Aborto: os novos fantasmas dos conservadoress

Só este ano, sete novos projetos legislativos tentam restringir direito, mesmo nos poucos casos em que a lei o reconhece. Propostas miram, entre outros, o aborto por meio de fármacos e teleassitência — que pode ser seguro e já é praticado no SUS

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QUANTOS PASSOS ATRÁS?
Se o México descriminalizou o aborto há duas semanas e a Argentina o legalizou no fim do ano passado, o máximo que o Brasil tem conseguido fazer é evitar uma rápida corrida para trás. Quem nota o descompasso é o site Gênero e Número a partir de levantamento do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfmea). Até agora, em 2021 foram apresentados sete projetos de lei envolvendo o aborto na Câmara dos Deputados – e todos eles buscam impedir ou criar barreiras para a interrupção da gravidez, incluindo nos casos hoje autorizados pela legislação.

O número de projetos de lei sobre o tema diminuiu em relação a 2019 (quando foram 28) e 2020 (14), mas antes havia os que buscavam garantir ou ampliar esse direito. Agora, não mais. O principal nome da Câmara na cruzada contra o aborto é o da deputada Chris Tonieto (PSL/RJ), que este ano apresentou duas propostas. Uma é para a criação do Estatuto do Nascituro – que volta e meia aparece no Congresso – e outra é para proibir a orientação, prescrição ou realização do procedimento via telemedicina.

Para quem não está familiarizado com o assunto, pode parecer estranha a ideia de se realizar aborto “a distância”. Mas isso é possível porque, quando realizado no começo da gestação e bem orientado, o aborto induzido por medicamentos é bastante eficaz e seguro, podendo acontecer em casa. O recurso já era usado em países como os Estados Unidos antes da pandemia e, com a covid-19, se mostrou uma boa forma de garantir a continuidade do acesso. No Brasil, o Ministério Público Federal publicou uma nota em julho deste ano defendendo a prática nos caso de gravidez decorrente de estupro. O primeiro serviço legal de aborto por telemedicina aqui é o Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas) do Hospital das Clínicas de Uberlândia. Só em 2021, conseguiu evitar 90% das internações de aborto legal.

Mas voltando à incansável Chris Tonieto, ela também apresentou um Projeto de Decreto Legislativo com o objetivo de sustar resolução do Conselho Nacional de Saúde que destaca o aborto legal como direito. Sim, era aquela mesma resolução que o ministro da Saúde Marcelo Queiroga decidiu tornar sem efeito por pressão de bolsonaristas nas redes sociais. 

Segundo Joluza Batista, assessora técnica do Cfemea, o endurecimento dos projetos contra o aborto no Congresso tem sido muito visível nas duas últimas legislaturas e, principalmente, desde 2019. Claro que “essa alta movimentação é conectada com o governo Bolsonaro e sua pauta conservadora, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e a agenda internacional.  Existe uma estratégica tática dos fundamentalistas em cima dos PLs, por isso, eles trabalham muito nessa pauta, buscando retrocesso dos direitos das mulheres”, diz ela. E essa a agenda não é apenas nacional, mas também local.

Vale ressaltar que o direito ao aborto no Brasil – ainda muito restrito – é recente. Embora esteja previsto no Código Penal desde 1940, ele só começou a se concretizar realmente em 1989, quando foi criado o primeiro serviço público destinado a isso. Os 25 anos seguintes viram relativo empenho do Estado em efetivar esse direito. Mas depois, houve uma estagnação, e agora um alargamento parece completamente fora do horizonte. 
CIÊNCIA NA REDE
A rede de cientistas no Twitter pode ter sido decisiva para aumentar o interesse pelas máscaras PFF2 (as peças faciais filtrantes que, como já comentamos muitas vezes por aqui, são a proteção mais segura contra a covid-19) no Brasil. Divulgado ontem pela Agência Bori, relatório do projeto Science Pulse apresenta uma pesquisa que monitorou 1,5 mil perfis de instituições e especialistas brasileiros no Twitter entre setembro de 2020 e agosto de 2021. Dois indicativos sustentam a tese: o primeiro é a relação positiva entre as menções feitas pelos cientistas sobre as máscaras PFF2 e as tendências de busca pelo tema registrada pelo Google Trends no mesmo período. 

Além disso, a pesquisa mostrou que a popularização do termo PFF2 (superando a nomenclatura internacional para os mesmos equipamentos, N95) acompanhou a sua utilização pelos perfis de cientistas e instituições monitorados.  Apesar de, como observa o relatório, não ser possível estabelecer uma relação de causa e efeito direta, comprovando o papel do Twitter no impulsionamento de interesse pelas máscaras, a pesquisa indica essas duas evidências e reitera a importância dos esforços de divulgação científica nas redes.
SILÊNCIO E SIGILO QUEBRADO
As expectativas eram grandes, mas o aguardado depoimento de Danilo Trento, diretor de relações institucionais da Precisa Medicamentos, à CPI da Covid, foi majoritariamente marcado pelo silêncio.Trento se recusou a responder a maioria das perguntas dos senadores e não explicou sua atuação na empresa intermediária, investigada por irregularidades nas negociações da vacina indiana Covaxin com o Ministério da Saúde. A comissão aprovou a quebra do sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático do empresário e de seu irmão, Gustavo Trento.

