BR-Trans debate transexualidade, violência e rebeldia

Peça encenada em São Paulo expõe homofobia como chaga nacional, homenageia vítimas e indaga: seriam os trans verdadeiros rebeldes sexuais?

151002_'BR-TRANS'_crédito Juliano Ambrosini

Silvero Pereira no papel de Gisele: completo domínio de palco

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Monólogo encenado em São Paulo expõe homofobia como chaga nacional, homenageia suas vítimas e indaga: seriam os trans verdadeiros rebeldes sexuais, numa sociedade repressora e discriminatória?

Por Wagner Correa de Araujo | Imagem Juliano Ambrosini

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Em São Paulo, no Sesc Pompeia, até 18/10, aos sábados (21h) e  domingos (19h)

Rua Clélia, 93 —  (11) 3871.7700

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Seriam os transexuais, transformistas e travestis estereótipos de homens ou simulacros de mulheres? Ou, por se sentirem estranhos dentro de um corpo erradamente atribuído a eles, não seriam verdadeiros rebeldes sexuais? Em meio a tanto preconceito e repressão social, não estariam, apesar dos pesares, inteiramente livres em sua busca de uma vida alternativa diante da que seria a normal, pelo discriminatório pensar dos seus contemporâneos? Na sua fluidez, como emergentes dos dois gêneros da sexualidade, sua trajetória não assumiria este acentuado diferencial do padrão comportamental quando, pelas circunstâncias de seus destinos, vivem e morrem como outra pessoa?

Através da proposta dramatúrgica de BR-Trans somos conduzidos a essas reflexões quando o monólogo do personagem Gisele se confunde com as marcas conceituais do seu intérprete, o ator Silvero Pereira. Aqui, com um sotaque a la Almodovar, misturado a um clima decadentista dos guetos e dos labirintos da marginalidade, ele, ao mesmo tempo que deixa um grito de revolta parado no ar, presta um tributo documental aos que perderam suas vidas pelo estigma de sua própria opção afetivo/erótica.

Com um completo domínio de palco, é ele mesmo quem manipula os refletores, troca seus figurinos e se maquia frente à plateia, em meio a um décor cênico (Rodrigo Shalako) referencial desse universo transexualizado. É acompanhado, no palco, apenas pelo tecladista Rodrigo Apolinário com precisa trilha incidental que remete ao “bas-fond” das boites gays e de redutos da prostituição.

O firme comando da diretora gaúcha Jezebel De Carli une o sul ao norte cearense de Silvero, traçando uma linha, ponta a ponta, de um Brasil de preconceito e violência. Sem deixar que a previsibilidade e o sotaque melodramático piegas, prevalente em shows de dublagem, vulgarizem uma realidade atroz e polêmica. E até o fato da dualidade do masculino/feminino da performance é delineada de forma extremamente expressiva, na envolvência de um mix de agressividade e docilidade, em equilibrado limite que conquista a receptividade do público. A peça ainda nos traz, de volta, a memória da inspirada canção de Sting (Tomorrow we’ll see), sob o signo da tragicomédia da transexualidade:

“Eu estou andando nas ruas por dinheiro / É o negócio do amor / Vamos lá, não me deixe só, não me deixe triste / Não me julgue / Uma noite eu vou ter minha chance / E vamos ver amanhã…”

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