STF: a decisão que pode mudar territórios indígenas

Tribunal decide, nesta quarta-feira, polêmicas sobre Raposa-Serra do Sol. Eventual julgamento contrário a índios poderia afetar muitos povos No site do CIMI

Davi Yanomami with Yanomami children,  Brazil

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Tribunal decide, nesta quarta-feira, polêmicas sobre Raposa-Serra do Sol. Eventual julgamento contrário a índios poderia afetar muitos povos

No site do CIMI

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, cravou na pauta da Corte da próxima quarta-feira, 23, o julgamento da Petição 3388 referente aos embargos de declaração apresentados à decisão que reconheceu a constitucionalidade da demarcação – em área contínua – da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Roraima, em 2009.

Como forma de questionar a decisão da Corte Suprema, os embargos foram impetrados por ruralistas e fazendeiros, então ocupantes de Raposa e contrários à demarcação, mas também pelas comunidades indígenas de Raposa, Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério Público Federal (MPF), que questionam 19 condicionantes impostas às providências executivas de homologação da terra.

Tais condicionantes foram propostas no voto do ex-ministro do STF, Carlos Alberto Menezes Direito, que faleceu ainda em 2009. Quase quatro anos se passaram sem que elas fossem julgadas e as condicionantes se tornaram parte da retórica ruralista para justificar posições contrárias às novas demarcações, todavia uma pedra amarrada aos pés dos direitos indígenas.

A utilização, porém, das condicionantes extravasou a bancada ruralista no Legislativo e mobilizou o Executivo: o ministro Luiz Inácio Adams, da Advocacia-Geral da União (AGU), usou-as para baixar a Portaria 303. Um dos pontos mais controversos da portaria é a possibilidade de intervenções em terras indígenas sem consulta aos povos que nelas habitem, além de estender as condicionantes para as demais terras indígenas brasileiras.  

Alguns artigos da Portaria 303 são cópias de pontos das condicionantes. Depois de protestos, exaurindo e desidratando os argumentos do ministro, o movimento indígena conseguiu a suspensão da medida. Adams insistia na validade das condicionantes, mesmo sem a votação dos embargos pela corte do STF. O fato é que parte das condicionantes vem servindo de base para projetos de leis, portarias e propostas nocivos aos direitos indígenas. 

“Este momento é especial porque é exatamente o momento onde os direitos indígenas são questionados. O Supremo tem a prerrogativa de analisar se as condicionantes vão de encontro com os direitos conquistados. No contexto histórico, esse julgamento então tem uma importância considerável. Temos convicção de que os ministros do STF fazem tal leitura”, destaca um dos advogados das comunidades indígenas de Raposa Serra do Sol, Adelar Cupsinski.

Condições ao direito?

Das 19 condições à demarcação propostas pelo ex-ministro Menezes Direito, ao menos 90% delas já estão referendadas na Constituição Federal e Decreto 1775/96. Ou seja, são contempladas em seus fins e como parte dos ritos de demarcação de terras indígenas. No entanto, algumas destas condicionantes preocupam os povos indígenas porque criam complementações às leis existentes e, ao mesmo tempo, vão de encontro a elas. 

A exceção ao usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre as terras tradicionais, sem a necessidade de consulta às comunidades, aparece em duas condicionantes. Entre as exceções estão as intervenções militares, exploração de alternativas energéticas, logísticas e equipamentos públicos. O artigo 231 da Constituição – “Dos Índios” – pede uma lei complementar para regulamentar tais exceções. 

No Legislativo existem ao menos três propostas em tramitação (PLP 227/12, PLP 260/91, votado no Senado, e outro ainda sem número do senador Romero Jucá) que visam regulamentar o artigo 231. Em todos os casos as duas condicionantes estão contempladas, ampliando apenas para o setor que o deputado ou senador que fez a proposição responde ao interesse, no caso o agronegócio, mineração e projetos do Executivo no tocante aos grandes empreendimentos. 

Diante destas condicionantes, uma dúvida é ventilada pelos povos indígenas: a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo governo brasileiro em 2004 e com poder de lei nacional, cujo conteúdo garante aos povos o direito a consulta quando intervenções ocorrerem em suas terras, não é desrespeitada diante de tais condições? 

“A convenção trouxe algo muito importante para nós: nada nesse país que nos afete pode ser decidido sem nossa participação. O branco diz que o Estado brasileiro é democrático, cria instrumentos, mas fica só na aparência. Não nos opomos ao crescimento do país, mas isso não pode significar destruição e sofrimento aos povos indígenas”, declara Sônia Bone Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).     

Já em outra condicionante, o ministro determina que o Instituto Chico Mendes de Conservação (ICMbio) passe a se responsabilizar pelo usufruto dos índios em áreas afetadas por unidades de conservação. A Funai prestaria consultoria ao instituto. As comunidades indígenas teriam participação nessa gestão, em caráter apenas opinativo. Porém, se o direito à terra pelos indígenas é originário, ele não vem antes da delimitação das unidades de conservação? A posse permanente e o usufruto exclusivo são constrangidos, conforme os advogados das comunidades indígenas de Raposa.

Nas demais condicionantes que suscitam dúvidas entre os indígenas estão: a admissão e trânsito de não-indígenas nas terras tradicionais conforme orientação da Funai, quando deveria ser dos povos que nelas vivam, além de ficar vedada às comunidades afetadas por empreendimentos a cobrança de indenização pelos impactos gerados no meio ambiente físico e cosmológico. Por fim, outra condicionante é alvo de muitas dúvidas entre as lideranças indígenas: a proibição de ampliação de terras indígenas já demarcadas. 

Os argumentos dos indígenas e alguns juristas, caso de Dalmo Abreu Dallari, dão conta de que quando uma terra tradicionalmente ocupada não é corretamente demarcada, as comunidades ficam alienadas da posse determinada pela Constituição Federal, acarretando prejuízos também para a União, e o usufruto exclusivo das riquezas naturais é ferido, gerando lesão ao patrimônio público.

“Então não se trata de ampliação, mas de reparação de um erro. Muitas terras, inclusive, foram demarcadas em períodos históricos de desmandos estatais, de exceção, deixando de fora da demarcação, de forma proposital para benefício de terceiros, áreas tradicionais vitais à sobrevivência dos povos”, aponta o cacique Marcos Xukuru, membro da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).

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