que atendam ao SUS. Disse ainda que o SUS precisa melhorar a gestão “aprendendo com quem sabe fazer melhor”, ou seja, as próprias.

Um mistério

No plano de governo do candidato, uma das propostas é a de “ampliar a participação do Governo Federal no financiamento do setor”. Mas como? O documento não explica. A dúvida cresce porque o candidato é favorável à manutenção da Emenda Constitucional 95, que mantém os gastos federais com saúde congelados até 2036. E, no primeiro debate televisivo, ele afirmou que as despesas constitucionais obrigatórias —  como as de saúde —  são responsáveis pelo crescimento da dívida pública e, consequentemente, pelos juros, inflação e crise.

O programa e as falas de Meirelles parecem ser muito embasadas no recente estudo do Banco Mundial voltado para os presidenciáveis, que prega a melhoria da saúde sem aumentar os custos, só a eficiência. O relatório do Banco é mencionado no plano de governo de Meirelles, que tem como proposta “melhorar a aplicação dos recursos, investindo em melhor organização, eficiência e boa gestão do sistema, com critérios de desempenho; maior autonomia hospitalar; incentivos e planos de carreira; maior integração entre estabelecimentos públicos e privados”.

Na já mencionada sabatina do Estadão, ele defendeu “informatização e melhor estruturação” como possíveis respostas para o problema da eficiência.  “Um sistema público, universal, que já é de sucesso, que tem muito problema. Será um sistema de saúde com tudo eletrônico, de forma viável, com atendimento melhor”, disse.

Esse é um ponto ao qual Meirelles volta constantemente. Seu plano de governo afirma que “ a tecnologia é a grande aliada para reduzir a distância entre a prestação de serviços públicos e a população, por isso precisa ser usada como uma política de Estado, refletindo a realidade de uma parcela cada vez maior de brasileiros”.

Ao participar de um evento da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços, ele disse que “para evitar as filas, a marcação de consultas e exames pode e deve ser feita de forma digital”. E completou: “Podemos ter o pequeno centro de saúde conectado com os melhores hospitais. Os sintomas podem ser colocados digitalmente pelo médico e já vem os resultados das melhores práticas mundiais para aquela questão”. Outra proposta para melhorar o acesso a consultas e procedimentos é a de retomar os “mutirões na saúde”.

O plano de governo ainda menciona que é preciso fortalecer a saúde preventiva, porque o foco no tratamento é muito custoso para o Estado. E propõe “fortalecer e ampliar a cobertura do Programa Saúde da Família”.

No debate deste domingo, organizado pela  TV Gazeta e pelo Estadão, o candidato demonstrou acreditar que a falta de saneamento é a principal causa dos problemas de saúde. “Não adianta falarmos de saúde se não enfrentarmos o problema do saneamento. Nós não ficaremos só na promessa, vamos fazer!”, afirmou. No trecho do documento que condensa suas propostas para a infraestrutura urbana, lê-se que o governo Meirelles vai “privilegiar obras que busquem claramente um grande retorno social, como, por exemplo, saneamento básico, mobilidade urbana e creches”.

Reformas polêmicas

Há ainda outras propostas que não são propriamente da saúde, mas sem dúvida respingam na área.

A defesa de Meirelles à reforma da previdência é desenvolvida no plano de governo. “A Previdência Social brasileira abocanha hoje 57% de todo o orçamento do Governo Federal. Se persistir a tendência atual, em 20 anos, os gastos com aposentadorias e pensões vão corresponder a 100% do total de receitas do Governo Federal. Ou seja, o sistema é insustentável. Vale notar que, ao contrário do que muitos apregoam, 70% dos trabalhadores que se aposentam por tempo de contribuição com menos de 65 anos têm seus salários entre os 20% maiores do país”, diz o texto.

O candidato diz que os mais pobres não conseguem contribuir 35 anos com o sistema e em geral se aposentam por idade. Sua proposta é “Garantir a aposentadoria de quem mais precisa passa por mudanças no sistema que contemplem duas questões: a adoção de uma idade mínima para se aposentar e a convergência do sistema de aposentadorias dos funcionários públicos ao sistema dos trabalhadores do setor privado, ambas já em discussão no Congresso”.

Já a reforma tributária aparece nos discursos e programas de vários candidatos, mas com tons bem distintos em cada um. Alguns querem taxar grandes fortunas e heranças — no debate Estadão/Gazeta/Jovem Pan, Guilherme Boulos (PSOL) chegou a exemplificar sua proposta se referindo especificamente a Henrique Meirelles: “Não vou chamar o Meirelles, vou taxar o Meirelles”, disse.

Pois o plano de governo do emedebista também propõe uma reforma tributária. Mas, embora mencione que os impostos indiretos prejudiquem os pobres, é nos empresários que está o foco do texto. Diz que os impostos sobre salários estimulam a informalidade e que, “segundo o Banco Mundial, um empresário brasileiro gasta aproximadamente 2.600 horas por ano para pagar impostos (contra 200 em países similares ao Brasil). Nesse contexto, é fundamental simplifcar o sistema tributário brasileiro com estudos que visem à criação de um imposto de valor agregado, o IVA”.

Sobre a segurança, seu plano de governo diz que três fatores são particularmente importantes no problema: impunidade, falta de policiamento ostensivo e precariedade do sistema penitenciário. Portanto, além de investir em inteligência, Meirelles pretende aumentar o policiamento ostensivo, “com incremento de parcerias público-privadas”, e construir mais penitenciárias. O texto cita números do Altas da Violência 2018, mas não aqueles que informam que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (baseado nos registros policiais), mais de quatro mil pessoas foram mortas em função de intervenções policiais em 2016.

Posicionamentos

Sobre aquelas posicionamentos pessoais e que sempre acabam aparecendo nos debates como questões de fundo moral, eis o que diz Meirelles: é contra a flexibilização do porte de armas; em relação ao aborto, disse ao Estadão que é “favorável ao direito da mulher”, mas só nos casos já previstos em lei, e não quer que ela mude. Sobre às drogas, já havia dito na sabatina da IstoÉ  que, eleito, vai “liberar a maconha”, e ao Estadão, voltou a afirmar que  “ninguém pode ser preso por consumo, mas o tráfico deve ser combatido”.

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