Star Wars e o recorrente pavor do Outro

Fraco nos sentidos e na estética, novo espisódio ao menos serve como alerta: sobre a tendência das sociedades contemporâneas a rejeitar o que, no fundo, é seu espelho

 

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Por José Geraldo Couto, no blog do IMS

Diante de um fenômeno de mercado e de mídia como Star wars: o despertar da força, a crítica de cinema pode muito pouco. Desde que as sagas e séries passaram a ser chamadas de “franquias”, escancarou-se o seu caráter ostensivamente comercial, de produto descartável.

Mas eis que este novo episódio (exemplar? capítulo?) de Star Wars dá uma curiosa volta sobre si mesmo. Ao narrar a busca pelo desaparecido Luke Skywalker (Mark Hamill), pretende de algum modo resgatar a aura comparativamente “ingênua e romântica” dos primeiros da série, realizados nos anos 1970 e 1980.

Épico frouxo

É evidente a tentativa de conferir uma dimensão mítica aos personagens dos longas originais: Han Solo (Harrison Ford), Princesa Leia (Carrie Fisher) e o próprio Skywalker, além de uma porção de robôs e seres bizarros devidamente antropomorfizados. Não só aos seres, aliás, mas também às máquinas e objetos: determinada nave, determinado sabre de luz etc.

É aqui que, a meu ver, o filme de J. J. Abrams mostra sua frouxidão. Os momentos em que ele poderia e deveria ascender ao estatuto do épico carecem de força e grandeza. Exemplos: a cena em que a agora general Leia diz a uma guerreira novata a célebre frase May the force be with you, ou o instante em que enfim Luke Skywalker faz sua aparição.

Nas mãos de um verdadeiro cineasta (não é preciso recuar até John Ford; basta pensar em Spielberg), tais momentos poderiam ser grandiosos, sublimes, ou no mínimo comoventes. É uma questão de mise-en-scène, isto é, de ritmo, enquadramento, direção de atores. Nada a ver com os milhões e os efeitos especiais. Tal como foram filmadas, no “automático”, sem inspiração, essas cenas dificilmente conseguem tirar o espectador do aturdimento causado pelas batalhas. (Confesso que quando o filme entra no modo videogame, com suas explosões e pirotecnias em cenários incompreensíveis, perco totalmente o interesse.)

Um raro lance de bom cinema que ilumina por contraste a banalidade do resto é aquele em que um stormtrooper (aqueles soldados robóticos, blindados de branco da cabeça aos pés) socorre um companheiro ferido e fica com as marcas de sangue da mão deste em seu capacete. Além da beleza em si da imagem (listras vermelhas sobre o branco reluzente), há ali a criação visual de um personagem, a humanização de alguém saído da massa indistinta e anônima, alguém que desde então sabemos que desempenhará um papel central na ação.

Maniqueísmo radical

Mas voltemos à autorreferência que permeia esta e outras séries recentes do cinema. Curioso pensar na rapidez com que os mitos se reciclam em nosso tempo. Homero compôs a Ilíada, com base em diversas fontes da tradição oral, cinco séculos depois dos acontecimentos reais da Guerra de Troia. Agora bastam algumas décadas para que se construa uma mitologia autocentrada, produzida exclusivamente na fantasia.

Uma fantasia poderosa, sem dúvida, pois nem todo o aparato de publicidade do mundo seria capaz de fazê-la enraizar-se em gerações de fãs se ela não tivesse tocado em algum ponto nevrálgico do imaginário contemporâneo. A questão é saber que ponto é este.

Uma pista é dada, meio de passagem, numa fala do filme. Alguém comenta que “o lado negro da força” está sempre presente, sob uma forma ou outra: o Império, os Sith e agora a Primeira Ordem. O pensamento maniqueísta de que há uma eterna luta entre o Bem e o Mal (assim mesmo, em maiúsculas, representando forças puras e absolutas), de que o inimigo se transmuta em diferentes faces e disfarces, impregna o imaginário ocidental judaico-cristão há milênios, mas ganhou um tremendo alento na ideologia norte-americana de salvação do mundo pelas armas – curiosamente simétrica à ideologia de “guerra santa” do inimigo atual.

