Depois da audiência

Ainda é cedo para dizer qual será o resultado prático dessa verdadeira maratona. Mas o tema está, cada vez mais, na agenda

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Ainda é cedo para dizer qual será o resultado prático dessa verdadeira maratona. Mas o fato é que o tema está, cada vez mais, na agenda política do país

07 de agosto de 2018

DEPOIS DA AUDIÊNCIA

Terminou ontem a audiência pública sobre descriminalização do aborto. Promovida pelo Supremo Tribunal Federal em duas partes, foram ouvidas 60 pessoas, com argumentos favoráveis e contrários à ação proposta pelo PSOL, que pede a suspensão da aplicação de artigos do Código Penal a mulheres que decidem interromper a gestação até a 12ª semana e a médicos que as auxiliem no procedimento.

Ainda é cedo para dizer qual será o resultado prático dessa verdadeira maratona, já que o plenário do STF precisa julgar a ação. E isso não tem data para acontecer. Mas o fato é que o tema está, cada vez mais, na agenda política do país. E o mais provável é que, daqui para frente, os embates sejam ainda mais fortes, na medida em que as mulheres demonstrarem mais poder de organização e pressão.

E os avanços são lentos, mas visíveis. O grupo Católicas pelo Direito de Decidir apresentou ontem no Supremo uma pesquisa Ibope realizada no ano passado com 2.002 pessoas de todo o país. O instituto perguntou sobre o grau de concordância dos entrevistados a respeito da prisão de uma mulher que fez aborto. E 64% acreditam total ou parcialmente que não deve haver prisão, um aumento de cinco pontos percentuais em relação à última pesquisa, de 2013. Quando se divide os entrevistados por religião, esse número chega a 65% entre católicos e 59% entre evangélicos (contra percentuais de 60% e 56% há cinco anos). Além disso, 64% dos entrevistados afirmaram que compete somente à mulher decidir sobre a interrupção da gestação, contra 4% que acreditam que a decisão é da Igreja.

Entre os cristãos ouvidos ontem na audiência, também a pastora Lusmaria Campos Garcia defendeu a autonomia feminina. A CNBB, ao contrário, defendeu a “inviolabilidade da vida” e taxou a audiência de “inconstitucional”.

As críticas mais lembradas serão, contudo, as do senador Magno Malta (PR-ES) não pela consistência, mas pela promessa final de que caso o Judiciário leve adiante o julgamento da ação, o parlamentar vai propor uma emenda à Constituição “para que um feto tenha o  mesmo direito que um ovo de tartaruga”. Segundo Malta, “o feto no útero da mãe não é parte da mulher” e não é papel do STF sequer debater o assunto quando provocado por uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), como é o caso. Só o Congresso poderia fazê-lo.

Outra presença “ilustre” foi a de Janaína Paschoal, coautora do pedido de impeachment, para quem a legislação atual – que, por exemplo, permite o aborto em caso de anencefalia e proíbe para qualquer outra má-formação congênita fatal, como mostrou essa reportagem da Agência Pública – é “extremamente ponderada”.

Bom, são muitas visões e, com certeza, há muito trabalho pela frente num país continental como o Brasil. Nossa dica por enquanto é dar uma lida na cobertura feita pela Rede Brasil Atual, que acompanhou de forma bem completa as duas partes da audiência (aquiaquiaqui e aqui).

EFEITO ‘M’

Mulheres têm de duas a três mais chances de sobreviver a um ataque cardíaco quando tratadas por médicas mulheres. Essa é a conclusão de um estudo feito por pesquisadores de Harvard e outras duas universidades estadunidenses publicado ontem no periódico Proceedings of the National Academy os Sciences. Isso porque as profissionais tendem a compartilhar mais informação com seus pacientes e focar mais em uma relação de parceria, incentivando sua participação, enquanto médicos homens tendem a se ater aos “fatos”, como histórico do paciente e exames. E os sintomas do ataque cardíaco em mulheres e homens nem sempre são fáceis de ler. Em 30% das vezes, o evento se anuncia sem dor no peito, mas como náusea.

A pesquisa usou números de pacientes que deram entrada em pronto-socorros no estado da Flórida entre 1991 e 2010. E a primeira descoberta é que quando o gênero do paciente e o do médico são os mesmos, as chances de sucesso são maiores. Olhando mais de perto os dados, os autores da pesquisa verificaram que pacientes mulheres tratadas por médicos homens tinham menos chances de sobreviver a um ataque cardíaco. Foram além e examinaram a equipe: viram que pacientes – tanto homens quanto mulheres – tinham mais chances quando tratados em emergências com altas proporções de médicas empregadas.

CONTRA O MEDO

Nesse longo artigo de opinião publicado no New York Times, a jornalista especializada em ciência Melinda Wenner Moyer toca num calcanhar de Aquiles: as pesquisas sobre vacinas. Repórter da Scientific American, ela conta sua experiência no contato com pesquisadores depois que ganhou uma bolsa para fazer reportagens sobre o assunto. Meses depois, sua conclusão é que não só o movimento antivacina vem crescendo como os cientistas desse campo estão sendo engolfados pelo clima de medo.

