O peso das ideias na riqueza das nações

Por que aposta do Brasil na Agricultura e Mineração tende a tornar país cada vez mais atrasado, dependente e desigual

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Um livro e um Atlas da Complexidade Econômica ajudam a compreender por que aposta do Brasil na Agricultura e Mineração tende a tornar país cada vez mais dependente e desigual

Por Ricardo Abramovay*

As relações entre o desenvolvimento de um país e a complexidade de sua economia

Tanto as maçãs que compramos na quitanda como as que foram desenhadas no Vale do Silício são bens econômicos e incorporam o que há de mais precioso naquilo que consumimos: informação. No caso da fruta, esta informação se exprime em dezenas de milhares de genes que cumprem sofisticadas funções bioquímicas. Mas por mais que tenhamos alterado as maçãs para torna-las doces e suculentas, a verdade é que elas existiam no mundo antes de povoarem nossas mentes. Já os objetos que usamos para nos comunicar por meio da internet foram concebidos por alguém antes de tomar uma forma útil a nosso uso. Ambos, maçãs e Maçã (apples e Apple) são bens econômicos produzidos e vendidos por meio de vastos circuitos de distribuição. Ambos incorporam informação. Mas só um deles materializa, cristaliza nossa imaginação.

Este exemplo é utilizado por Cesar Hidalgo, físico chileno e professor do MIT (Massachussets Institute of Technology), para ilustrar como o tema em torno do qual nasce a ciência econômica no Século XVIII (a origem da riqueza das nações) está hoje sendo reescrito. Claro que o aprofundamento da divisão do trabalho, tal como Adam Smith o expôs no célebre exemplo da fábrica de alfinetes, é a base do aumento da riqueza. O fundamental, entretanto, não está no fato de que cada um de nós se especializa e troca com os outros os resultados desta especialização. O que define a riqueza das nações, nos dias de hoje, não é tanto a liberdade de nos dedicarmos àquilo em que nos julgamos mais competentes, mas antes de tudo, a qualidade daquilo que fazemos, ou seja, nossa capacidade de incorporar inteligência, conhecimento, informação e imaginação aos materiais em que nos apoiamos para a oferta de bens e serviços. Em última análise é esta capacidade que distingue a produção de riqueza do desenvolvimento econômico.

Os países que conseguem exportar bens com alto teor de inteligência estão mais aptos a um crescimento contínuo

Paulo Gala, professor da Fundação Getúlio Vargas, apoia-se teoricamente no trabalho de César Hidalgo e do venezuelano Ricardo Haussmann (ambos do Media Lab do MIT) para colocar em dúvida a consistência do mantra difundido pela esmagadora maioria dos economistas e dos jornalistas econômicos do Brasil: o de que boas instituições, capazes de sinalizar aos empresários segurança jurídica, estabilidade nos contratos, discrição na presença do Estado na economia e redução drástica da corrupção são condições necessárias e suficientes para que o País volte a crescer retomando a trajetória positiva de aumento da riqueza que marcou a primeira década do milênio.

Claro que boas instituições são indispensáveis. Mas elas só podem ser vistas como meio para uma finalidade que define a essência daquilo que a sociedade deve esperar da economia: não apenas o aumento da riqueza mas, antes de tudo, a ampliação da complexidade da vida econômica. Não tanto a ampliação na oferta de maçãs, mas, em primeiro lugar, de um conjunto variado de bens e serviços ricos em informação e cujas redes de produção e distribuição apoiam-se em circuitos cada vez mais variados e ao mesmo tempo únicos. Muito mais Apple do que maçãs.

O novo livro de Paulo Gala tem a ambição de oferecer ao leitor, como diz o subtítulo da obra, “uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações”. E no cerne desta nova perspectiva encontra-se a categoria central que dá título a sua obra: Complexidade Econômica. A riqueza das nações não depende fundamentalmente da exploração de suas vantagens comparativas, ou seja, de sua concentração naquilo que conseguem oferecer aos outros pelo menor preço. Ao contrário, as nações que mais ampliaram sua riqueza preenchem simultaneamente duas condições: oferecer bens que os outros não conseguem produzir e que, ao mesmo tempo, sejam o resultado de redes de interação densas, marcadas por conhecimentos cada vez mais sofisticados, ou, em outras palavras, pela capacidade de imprimir imaginação à matéria e, por aí, aumentar as próprias capacidades humanas, que se trate de transportes, comunicação, energia, construção, saúde, educação ou organização urbana.

