Ler Primeiro:Entre Istana Maimoon e Mesjid Raya

“O nasi goreng de Paul tinha pimenta em excesso… No meio do caminho havia um menino. Um menino”

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“O nasi goreng de Paul tinha pimenta em excesso… No meio do caminho havia um menino. Um menino”

Por André Kondo | Imagem: Nurkholis, Undercover #2

A família do sultão de Deli ainda morava em uma ala do Palácio de Maimoon. O resto da imponente construção se tornou um decadente museu. Em frente, as palmeiras gigantes alardeavam uma suntuosidade botânica, em meio a um vasto jardim displicente. Do outro lado da linha férrea, podiam se avistar os domos negros de Mesjid Raya. E no meio, bem no meio desta linha de trem, podia se ver um menino sentado nos trilhos.

Entre a suntuosidade, ainda que decadente, de uma existência material representada pelo palácio de Maimoon e a frugalidade, ainda que suntuosa, de uma existência espiritual materializada pela mesquita de Raya, estava sentada a realidade de um menino perdido. Nenhum dos lados lhe pertencia, por isso, ele ficava no meio da linha, nem uma coisa nem outra, apenas o nada.

O cheiro de Nasi Goreng foi a única coisa que conseguiu chamar a sua atenção naquele instante. E foi este odor que o salvou. O menino estava ali, esperando pelo trem – sentado nos trilhos. Mas a vontade de comer foi mais forte do que a vontade de morrer.

O tempero de uma vida equilibrada sobre a linha do Equador era suarento e picante. Toda a culinária indonésia é apimentada, e por isso Paul, um jovem australiano, aprendeu a perguntar – “Itu pedas?” – antes de pedir o seu prato. Pergunta que logo se revelou inútil, pois a resposta era sempre afirmativa. Sim, estava apimentado e não havia nada que pudesse ser feito a respeito, pois, assim como a pobreza e a riqueza, tudo está misturado no mesmo caldeirão. Não se pode retirar a porção apimentada da vida. Alguns a suportam, outros não.

O jovem Paul havia visitado o Palácio de Maimoon, pediu um prato de nasi goreng embrulhado em uma folha de bananeira, para viagem, e estava se dirigindo para Mesjid Raya, não para orar, mas apenas para uma profana visita turística.

De onde veio o menino? Não importa, há tantos meninos que a origem ou o destino de apenas um não é importante. Mas o menino estava sozinho. Apenas um menino. Sozinho.

O jovem Paul o salvou. Agora, ele era responsável pela vida do garoto. Sem saber o que fazer, o menino seguiu o seu salvador, como se ele fosse o último fio que o prendia à vida. Um fio.

Como um cão que acompanha um desconhecido depois de ter sido alimentado, o pequeno seguiu Paul. Seguiu-o, totalmente cativado. Paul pediu para que o garoto não o seguisse, chegou a apertar o passo e até a correr, mas o menino o seguia, apaixonadamente, desesperadamente, como um cão que ama o seu dono. Um cão.

Ao chegar diante da mesquita, o menino foi impedido de entrar. O turista entrou sem pudor na mesquita, esperando sinceramente que o garoto não estivesse mais lá quando ele saísse do templo sagrado. Lembrando-se de que o Deus do Islã era o mesmo Deus de todas as igrejas cristãs, ele rezou para que Deus protegesse o menino. Sim, aquilo era responsabilidade divina, não humana. A vida de um menino desconhecido, de um pequeno mendigo era algo a ser tratado pela mão de Deus.

Ao sair da mesquita, o menino ainda estava lá. Assim como um dono que quer se livrar de seu cão, Paul o enxotou com raiva. O menino, assustado, correu para o outro lado da rua. De lá, continuou olhando para o seu dono, o responsável pela sua vida. Impassível, Paul tomou um becak, um velho táxi de três rodas, e partiu por Jalan Katamso. Quando olhou para trás, viu o menino voltando para a linha férrea.

Aliviado, Paul rezou mais uma vez, para que Deus cuidasse do menino. Logo em seguida, ouviu um apito de trem…

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André Kondo é autor de Além do Horizonte e dos premiados: Amor sem Fronteiras, Contos do Sol Nascente, Cem pequenas poesias do dia-a-dia e Palavras de Areia. Pós-graduado pela University of Sydney, viajou por 60 países em busca de inspiração. Vencedor de dezenas de prêmios literários, continua viajando, pelo universo da literatura.

Vale a pena ler primeiro é seção de Outras Palavras dedicada à literatura. Foi criada e é editada por Fabiano Alcântara. Jornalista especializado em cultura, repórter de Música do portal Virgula, e colaborador de diversas publicações – como Valor Econômico e os sites das revistas TRIP e TPM –, Fabiano é também músico, baixista das bandas Mercado de Peixe e Lavoura e curador de festivais.Para ler edições anteriores da coluna, clique aqui.

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2 comentários para "Ler Primeiro:Entre Istana Maimoon e Mesjid Raya"

  1. José Frid disse:

    Belo texto. Belo, real e sincero. Face ás misérias expostas em nossas cidades, seus moradores, para manter a sanidade mental (e moral), entregam aos deuses o futuro dos miseráveis. Senão, como dormir sossegado, sabendo que aquele mendigo encontrado na rua está lá fora, no frio, na chuva, faminto, sedento…

  2. “Quem pilhou, pilhou, quem não pilhou, pilhasse!” De 24 de Dezembro de 1834 até 27 de Maio de 1835, tivemos o Governo Palmela/Linhares, de coligação entre palmelistas e chamorros. Os oposicionistas chamaram-lhe “ uma camarilha feita para devorar o país à sombra de uma criança”. Deram-lhe o nome de “pastelão”: “Um pasteleiro queria Fabricar um pastelão E, porque tinha de tudo, Deram-lhe o nome de fusão.” Em 15 de Julho, dá-se uma mudança radical no Governo com a entrada de Rodrigo da Fonseca, na sequência de uma combinação feita entre Saldanha e Silva Carvalho. O Governo deixa de ser o “ministério dos impossíveis” e passa a ser conhecido como o “ministério dos godos” ou o “ministério do último rei godo”, em alusão ao nome de Rodrigo. Este, que o povo, no seu saber, apelidava de “O Raposa”, sabia de facto da poda, como se vê pelo seu delicioso conceito da chamada “política de empregadagem”: “ Postos todos a comer à mesa depressa passariam de convivas satisfeitos a amigos dedicados”. Ao morrer, deixou o resumo de quase tudo: “Nascer entre brutos, viver entre brutos e morrer entre brutos é triste.” lourenBrv.

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