Estranha urgência

O número de “laqueaduras de emergência” no Brasil cresceu e, em 2017, elas foram mais numerosas do que as eletivas.

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 O resumo dessa e outras notícias, em nove minutos

18 de julho de 2018

ESTRANHA URGÊNCIA

O número de “laqueaduras de emergência” no Brasil cresceu e, em 2017, elas foram mais numerosas do que as eletivas. A estranha descoberta foi feita pela jornalista Bruna de Lara, do Intercept. Só não conseguiu que ninguém lhe explicasse por que isso acontece, e nem mesmo o que são laqueaduras de emergência: o próprio Ministério da Saúde disse que isso não existe, mas que a cirurgia pode ser registrada como urgente  “por, provavelmente, ter-se identificado risco à saúde da mulher em futura gestação”.

Restam palpites. Um é o de que a classificação como ‘urgente’ seja uma expressão do jeitinho brasileiro: como há várias exigências para poder passar pelo processo (idade mínima de 25 anos, dois filhos vivos e até autorização do marido), mulheres talvez estejam conseguindo acordos com os médicos para operar sem cumprir os requisitos. Outra hipótese se relaciona com o aumento das laqueaduras durante cirurgias cesarianas (hoje é proibido fazer isso de forma eletiva): pode ter a ver com o aumento das gestações de alto risco.

Ainda sobre laqueaduras – mas as forçadas – o mesmo site traz um artigo de Eliana Alves Cruz, que resgata a CPI da laqueadura involuntária, nos anos 1990. A Comissão investigou como mulheres eram esterilizadas involuntariamente no Brasil com apoio de capitais estrangeiros e sob orientações do Relatório Kissinger, um documento dos EUA que defendia a contracepção em 13 países-alvo (entre eles o Brasil) alegando que “o crescimento populacional dos países menos desenvolvidos era uma ameaça para a segurança nacional americana”. Para Eliana, o caso Janaína traz a sensação de que tudo isso não aconteceu há três décadas, mas ontem.

QUEM SOFRE PRIMEIRO

Há algum tempo dissemos aqui que a mortalidade infantil havia voltado a crescer em 2016, com informações do relatório do Observatório da Criança. E. nesta segunda, a Folha analisou dados inéditos do Ministério da Saúde que confirmam a situação (a pasta aponta a crise e a zika como responsáveis). Chamam a atenção as mortes por diarreia, e a Fundação Abrinq relaciona os números ao corte de verbas e ao contingenciamento de programas como o Bolsa Família e a Rede Cegonha.

A repercussão está sendo enorme. Em seu blog, Leonardo Sakamoto diz que a responsabilidade pela crise não é apenas de Michel Temer, já que ela é prolongada, mas critica o fato de que, “diante do diagnóstico sombrio, o governo receite o inverso”, com cortes na saúde, habitação e educação.

Esta não é uma análise isolada. Em entrevista à Deutsche Welle, o advogado Pedro Hartung, do Instituto Alana, diz que um dos principais problemas é que o investimento vem caindo, e a Emenda 95 só vai piorar as coisas. “Quando há adoção de políticas de austeridade que reduzem o investimento social, sem dúvida os primeiros afetados são as pessoas mais vulneráveis. E, dentre a população mais vulnerável, temos as crianças e os adolescentes, que são mais vulneráveis per se, em função do desenvolvimento ainda muito sensível por qual estão passando”, diz, defendendo o fortalecimento do SUS, em especial das unidades básicas de saúde, que podem acompanhar mais de perto a comunidade.

Mas a importância dos investimentos públicos foi relativizada no editorial de hoje da Folha: “Houve algum corte, de fato, nas despesas federais em saúde em 2015 e 2017, o que não parece suficiente para provocar efeitos tão visíveis e imediatos”, e “o país já contabilizou reduções expressivas da mortalidade infantil quando o gasto público era muito menor que o atual, graças a avanços no saneamento, na educação e na nutrição”, sustenta o texto.

FECHA AQUI, ABRE ALI

Em oito anos, o Rio Grande do Norte fechou 465 leitos hospitalares no SUS (sendo 391 na área de pediatria), enquanto, no setor privado, foram criados 255 novos leitos. A Tribuna do Norte diz que a tendência nos fechamentos está por quase todo o país – no Rio e em SP, foram 9.569 e 7.325, respectivamente.

AINDA O MÁRCIAGATE

Ontem um ex-funcionário da prefeitura do Rio disse ao RJTV como o Sisreg (Sistema de Regulação de Vagas de Consultas e Cirurgias) era burlado dentro da Secretaria de Saúde. Até o fim do ano passado, as marcações eram autorizadas pelos médicos nos postos ou clínicas da família, mas, desde dezembro, um grupo do Sisreg passou a ficar responsável pela triagem. O argumento – bom, diga-se – era de que a fila era longa e pacientes com risco chegavam a esperar um mês. Mas a fonte disse que pacientes indicados pela prefeitura passaram a ter preferência. A possibilidade de furar fila vai de vento em popa, como bem mostrou a reunião do prefeito  Crivella com líderes religiosos na semana passada.

