A quem interessa a violência

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Permitir que as decisões finais sejam tomadas pela sociedade é uma forma de realizar, na prática, o discurso que os poderosos sustentam apenas como farsa

Os acordos que renovaram a Constituinte boliviana foram fechados nos primeiros dias de agosto, às vésperas de esgotar-se o prazo inicial de um ano, dado para a conclusão dos trabalhos. Ao transferir à sociedade o direito de se pronunciar sobre os temas mais importantes da nova Constituição, o compromisso esvaziou a alegação de que a assembléia poderia instaurar a ditadura do MAS, o partido do governo. Em declarações à imprensa, o próprio presidente Evo Morales pareceu menos apressado que no início de seu mandato. “Não se pode refazer em apenas um ano o que foi desfeito em cinco séculos”, disse à imprensa, no mês passado.

Pouco depois de estabelecido o compromisso de agosto, os líderes conservadores perceberam que uma democracia de verdade não atende a privilégios. Optaram, então, por seus próprios interesses. Só podem, porém — e aqui está uma grande conquista da Bolívia –, deslegitimar a Constituinte se fingirem que são fiéis a ela. A proposta de transferência da capital é, claramente, uma provocação. Jamais havia sido levantada antes. Não há uma idéia nesse sentido, entre as 7 mil proposições populares apresentadas nas audiências públicas da assembléia.

É provável que, quando se recusaram a levar a proposta em consideração, as bancadas em favor de uma nova Bolívia tenham se deixado levar pela sensação de que estava começando mais uma manobra protelatória. Tinham razão. Mas, numa conjuntura tão complexa (e promissora…) como a que seu país está vivendo, talvez seja preciso, às vezes, relevar o que os privilegiados planejam por trás do discurso e comprometê-los por suas próprias palavras. Esvaziar qualquer pretexto para a violência (que cala o debate de idéias) e criar todas as condições para que as decisões finais sejam tomadas pela sociedade pode ser uma boa maneira de neutralizar a retórica dos poderosos, ao realizar, na prática, o discurso que eles sustentam como farsa.

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Esta postagem é seqüência de:

O impasse boliviano, O que está em jogo na Constituinte e O poder aos cidadãos?

Nosso dossiê:

Le Monde Diplomatique:

> “A um passo da mudança“, “A efervescência popular boliviana” e “Uma nova esquerda na ofensiva“, assim como o editorial “Bolívia“, de Ignacio Ramonet, são essenciais para compreender o ascenso do movimento indígena e suas repercussões na vida do país.

> Em nossa Biblioteca Virtual, os verbetes sobre Bolívia, América do Sul, Movimentos Indígenas e Neodesenvolvimentismo.

Outras fontes:

> Três agências alternativas de notícias acompanham permanentemente, e em profundidade, a situação boliviana: IPS (Inter Press Service, castelhano), ALAI (Agência Latino-americana de Informação Independente, castelhano) e Adital (português). O material da IPS é traduzido e distribuído no Brasil pela Envolverde.

> Na versão em castelhano da Wikipedia há verbete muito completo sobre a Bolívia. As seções sobre situação social e cultura são ricas. A que trata de política poderia ser atualizada com mais freqüência. Também há verbete na versão em português.

> É possível acompanhar os trabalhos da Assembléia Constituinte boliviana por meio de uma página não-oficial na internet (em espanhol). Embora oficial, o noticiário da Agência Boliviana de Informação (castelhano) é rico. Entre os meios tradicionais de informação, é útil o de El Diario (castelhano).

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Um comentario para "A quem interessa a violência"

  1. Felicito-lhes pela feliz abordagem a que incutiram acerca do processo político boliviano e pela elucidação livre dos meios de massificação midiáticos feita pelo Le Monde Diplomatique. Fiquei emocionado com a clareza de idéias do(s) autores(as) e com a independência jornalística do Diplô! Continuem capitaneando a mídia alternativa com esta presteza e austeridade! Vocês certamente já me cativaram como leitor assíduo deste página e, sem sombra de dúvidas, considero este site o melhor no quesito informação independente! Novamente, minhas sinceras felicitações!!!

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