Índios, nazistas, comunistas, terroristas árabes: há sempre um “outro” que encarna o mal insidioso e que precisa ser destruído. Mas não de todo, claro. É preciso que seus avatares sempre voltem, para novos combates. Senão, o que seria da indústria de armas – e da indústria do cinema?

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7 comentários para "Star Wars e o recorrente pavor do Outro"

  1. Marcelo disse:

    A grande maioria dos fãs da “franquia” amaram o filme ao passo que também, a maioria absoluta, odiou a trilogia anterior. Talvez exista algum equívoco na sua percepção do filme. A forma como a frase cliché do filme foi expressa ou ainda um enquandramento mais dramatico no rosto de Luke tampouco o fariam deste momentos épicos. O diretor conseguiu resgatar a natureza e essência de Star Wars, mesmo sendo totalmente previsível. Isso é um mérito que não é qualquer um que alcançaria.

  2. Beto laser disse:

    Critica mala, relativista, esquerdista clichê de quem se beneficia de tudo que o ocidente produziu e fica enchendo o saco se achando iconoclasta.

  3. Eu acho desestimulante que um crítico com alguma experiência se disponha ao óbvio estéril de querer se pôr como a visão imune à anestesia da indústria de mercado. Isso é coisa de garoto do Ensino Médio que acabou de conhecer uma obra clássica (A Ilíada, no caso) e passa a se pensar detentor de grandes instrumentos de avaliação estética.
    A mitologia que envolve Star Wars, e isto é manifesto, está relacionada a uma teoria narrativa chamada “jornada do herói”, que se referencia fundamentalmente na figura de Jesus Cristo, e a qual a saga encarna exemplarmente. Junta-se a tanto o caldo de uma parte do imaginário “pop”, condensante de referências de heroísmo, arquétipos e fantasia. Ou seja, uma soap opera como Star Wars é um melodrama pseudo-científico que enquanto tal conseguiu ser produtor e representativo de afetos circundantes ao pop — daí o fetichismo e a nostalgia que permitem esse ciclo autorreferencial.
    Com isso posto, vê-se o algo ridículo que passa alguém que pretenda analisar de uma perspectiva da “alta-estética” uma obra que diz respeito essencialmente a um universo oposto, e que é a suma representação desse universo, de modo que não pode — nem deve — ir além dele. Tanto é que, perguntando-se a qualquer fã da série o que pensa serem os problemas dos episódios I,II,III (os que contam a história de Anakin Skywalker) será muito provavelmente mencionada a noção de uma “politicagem entediante e exacerbada” envolvendo o senado intergaláctico.
    Portanto, é no mínimo afetação ou ressentimento pueril querer destronar Star Wars sequestrando-o de suas terras de domínio. Não se tira nada de realmente crítico disso! Se se quisesse fazer uma análise proveitosa, deveria-se ir um tanto mais à fundo, lá onde ocorre o fluxo afetivo que permite a existência de mitologias modernas dessa ordem imaginativa; nas possibilidades e nas fronteiras estabelecidas pela consumo pop, ao invés de ir pelo caminho fácil e duvidoso de dizer que o filme remete a um suposto dualismo da mentalidade bélica norte-americana.

  4. Finalmente um pouco de razão. O filme é muito ruim. O pathos é menos que zero, o roteiro chato de tão previsível e a direção tão profunda quanto a de um diretor de telenovelas. A história não perdoará os truques baratos e as inconsistências na condução da história.

  5. O filme é composto por 3 episódios. Talvez por isso as pontas soltas a fraqueza dos momentos. Eu destacaria também a Força “forçada” que emerge na Rey e torna ela capaz de vencer um Sith treinado…
    Espero que aos próximos épicos sejam melhor preparados e que o Finn tenha uma relevância maior, deixando de ser somente um bocó apaixonado…

  6. Eduardo Silva disse:

    Sua crítica não é singular. E, como amante de Star Wars até concordo que o roteiro do sétimo filme carece de alguns ajustes, mas colocar o filme num patamar de “desinteressante” é ser no mínimo um cineasta ou crítico fracassado que não consegue distinguir fantasia de conto de fadas.

  7. Luis Felipe disse:

    Bobagem escrita com palavras bonitas… mas opinião é opinião … segue o jogo !

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