A conduta de Crivella foi repudiada, em nota, pela Associação de Medicina de Família e Comunidade do Estado do Rio de Janeiro (AMFaC-RJ): “O prefeito desrespeita as pessoas que hoje aguardam resposta da rede de saúde e fere os princípios de universalidade e equidade do SUS”. E a Justiça do Rio proibiu o prefeito de usar a máquina pública para defender interesses pessoais ou de grupos religiosos, sob pena de afastamento do mandato.

ÚLTIMOS MOMENTOS

Depois da aprovação da lei de dados pessoais pelo Senado, só falta a sanção de Temer. Mas esta matéria de Tatiana Dias, no Intercept, diz que o processo ainda pode ‘melar‘. O projeto prevê a criação de Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais e, segundo o texto, o governo é contra. Algumas críticas ao projeto são levantadas por Claudio Abramo neste artigo: “O texto propicia retrocesso no acesso a informação, além de abrir terreno para arbitrariedades de agentes públicos das três esferas”, argumenta o autor.

Uma coincidência: a maneira como planos de saúde vêm juntando forças com ‘data brokers’ para coletar dados de milhões e milhões de pessoas nos EUA e maximizar seus lucros é tema desta longa matéria da ProPublica. Aqui no Outra Saúde também tratamos disso pouco antes da aprovação do PL pelo Senado, nesta reportagem especial.

DOMINÂNCIA FINANCEIRA

No Observatório de Análise Política em Saúde, escreve José Sestelo: “Afinal, a dominância financeira tal qual se apresenta no século XXI é uma novidade histórica, um fenômeno datado, ou é mais do mesmo velho processo de acumulação de capital descrito em detalhe desde o século XIX? A sua expressão no campo da assistência à saúde em países periféricos como o Brasil é verificável na realidade empírica ou é uma afirmação retórica desprovida de fundamento?”

DESENCONTRO

Ao contrário do que ocorre no Brasil, as taxas de vacinação no mundo crescem. Contra sarampo e rubéola, a cobertura subiu de 35% em 2010 para 52% no ano passado – apesar de tudo, as taxas brasileiras ainda são bem maiores que a média. O Ministério da Saúde afirma que vai reforçar o combate às fake news. Diz que há uma equipe de monitoramento analisando as notícias de saúde no meio digital e, este ano, já foram mais de mil alertas sobre informações falsas.

Em coluna na Folha, Suzana Herculano diz que não se preocupa com tanto com famílias que não vacinam crianças já que, enquanto a maioria continuar vacinando os filhos, quase todos serão protegidos. Mas a neurocientista se diz preocupada com “o futuro do conhecimento em si”, porque pesquisadores são desprezados no Brasil.

POPSTAR FORAGIDO

Um médico com mais de 650 mil seguidores no Instagram e 1,5 mil inscritos no YouTube é responsável pela morte de uma paciente no Rio de Janeiro, após uma cirurgia plástica. Cesar Barros Furtado é conhecido como ‘Dr. Bumbum’. Apesar de ter diploma, não tinha CRM do Rio (a cirurgia foi feita em um apartamento na Barra da Tijuca) e é réu em mais de 10 ações, elencadas na Vice: homicídio, porte de arma, crime contra a ordem pública, resistência a prisão, exercício arbitrário da própria razão (se excedeu na reação em legítima defesa) e violação de domicílio. Agora está foragido. A mãe de Denis, Maria de Fátima Barros – médica, mas com o registro cassado – , participou do atendimento e também fugiu.

MELHORAMENTO QUESTIONÁVEL

Nexo publicou ontem uma reportagem sobre o uso de remédios por pessoas saudáveis que querem melhorar sua ‘performance mental‘: esse uso tem aumentado significativamente, em especial nos EUA e na Europa. Tratamos disso no Outra Saúde, na reportagem especial de Raquel Torres sobre osequestro do sono.

NOVAS REGRAS

Suplementos como cápsulas de vitaminas e whey protein não tinham regulamentação específica, mas a Anvisa acaba de aprovar regras. Há uma lista com 382 ingredientes e substâncias autorizadas na composição, com limites mínimos e máximos para usos estabelecidos, e 189 alegações possíveis, com testes exigidos (para não ter produtos com alegações falsas ou sem comprovação). Os rótulos também vão precisar deixar claro que se trata de suplementos – e não remédios ou alimentos.

SEM REGISTRO

A Anvisa regulamentou os critérios para importar medicamentos não-registrados no Brasil. Pode acontecer em situações excepcionais: quando o produto não está disponível no mercado, não há outra alternativa terapêutica ou há emergência de importância nacional ou internacional. Vacinas recebidas por meio de fundos da OMS ou doadas por organizações internacionais também estão permitidas.

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