Sempre que ela queria falar sobre as conclusões de um estudo que indicavam problemas com alguma vacina, das duas uma: ou os autores se recusavam a falar com ela, ou diziam que ela teria ‘sangue em suas mãos’. Ela lembra como estudos desde sempre ajudaram a melhorar a segurança de imunizações, como, por exemplo, a vacina da gripe. E cita casos em que o clima na comunidade científica chegou a tal ponto que pesquisadores que investigaram efeitos adversos das vacinas foram condenados publicamente por outros cientistas. Moyer pondera que é preciso encontrar um equilíbrio entre o avanço da ciência das imunizações – que para tal, precisa de controvérsia, como em qualquer outro campo de conhecimento – e a comunicação com o público de forma responsável, de modo a não alimentar o medo infundado. E avisa: a falta de transparência com o público pode fazer mais mal do que bem no longo prazo.

MERCADO NADA LIVRE

Engana-se quem pensa que os planos de saúde são mantidos apenas com os pagamentos dos beneficiários. Sabe aquele valor que as pessoas pagam na mensalidade e que, no fim do ano, deduzem do cálculo do Imposto de Renda? Em 2015 esse montante foi de mais de R$ 8 bilhões. Somando com as deduções das consultas avulsas e procedimentos diversos, com os abatimentos concedidos a empregadores, com as desonerações fiscais à indústria farmacêutica e aos hospitais filantrópicos, o valor dos subsídios do Estado brasileiro ao setor privado na saúde chegou a R$ 32,5 bilhões, só naquele ano. Ou seja: foram R$ 32,5 bilhões que o Estado deixou de arrecadar que poderiam ter sido investidos no SUS, mas que ajudaram a financiar o setor privado. Para ter uma ideia do quanto isso é significativo, basta lembrar que o orçamento total do Ministério da Saúde naquele ano foi de cerca de R$ 100 bilhões.

Esses valores foram mapeados em um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e um dos autores, Carlos Ocké, conversou com o Outra Saúde sobre mercado, efeitos da Emenda 95, mudanças na forma de repasse dos recursos federais para estados e municípios e a privatização do SUS pela via da gestão.

ESTAMOS DE OLHO

Quem acompanha o Outra Saúde há mais tempo, vai se lembrar do polêmico evento promovido por uma entidade desconhecida, chamada Febraplan, que propunha a substituição do SUS por um “Novo Sistema Nacional de Saúde” que deveria assegurar que metade dos brasileiros fossem beneficiários de planos de saúde em 20 anos (com recursos públicos, por supuesto). Pois bem: o presidente da tal Febraplan é Pedro de Assis, dono da operadora de planos Agemed, com sede em Joinville (SC). O pesquisador José Sestelo, na época, afirmou que o evento serviria para projetar a empresa, em expansão. Hoje noEstadão ficamos sabendo que a Agemed aumentou em 60% suas operações no ano passado, e tem hoje 300 mil beneficiários, principalmente em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso.

IMAGINA DESVINCULADO

Ontem noticiamos por aqui números do Ministério Público do Rio que mostram que o estado destinou muito abaixo do mínimo constitucional para a saúde, cumprindo 5% de uma obrigação de 12%. Hoje no Estadão Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, afirma que a “rigidez” orçamentária, traduzida no “excessivo grau” de vinculação das receitas previsto na Constituição “prejudica a qualidade do debate democrático no país”. Abaixo, alguns de seus argumentos:

“A título de exemplo, vamos considerar um Estado que deseja ampliar as despesas em segurança pública em R$ 1 bilhão e que gostaria de financiar tais despesas aumentando o ICMS, que é o principal imposto estadual. Como a Constituição Federal determina que 25% da receita do ICMS seja destinada aos municípios do Estado e, do valor remanescente, 25% destina-se à educação e 12% à saúde, isto significa que o Estado terá de arrecadar R$ 2,1 bilhões para que sobre R$ 1 bilhão para destinar à segurança pública. (…) Para driblar a rigidez resultante da vinculação de receitas, os governos acabam recorrendo a vários expedientes: todos ruins e pouco transparentes. (…) No fundo, o modelo estruturado no Brasil para proteger a educação, a saúde e os entes subnacionais acaba prejudicando o debate democrático e racional sobre prioridades orçamentárias e seu financiamento.”

TRAGÉDIA GREGA

O periódico The Lancet publicou um especial sobre o estado do sistema de saúde grego. “Grécia – o custo da recuperação” aborda financiamento, carga de doenças, piora nos indicadores de saúde, aumento dos fatores de risco; todas variáveis ligadas à debacle da economia e às medidas de austeridade adotadas pelo país (e impostas pela União Européia, é bom lembrar).

CONSULTA PÚBLICA

Os interessados têm até o dia 25 de agosto para participar da consulta públicasobre a atualização do Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois anos. O texto é baseado no (elogiado por especialistas e criticado pela indústria) Guia Alimentar para a População Brasileira.

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