Não tentem sufocar a Grécia

Talvez a União Europeia – tão expedita a salvar bancos, tão alérgica a ajudar os povos – recuse-se a negociar dívida grega. Talvez seja um gesto suicida

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Paris, 2012: manifestação de apoio ao Syriza, em Paris. “É de esperar que mais partidos contra a ditadura financeira eleições nos próximos anos”

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Por Nuno Ramos de Almeida

O secretário de Estado Henry Kissinger, o poderoso chefe da diplomacia norte- -americana nos anos de fogo da revolução portuguesa, que esteve nos governos de Richard Nixon e Gerald Ford, ficou famoso pela sua teoria da vacina. Se Portugal caísse nas mãos dos comunistas – uma espécie de Cuba no velho continente –, isso serviria de exemplo, evitando que outros países do Sul da Europa seguissem o mesmo caminho. Segundo documentos revelados recentemente, numa reunião na Casa Branca em Abril de 75 com o presidente Ford e o conselheiro nacional de segurança Brent Scowcroft, o homem que vaticinava que Mário Soares se tornaria o Kerenski português [primeiro-ministro russo derrubado por Lênin] até arriscou uma previsão: “Em 1980 podemos ter comunistas governando Portugal, a Grécia e talvez Itália.”

A 27 de Março, quando Ford e Kissinger receberam o ex-chanceler alemão Willy Brandt, à época presidente da Internacional Socialista, o secretário de Estado norte-americano declarou: “Os europeus estabeleceram dois objetivos [quanto a Portugal]: a realização de eleições e evitar a tomada do poder pelos comunistas. Acho que podemos conseguir esses dois objetivos e mesmo assim “perder” o país, porque os comunistas “governam” através do Movimento das Forças Armadas (MFA). O que vamos fazer se este tipo de governo quiser manter o país na OTAN? Quais os efeitos disso na Itália? E na França? Provavelmente temos que atacar Portugal, qualquer que seja o resultado, e expulsá-lo da OTAN.”

Normalmente, segundo uma conhecida frase de Marx comentando Hegel, a história repete-se, primeiro como tragédia e depois como farsa. A ideia de um conjunto de governantes alemães e comentaristas portugueses, de que vai ser possível usar a Grécia como vacina contra a mudança de atitude dos povos do Sul da Europa é peregrina mas pouco inteligente.

É verdade que a Grécia deve dinheiro à troika, mas esse laço econômico serve para o país devedor como para os países credores. Pensar que é possível castigar Atenas sem que isso se repercuta na economia da União Europeia (UE) é ignorar completamente a dinâmica da economia. No início da crise grega também se dizia que este país pesava menos de 1% na economia europeia, e nem por isso que a inação da UE e da Alemanha deixou de provocar contágio em grande parte dos países europeus.

Como diz o Nobel Joseph Stiglitz, as reivindicações dos gregos, agora governados pelo Syriza, são muito mais sensatas do ponto de vista econômico que as medidas da troika, que apenas conduziram à destruição da economia e da sociedade grega e ao aumento do seu endividamento.

Se Bruxelas e Berlim se recusarem a negociar a dívida com a Grécia, apenas estarão cavando a sepultura desta União Europeia, tão expedita a salvar bancos de amigos poderosos e tão alérgica a ajudar os povos do velho continente.

O governo de Berlim não é a única força no mundo; de há uns anos para cá verifica-se o recrudescimento das tensões na Europa. E não será de admirar que a Rússia, ou outras potências, possam vir em ajuda de um país da OTAN desavindo com os donos da União Europeia. As recentes quedas do preço do petróleo enfraquecem a economia russa, mas são preços de pouco fôlego. As reservas de combustíveis fósseis não vão aumentar, e a Rússia é poderosa do ponto de vista das suas reservas de gás natural e petróleo.

A incapacidade das medidas da troika de resolverem os verdadeiros problemas da Europa, como o desemprego e o crescimentos das desigualdades, está para durar. E a vitória do Syriza é a primeira derrota significativa dos blocos de interesses ligados ao grande capital financeiro que governaram o continente. É de esperar que mais partidos ditos extremistas ganhem as eleições nos próximos anos. Espanha, França e até o Reino Unido são os próximos problemas com que a governação alemã da UE se vai debater.

Antes da integração europeia, estas tensões foram historicamente dirimidas em guerras mundiais. A vaga islamofóbica é uma tendência nesse sentido. Mas uma coisa é certa: mais que a teoria da vacina, a vitória do Syriza pode provar a teoria do dominó. A viragem começou.

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3 comentários para "Não tentem sufocar a Grécia"

  1. Tarcísio Costa disse:

    Caro Norbert Fenzl, só para você acompanhar melhor a situação da Grécia, no ranking de corrupção no mundo ela se encontra na posição 94. Para melhor compreender, a Alemanha que você cita está na posição 13, os EUA na posição 19 e o Brasil 69. É desta corrupção que estou falando, a que impossibilita que a população consiga empreender, enriquecer, melhorar de vida, aumentar o poder aquisitivo, etc..

  2. Norbert Fenzl disse:

    Discurso da rede globo…..
    Todos os governos são corruptos .. inclusive o governo alemão… ou vc acha que a defesa incondicional e submisso do governo alemão tanto dos interesses dos bancos como dos interesses dos EUA não seja um forma de corrupção? todos os governos governam para acumulação de capital dos ricos …. isto e’ corrupção… povos sofrendo da política de governos a’ serviço dos ricos, bancos e dos sonegadores de impostos..
    e achar que a Russia não tem condições de ajudar a Grécia.. por favor subestimar a potencialidade econômica da Russia e’ ridículo… a Divida da Russia e’ de 11 % do PIB.. comparado a divida dos EUA que e’ de 110% do PIB… e a China ja’ esta’ de olho na Grécia..
    finalmente: as propostas do novo governo da Grécia são de fato sensatas e uma luz no final do túnel para a crise europeia… so’ tem dois caminhos: ou continuar no caminho da destruição da UE, seguindo a imposição do governo alemão… ou tentar recompor a unidade seguindo a linha de raciocínio da Grécia…

  3. Tarcísio Costa disse:

    Parece que o novo governo “comunista” da Grécia não tem muitas opções, ou faz um acerto para prolongar o pagamento da dívida ou dá o calote e sai da UE, algo desejado pela Frente Nacional francesa e pelo Podemos da Espanha. Na verdade, o governo grego é corrupto, burocrático e sem responsabilidade. É inacreditável, por exemplo, que um país com um PIB de menos de 300 bilhões de dólares resolva sediar uma Olimpíada, com gastos de grande vulto, obras superfaturadas, muitas delas sem uso atualmente. O dinheiro fácil da UE com juros baratos só serviu para enriquecer poucos e endividar o país. O burocracia é enorme, não se estimula a livre iniciativa, a ponto de exigirem exame de fezes para abertura de uma empresa. É de rir, para dizer menos. A Grécia não tem jeito, ou cria juízo e passa a agir com responsabilidade, ou vai depender da China, porque a Rússia não tem condições de ajudar.

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