Bancos afundam em oceano de propaganda enganosa

Sistema financeiro promete renegociar dívidas, mas omite condições e número de “beneficiados”. Famílias, pequenas empresas e aposentados sob grave risco, em meio à pandemia. População não precisa de favores, mas da Lei contra o superendividamento

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Por Teresa Liporace e Ione Amorim, do Idec, para a Carta Maior

Após as cobranças feitas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a respeito da atuação do setor financeiro em meio a pandemia do coronavírus, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) reforça a necessidade de mais transparência dos bancos sobre as medidas para garantir recursos financeiros para as famílias e outros setores econômicos, além da urgência de aprovação do Projeto de Lei n° 3515/2015 que prevê o tratamento do superendividamento. Em conversa com o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Sidney, em evento online realizado na segunda-feira (13), Maia pediu aos bancos maior participação, urgência e transparência na adoção de medidas de liquidez. O posicionamento do Idec reflete também a demanda de vários Procons, que se manifestaram durante a transmissão online promovida pela Febraban.

O presidente da Febraban mencionou que o aumento da inadimplência, da recessão e retração econômica estimada em 5%, aumentará o custo estrutural e spread bancário (a diferença entre os juros que os bancos pagam quando o consumidor investe dinheiro e os juros que cobram quando fazem empréstimos). Para o Idec, isso deve impactar diretamente no histórico de superendividamento no Brasil, que já afetava 63 milhões de brasileiros antes da pandemia do covid-19.

Durante a conversa online, o presidente da Câmara cobrou mais compromisso dos bancos. Segundo ele, “o setor financeiro é demandado e criticado por pessoas que recebem anúncios de decisões tomadas por bancos públicos e privados e, quando chegam para demandar o que foi anunciado, na ponta não acontece”. Em outras palavras, as medidas anunciadas pelos maiores bancos do país para a suspensão das dívidas não se concretizaram, gerando confusão e desorientação para cidadãos e pequenas empresas. Rodrigo Maia ressaltou também a preocupação da sociedade com os aposentados. Para muitos idosos, a aposentadoria ou pensão, apesar de ser paga em dia, representa a única renda das famílias que estão sendo impactadas pela pandemia.

É verdade que a crise impacta a economia real, mas são necessárias medidas urgentes para atender a sociedade e garantir a liquidez das famílias e demais segmentos econômicos, ao invés de se privilegiar apenas o setor bancário. Todos os setores da sociedade precisam de apoio nesse momento, e a classe política precisa exigir uma participação mais efetiva do setor bancário nos esforços de contenção da crise.

No final de março, os cinco maiores bancos anunciaram a suspensão de parcelas de crédito por 60 dias. Na transmissão online, o presidente da Febraban anunciou que esse programa de renovação de crédito já atendeu 2 milhões de contratos que totalizam R$ 130 bilhões. Contudo, nenhum banco divulgou previamente as condições e a forma como seriam feitas essas suspensões. O Idec já havia cobrado ao Ministério da Economia, ao Banco central e à Febraban por carta mais transparência e clareza sobre as medidas anunciadas. As condições em que foram negociados os milhões de contratos mencionados por Isaac Sidney ainda permanecem desconhecidas. Como foram repactuados esses contratos? Quem são as pessoas que podem se beneficiar desses acordos? Que tipo de operações de crédito podem ser objeto dessas renegociações? Qual é a composição dos 2 milhões de contratos atendidos nas negociações? Como as parcelas suspensas foram ou serão integralizadas ao saldo dos contratos?

O Idec solicitou esclarecimentos sobre as medidas e suspensão de encargos de multa e mora, adequação dos contratos em função da redução de jornada de trabalho e renda, suspensão das parcelas dos contratos de crédito consignado e redução de juros para o cheque especial e cartão de crédito.

Apenas com essas respostas será possível avaliar se as medidas são de fato benéficas aos consumidores, se há critérios de prioridades aos mais afetados economicamente com a perda de renda, emprego e redução de jornada de trabalho e se a renovação contratual não provocou custos adicionais e encargos aos consumidores.

Além disso, as medidas anunciadas indicam que a renegociação de crédito não será estendida para contratos em atraso e ao cartão de créditos e cheque especial, piorando a situação de endividamento das famílias e da baixa capacidade de recuperação econômica.

Sobre a preocupação com os aposentados, o Idec compartilha desse sentimento do Parlamento externado na live realizada pela Febraban. Há famílias que dependem desse recurso, ainda mais agora por conta do desemprego de filhos e outros membros. Portanto, é preciso que a aposentadoria seja protegida, de forma que o pagamento de parcelas de créditos consignados não comprometa totalmente essa renda. E que esse dinheiro seja usado para sobrevivência e alimentação das famílias. Para isso, é necessária a suspensão das cobranças dessas parcelas temporariamente, assim como foi feito nas outras linhas de crédito, o que pode ser imposto por qualquer um dos poderes da República, se os bancos não o fizerem espontaneamente.

Esse cenário é reconhecido inclusive pela própria Febraban, que durante a live destacou que cerca de 65% da finalidade do crédito consignado é destinado ao pagamento de outras dívidas mais caras. O representante do setor informou que estuda a possibilidade de suspensão ou a pausa nas parcelas desse tipo de contrato.

Não bastassem todas as dúvidas sobre as medidas anunciadas, os consumidores também estão enfrentando muitas dificuldades com o colapso nos serviços bancários. Essa saga dos consumidores foi levada pelo Idec à Febraban e às Ouvidorias dos Bancos, solicitando medidas urgentes para garantir o atendimento aos clientes em meio à pandemia.

O Idec reforça que os novos acordos, bem como os contratos em atraso exigem medidas protetivas que garantam as condições de pagamento pelos consumidores. As medidas de socorro devem preservar os direitos básicos dos consumidores e garantir o equilíbrio nas relações de consumo. É necessária a proteção ao consumidor hipervulnerável, inibindo as práticas abusivas na oferta de crédito, evitando a sobreposição de juros sobre juros em acordos, garantindo as condições de sobrevivência e contribuindo para a recuperação econômica com a disponibilidade de recursos voltados para o consumo, produção e geração de empregos.

Há uma solução legislativa que pode resolver grande parte desses problemas. O Projeto de Lei 3515/2015, que, além de outras soluções, cria regras e procedimentos para repactuação de dívidas de consumidores superendividados já foi aprovado no Senado, e está em avançado estágio na Câmara dos Deputados. Durante toda a live realizada pela Febraban, o presidente da Câmara foi intensamente cobrado por representantes dos Procons e de outros órgãos de defesa do consumidor, que assistiam ao evento on-line, para aprovação desse projeto de lei. Se o Brasil contasse neste momento com uma lei para evitar o superendividamento, a sociedade atravessaria a crise econômica provocada pela pandemia do covid-19 com maior segurança jurídica.

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