Militares: como Lula defenestrou um golpista

Além de defender vândalos com tanques em 8/1, ex-comandante do Exército quis promover militar-chave no esquema bolsonarista. Novas demissões virão. E ministro Múcio permanece – mas sua política de apaziguamento a qualquer custo, não

O general Arruda: Demitido por desafiar ordem de Lula, buscou solidariedade no Alto Comando — e frracassou
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Por que o ex-comandante do Exército, general Júlio César Arruda, foi demitido no sábado (21/1) pela manhã, horas depois de sair satisfeito e confiante de uma reunião com Lula? Que estratégia o presidente está adotando para lidar com os bolsões golpistas no Exército? A postura de apaziguamento a qualquer custo, defendida pelo ministro da Defesa, Múcio Monteiro, perdurará? Nem todos os fatos estão claros, mas para buscar respostas vale acompanhar as informações e raciocínio do historiador Francisco Teixeira (UFRJ), que estuda há muito os militares brasileiros e foi professor da Escola Superior de Guerra. No próprio sábado, os jornalistas Eleonora e Rodolfo Teixeira, do site Tutameia, mantiveram com ele uma entrevista brilhante.

O episódio da demissão inscreve-se, pensa Francisco, na estratégia geral de Lula para as Forças Armadas. Ela busca evitar um confronto em bloco contra o comando militar (que, segundo o historiador não é majoritariamente golpista). Mas implica agir com precisão para punir todos os fardados que tenham se envolvido em atos contra a democracia (“seja qual for a patente”, disse o chefe de governo a Natuza Nery, no Jornal Nacional). Foi esta postura que o levou a aceitar a proposta do ministro Múcio Monteiro (Defesa) e se reunir, na sexta-feira (20/1), com os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. Num gesto de boa vontade, Lula chegou, aliás, a incluir no encontro o presidente da Fiesp, José de Alencar Filho. Queria acenar com a possibilidade de estimular a indústria nacional a participar do esforço de reequipamento das Forças Armadas. Este fato deixou o general Arruda confiante, segundo relataram interlocutores.

Ocorre que já pesava contra Arruda a passividade geral do Exército na tentativa de golpe de 8 de Janeiro. Pior: segundo o colunista Guilherme Amado, do site Metrópoles, ele desafiara, na noite daquele dia, o ministro Flávio Dino (Justiça), ao proteger da prisão – inclusive com uso de tanques – os vândalos que haviam depredado a Praça dos Três Poderes e se refugiavam diante do QG do Exército. Chegara a levar o dedo ao rosto de Ricardo Capelli, interventor nomeado por Lula para a Segurança Pública do Distrito Federal, e a ameaçar o então comandante da PM: “O senhor sabe que minha tropa é um pouco maior que a sua, né”?

O que fez Lula mudar de vez de atitude, segundo Francisco Teixeira, foram os sinais de que Arruda se recusaria a agir contra o tenente-coronel Mauro Cid, uma peça-chave no esquema militar do bolsonarismo. Principal ajudante de ordens de Bolsonaro, Cid é, há meses, investigado por transações financeiras realizadas com cartões corporativos da presidência de República. Na quinta-feira (20/1), vazaram novas informações sobre sua possível participação central num grande esquema de desvio de verbas do Palácio do Planalto, sempre por meio destes cartões. Mas Arruda afirmava que não permitiria sua investigação pela Justiça Civil. E insistia, além disso, em manter sua nomeação para o comando do batalhão do Exército em Goiânia – a se consumar em fevereiro. Trata-se, frisa Francisco, de uma tropa de deslocamento rápido, capaz de chegar muito rapidamente à capital federal.

O tenente-coronel Mauro Cid, assessor íntimo de Bolsonaro e acusado de operar “rachadona” no Palácio do Planalto

Na manhã do sábado, pouco antes de viajar a Rorâima para tratar da crise sanitária entre os ianomâmi, Lula ordenou ao ministro Múcio que demitisse o comandante do Exército. Este ainda esboçou reação. Em atitude insólita, convocou para aquela noite uma reunião do Alto Comando do Exército. Esperava encontrar solidariedade, o que não ocorreu. Teixeira, lembra: em março de 2021, quando Bolsonaro demitiu um antecessor de Arruda, general Edson Pujol, os comandantes da Marinha e Aeronáutica renunciaram a seus postos, em solidariedade. Agora, isto não aconteceu.

Quais os próximos desdobramentos? Francisco Teixeira sustenta que os tempos nas Forças Armadas são lentos, mas acredita que haverá, nos próximos dias, novas demissões na cúpula do Exército. Elas atingirão possivelmente o comandante militar do Planalto, general Gustavo Henrique Dutra de Toledo e seu subordinado, o tenente-coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, comandante do Batalhão de Guarda da Presidência. A omissão de ambos no 8 de Janeiro foi notória (e bizarra…). O historiador prevê que, coerente com sua estratégia, Lula não demitirá o ministro Múcio Monteiro, que é visto como de amplo trânsito entre os militares. Mas a política do ministro, que postulava uma espécie de “apazigualmentoo a qualquer custo” com as Forças Armadas (tendo inclusive desejado manter o general Arruda) – esta, é página virada.

Cresceu, no fim de semana, a curiosidade em relação ao sucessor de Arruda, general Tomás Miguel Ribeiro de Paiva. Dias antes de ser escolhido por Lula, ele fizera, como então Comandante Militar do Sudeste, um discurso em favor da democracia e do resultado das eleições. Há quem lembre que foi leniente, diante do acampamento de golpistas à frente de seu quartel, em São Paulo. Francisco Teixeira pensa, porém, que sua trajetória é marcada pelo respeito à legalidade e à hierarquia.

E Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da UFABC e observador especialmente arguto da crise militar recente, frisa: “O mais importante não é especular sobre quem é o novo comandante do exército. O central na ação de sábado é o movimento feito por Lula ao demitir um general insubordinado. O que importa é o presidente ter mostrado quem manda”.

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