No palco, metáfora de nossos tempos perturbados

Encenada no Rio, “Jacques e a Revolução” parece ainda mais atual, ao evocar crise da representação e fragilidade dos poderes que se julgam eternos

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Encenada no Rio, “Jacques e a Revolução” parece ainda mais atual, ao evocar crise da representação e fragilidade dos poderes que se julgam eternos

Jacques e a Revolução, ou como o criado aprendeu as lições de Diderot

Comédia dramática com a Todo Mundo Cia de Teatro. Direção: Theotonio de Paiva.

Teatro Municipal Ziembinski Rua Heitor Beltrão, s/nº – Metrô São Francisco Xavier – Rio de Janeiro (mapa)

Dias 9, 16, 23 e 30 de Julho – Sempre aos domingos, às 19h30

R$ 40, R$ 20 (meia), R$ 15 (lista amiga)

A cada nova temporada, a comédia dramática Jacques e a Revolução, ou Como o criado aprendeu as lições e Diderot, de Ronaldo Lima Lins, montagem inaugural da Todo o Mundo Cia de Teatro no Rio de Janeiro, torna-se mais atual. Dirigida por Theotonio de Paiva, acalentada por cinco anos, a montagem começou a tomar forma através de leituras dramatizadas em 2015, iniciando apresentações por lonas e arenas e uma curta temporada no Parque das Ruínas, em 2016. Artistas de várias gerações compõem a Todo o Mundo Cia de Teatro: os atores Abílio Ramos, Ana Luiza Accioly, Katia Iunes e Luiz Washington, que interpretam 18 personagens, sob a iluminação de Renato Machado, com a trilha sonora original de Caio Cezar e Christiano Sauer e direção de arte de Marianna Ladeira e Thaís Simões, além da direção de movimento da coreógrafa Carmen Luz. A atual temporada está sendo viabilizada por colaborações através do Catarse.

Jacques e a Revolução traz em sua narrativa arquitetura dramatúrgica que alinha tirania, manipulação, jogos de poder, sedução e sexo, elementos que recheiam os diálogos de Jacques, um empregado de segundo escalão, e seu chefe, o Empresário. De conversa em conversa, qualquer sentido de moral desaparece. Jacques conta suas proezas e aprende com o Empresário. A história, que se passa sem definição de lugar e tempo, poderia ser no Planalto Central, numa empresa pública, agronegócio, enfim, na vida real. De fato, foi escrita a pedido do mestre Luís de Lima (1925-2002), ator português notabilizado por sua grandeza na mímica. Ele nunca a encenou. “Luís sugeriu em 1989 que Ronaldo elaborasse um texto para teatro a partir de ‘Jacques, o Fatalista, e seu amo, de Diderot. A ideia era o centenário da Revolução Francesa estar no centro da peça. O que Ronaldo fez, porém, foi estabelecer um diálogo intenso com a obra do filósofo francês iluminista Denis Diderot”, destaca o diretor e dramaturgo Theotonio de Paiva.

Jacques e a Revolução é o único texto teatral de Ronaldo Lima Lins. Registre-se que fez sua tese de doutoramento em torno da obra de Nelson Rodrigues: “O teatro de Nelson Rodrigues: uma realidade em agonia”, em 1979. O estudo tornou-se uma referência sobre o autor de “Vestido de Noiva”. Ronaldo Lima Lins é Professor Emérito da Faculdade de Letras da UFRJ, da qual foi diretor por duas vezes. Possui mais de cem artigos publicados dentro e fora do Brasil. É poeta, ficcionista e autor de livros de ensaio, nos quais elabora reflexões envolvendo cultura, literatura e sociedade. Suas mais recentes obras são Crítica da moral cansada (Editora UFRJ), João, o microscópio e a vida selvagem (romance) – lançado em 2014 pela 7Letras – e O saber e os ventos do não saber (ensaios) – lançado em 2016 pela Mauad. Jacques e a Revolução, ou Como o criado aprendeu as lições de Diderot, conquistou o Prêmio Maurício Távora – 1989 / Secretaria de Cultura do Estado do Paraná.

Momento diverso, porém igualmente perturbador

Theotonio de Paiva, diretor e dramaturgo carioca com 40 anos de trabalho, foi orientando no mestrado e no doutorado por Ronaldo Lima Lins. “Dois motivos básicos me levaram a encenar Jacques e a revolução: a possibilidade de avançar numa pesquisa de linguagem, dentro de uma perspectiva de um teatro narrativo e a percepção que tive na época – e lá se vão 5 anos! – de que estava diante de um texto teatral que se revelava como uma expressão incomum, por ser capaz de pensar/refletir sobre as grandes questões contemporâneas de um modo extremamente maduro”, afirma.

E continua: “Apesar de escrito num momento diverso, porém igualmente perturbador (no início do processo de democratização do país, à época da queda do muro de Berlim), o texto parece dialogar mais intensamente com os tempos atuais, como se estivéssemos diante de uma espécie de expressão premonitória das sucessivas crises hegemônicas e representativa dos poderes. Para examinar um conjunto de ideias delineadas pelo iluminista francês, a peça reinaugura questões antigas na dinâmica dos últimos séculos da modernidade”.

O “tema da viagem”, conforme aparece em Diderot, em Jacques e a Revolução se concentra num único eixo, no coração de um império econômico, metáfora do próprio sistema. Nessa condição, Jacques e o Empresário passam em revista as suas próprias histórias, ambições e derrotas. O público é colocado diante de uma dialética envolvendo dominador e dominado, na qual há trânsito e alternância de posições. Quem estava por baixo vê-se por cima e vice-versa.

A direção acentua esse jogo de espelhos, numa encenação que exercita o poder da síntese, ao trabalhar com quatro naipes de personagens: dois homens e duas mulheres. Essa composição permite revelar mais claramente o jogo presente no próprio texto, favorecendo uma grande construção dramático-narrativa entre atores e público.

Ficha Técnica_Texto: Ronaldo Lima Lins | Direção e dramaturgia: Theotonio de Paiva | Atores: Abílio Ramos, Ana Luiza Accioly, Katia Iunes e Luiz Washington | Trilha sonora original: Caio Cezar e Christiano Sauer | Direção de arte: Marianna Ladeira e Thaís Simões | Direção de movimento: Carmen Luz | Iluminação: Renato Machado | Design gráfico: Nicholas Martins | Fotos de divulgação: MarQo Rocha e Flávia Fafiães | Assessoria de imprensa: Mônica Riani | Direção de produção: Katia Iunes | Realização: Todo o Mundo Cia de Teatro | Produção: Nonada – Arte e cultura contemporânea.

 

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