O instrumento básico para avaliar a situação de diferentes economias ao redor do mundo é o Atlas da Complexidade Econômica. Nele expõe-se a estrutura das exportações de cada nação. O que uma nação exporta é uma boa síntese da forma como consegue incorporar conhecimento e saber prático àquilo que faz. É também uma boa expressão da natureza das redes sociais e dos elementos que interagem em seu interior para formar sua riqueza. Países com pautas exportadoras ricas em ciência, tecnologia e baseadas em empresas que incorporam conhecimento e inteligência a suas práticas produtivas são exportadoras líquidas de imaginação. E é claro que, inversamente, os que dependem fundamentalmente de bens primários (por mais que estes se apoiem em algum nível de ciência e tecnologia) especializam-se em importar imaginação.

É sobre esta base teórica e metodológica que Paulo Gala inova a mais importante contribuição latino-americana ao pensamento econômico contemporâneo: o estruturalismo. O aumento do grau de complexidade econômica das sociedades atuais não decorre e não pode decorrer fundamentalmente de substituir aquilo que se importa por produção local. Muito mais importante que a substituição de importações é a maneira como cada país se insere nas cadeias globais de valor. Aqueles que conseguem, graças à força de sua indústria exportar bens dotados de alto teor de inteligência e informação, estão mais aptos a um crescimento econômico não apenas contínuo, mas são exatamente os que mais conseguiram também reduzir suas desigualdades. Na esmagadora maioria dos casos, a América Latina, sobretudo durante os últimos quinze anos, inseriu-se nas cadeias globais de valor por meio da oferta de bens marcados por baixo teor de conhecimento em seus processos produtivos e por redes produtivas pouco densas.

Por esta razão, enquanto os países asiáticos de alto desempenho tecnológico conseguiram aumentar sua riqueza e, ao mesmo tempo, ampliar os empregos mais bem pagos, a América Latina cresceu sobre a base não só de produtos primários, mas de construção civil, comércio e shoppings centers. Mesmo que, durante alguns anos, este padrão de crescimento econômico tenha ampliado a formalização do emprego e melhorado a distribuição da renda, a fragilidade de sua base econômica mostra-se hoje não só no desemprego, mas também na acelerada desindustrialização do Continente.

O livro de Paulo Gala é uma contribuição fundamental mostrando o risco de que o crescimento econômico que a sociedade tanto almeja seja apenas a mimetização do atraso que marcou a vida econômica brasileira e latino-americana nos últimos anos.

* Publicado originalmente no blog do autor: http://ricardoabramovay.com

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5 comentários para "O peso das ideias na riqueza das nações"

  1. Luiz Cláudio Fonseca disse:

    O conceito de commodity pode ser considerado como um regulador de estoque do primeiro mundo?

  2. Arthur disse:

    Concordo com a opinião de Euclides.

  3. LUIZ FERNANDO NUNES RODRIGUES disse:

    O Japão é um grande exemplo de como ser uma nação marcada pelo desenvolvimento tecnológico. Esses orientais possuem uma das maiores ecnomias do mundo mesmo seu território sendo pequeno, sofrendo com condições climáticas horríveis como tsunamis e terremotos e uma população pequena comparada ao Brasil.
    Os EUA ao meu ver é um grande exemplo de como ter uma economia pulgante e diversificada, os norte americanos possuem uma produção primária complexa igual o Brasil e produção tecnológica de ponta, por isso é a maior economia do mundo. China aprendeu a lição de casa com os norte-americanos e vão fazer frente em relação a eles mesmo que sua politica interna ainda seja arcaica com base no socialismo autoritário.

  4. Tadeu Braga disse:

    Excelente matéria, Ricardo Abromovay!

  5. A característica principal da atividade economica na América Latina estar focada na produção primária e exportação de minerais minimamente processados, demonstra o grau de submissão desses países a um controle externo de suas atividades economicas, bem como fixação de preços aviltantes para seus produtos, altas taxas de juros no mercado, baixo nivel de investimentos públicos na educação e pesquisa científica, além de muitos outros itens que demonstram o interesse de manter as populações sempre nas atividades menos rentáveis, para sustentar o processo de escravização para o qual foi concebido, a partir do exterior, notadamente da Europa e dos USA, que vem ocorrendo há mais de 500 anos… há que considerar ainda os absurdos juros sobre a “divida externa”, que sobressai o espantoso saqueio praticado contra nossos países da América Latina.
    Portanto, somente alertamos o prezado articulista que comentar sobre as diversas eficácias dos “modernos meios de criatividade” na geração de riquezas não é coerente com as oportunidades dadas aos povos para buscar seu crescimento…

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