Randolfe Rodrigues (Rede-Ap), vice-presidente da CPI, apresentou registros de transações no mínimo curiosas envolvendo a transferências de cifras vultosas da Primarcial, empresa de Danilo Trento, a joalherias e padarias. A cúpula da comissão suspeita que o empresário atuava lavando dinheiro para a Precisa Medicamentos por meio da sua companhia, que segundo ele seria uma “empresa de participações”. Além de não responder a nenhuma das questões sobre as transações, Trento chegou a dizer que não sabia informar que tipo de participações seriam feitas pela sua própria empresa. Sobre a atuação na Precisa, apenas disse que “representava a empresa de forma institucional”. 

Outra pergunta que paira no ar é a relação entre o empresário e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). A comissão quer saber se Trento estava junto ao filho mais velho do presidente em uma comitiva do Senado que foi a Las Vegas no ano passado, acompanhando a Embratur. O empresário confirmou a ida à cidade estadunidense em 2020, mas não quis responder se estava acompanhado de algum senador e nem informar a data e motivo da viagem. Senadores apresentaram registros indicando que Trento estaria em Las Vegas nos mesmos dias informados pela agenda oficial de Flávio Bolsonaro. Os senadores querem entender se, de fato, a viagem conjunta ocorreu e, caso positivo, com que objetivo. O filho do presidente divulgou nota negando ter se reunido com Danilo Trento em Las Vegas.
BLOQUEADOS
Ainda ontem, a Precisa teve R$ 142 mil bloqueados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, como resultado de ação movida pelo laboratório mineiro Côrtes Villela. É que além de negociar a venda de imunizantes da Bharat Biotech com o Ministério da Saúde, a intermediária fechou contrato também com o setor privado. Os R$ 142 mil correspondem ao valor pago pelo laboratório à Precisa em janeiro deste ano, equivalente a 10% do valor total acordado para a compra de 7,2 mil doses da Covaxin. O contrato, é claro, foi rompido depois que a Anvisa negou o pedido de importação do imunizante e não concedeu o certificado de boas práticas ao laboratório indiano. Mas, diferentemente do que o contrato previa, a Precisa nunca devolveu o dinheiro ao Côrtes Villela… Pois é. Apenas boas referências.
HOMICÍDIO?
O escândalo da Prevent Senior segue tendo desdobramentos. Ontem, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo montou uma força-tarefa para acompanhar o inquérito policial que apura se a utilização de pacientes como cobaias para testes com os medicamentos do “kit covid” nos hospitais da rede se configura como crime de homicídio. O inquérito tramita no Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa. A força-tarefa do Ministério Público vai ainda, segundo a Folha, auxiliar na investigação do dossiê elaborado por funcionários e ex-funcionários da Prevent e entregue à CPI da Covid. O MP, que já tem um inquérito civil para apurar a operadora, pode agora abrir investigação criminal. 
PRECISA SER ACESSÍVEL
A OMS atualizou suas recomendações sobre tratamentos contra a covid-19 para incluir mais uma opção: é a combinação de anticorpos sintéticos desenvolvida pela Regeneron e produzida pela Roche. Ela deve ser oferecida para pacientes com casos não-graves mas alto risco de hospitalização – como idosos e imunossuprimidos.

Mas os grandes entraves ao acesso são o alto custo e a baixa disponibilidade do tratamento. Segundo a OMS, estão em andamento negociações com a Roche para redução do preço e aumento da oferta, especialmente em países e média e baixa renda. E, mais uma vez, pede a transferência de tecnologia para garantir a ampla produção.
DEVE CONTINUAR
Tedros Ghebreyesus tem amplo apoio para um segundo mandato como diretor-geral da OMS. Encabeçados pela Alemanha, cerca de 20 países da União Europeia propuseram sua candidatura ontem, último dia para os Edatdos-membros designarem seus nomes de preferência. Os nomes ainda estão em segredo, mas foram adiantados por fontes diplomáticas. Aparentemente, não há outro na disputa.

É um pouco curioso que o apoio venha da Europa e não da África, onde Tedros é bastante popular. No continente africano, até agora nenhuma nação declarou seu apoio publicamente. A Etiópia, seu país natal, desistiu de patrocinar a candidatura por conta dos posicionamentos públicos do diretor contra o governo na guerrra do Tigray.
O TAMANHO DO DESAFIO
Pela primeira vez desde fevereiro, os Estados Unidos registraram uma média de mais de duas mil mortes diárias nesta semana. Apenas três meses atrás esse número era 217 – quase dez vezes menor. Os novos casos e novas hospitalizações estão em queda, mas variam muito entre os estados. Nos do Sul, onde em geral há menos gente vacinada, vários hospitais estão no limite de sua capacidade. 

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