Da mudança climática à crise alimentar

Fenômenos meteorológicos extremos multiplicam-se e ampliam riscos de escassez agrícola grave, diz novo estudo. Brasil pode estar entre países vulneráveis

Camponeses fogem de onda de calor na Índia, registrada entre maio e junho de 2015. Ausência anormal de chuvas levou temperaturas a até 48ºC. Além de provocar 2,5 mil mortes diretas, provocou grandes perdas de colheitas e gado. Tais fenômenos podem tornar-se mais frequentes e graves, alerta novo relatório

Camponeses fogem de onda de calor na Índia, registrada entre maio e junho de 2015. Ausência anormal de chuvas levou temperaturas a até 48ºC. Além de provocar 2,5 mil mortes diretas, provocou grandes perdas de colheitas e gado. Tais fenômenos podem tornar-se mais frequentes e graves, alerta relatório

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Por Ryan Rifai, na Al Jazeera | Tradução: Inês Castilho

Uma escassez mundial de alimentos está se tornando três vezes mais provável, em função das mudanças climáticas, afirma o relatório da Força-Tarefa sobre Eventos Climáticos Extremos e Resiliência do Sistema Alimentar Global. O grupo, que reuniu cientistas dos EUA e Reino Unido, alertou, na semana passada, que a comunidade internacional deve estar pronta para responder a uma futura elevação potencialmente dramática dos preços agrícolas.

As probabilidades de ocorrerem falta de alimentos, volatilidade do mercado ou picos de preços serão excepcionalmente altas até 2040, diz o documento. Como se prevê um amento da população mundial (de 7,3 bilhões hoje para 9 bilhões em 2050), a produção de alimentos precisa crescer mais de 60%. Nesse cenário, as quebras no mercado provocadas pelo clima poderiam levar a perturbações sociais, continua o relatório.

“O clima está mudando e recordes meteorológicos estão sendo quebrados o tempo todo”, disse David King, representante especial para as Alterações Climáticas do ministro das Relações Exteriores do Reino Unido. “Os riscos de um evento grave estão crescendo — e ele pode ter escala e alcance sem precedentes.”

A globalização e as novas tecnologias tornaram o sistema alimentar global mais eficiente, mas ele tornou-se também menos resiliente a riscos, disse King. Alguns dos principais riscos incluem um rápido aumento de preço do petróleo, que elavaria o custo dos alimentos; uma redução da capacidade de exportação do Brasil, dos EUA ou da região do Mar Negro, devido a deficiências na infra-estrutura; e a possível desvalorização do dólar, elevando os preços das commodities.

A produção alimentar mundial provavelmente será mais impactada, até 2040, por eventos climáticos extremos nas Américas do Norte e do Sul e na Ásia, que produzem a maior parte dos alimentos mais consumidos no mundo – milho, soja, trigo e arroz, revela o relatório. Esses choques na produção ou aumentos de preço provavelmente impactarão duramente algumas das nações mais pobres, como os países que dependem de importação alimentar na África sub-Sahariana.

‘Violência ou conflito’

“Em contextos políticos frágeis, onde é grande a insegurança alimentar das famílias, pode haver tensões sociais, violência ou conflito “, prossegue o texto. “A região do Oriente Médio e Norte da África merece preocupação especial, dada a exposição à volatilidade dos preços internacionais e risco de instabilidade, sua vulnerabilidade à quebra da importação e o potencial para interromper as exportações de energia.” Para aliviar o impacto de choques cada vez mais prováveis, o relatório encoraja os países a não impor restrições à exportação em caso de condições meteorológicas extremas, como a Rússia fez em seguida à má colheita em 2010.

Os pesquisadores dizem que a própria agricultura precisa mudar em resposta ao aquecimento global, à medida em que a demanda internacional já cresce mais rapidamente que as colheitas agrícolas e as mudanças globais irão pressionar ainda mais a produção. “É necessário aumentar a produtividade, sustentabilidade e resiliência às mudanças climáticas”, diz o relatório. Isso exigirá um investimento significativo dos setores público e privado, assim como novas colaborações entre múltiplos setores.”

A Al Jazeera falou com a ativista alimentar Tiffany Finck-Haynes sobre a alarmante morte das abelhas, que está colocando em risco os os ecossistemas ligados à produção de alimentos.

Como um polinizador essencial, as abelhas são responsáveis por ajudar a produzir cerca de um terço dos alimentos do mundo, de acordo com as Nações Unidas.

A agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que, das 100 espécies de lavouras que abastecem 90% dos alimentos em todo o mundo, 71% são polinizados por abelhas. Mas um fenômeno global ocorrido na última década, conhecido como Desordem do Colapso das Colônias (CCD, na sigla em inglês), viu um número alarmante de colônias de abelhas desapareceram, criando uma séria preocupação sobre o futuro da sustentabilidade no mundo.

À medida em que a comunidade científica debate as causas principais do colapso, um número crescente de movimentos aponta para pesticidas tóxicos usados nas lavouras convencionais.

Tiffany Finck-Haynes, uma ativista da Friends of the Earth, uma rede de organizações ambientais global com base nos EUA, falou sobre os efeitos e causas do CCD.

Qual a importância das abelhas na produção de alimentos e produtos ligados a necessidades básicas?

As abelhas são essenciais para dois terços das culturas alimentares que os humanos comem diariamente. Uma em cada três garfadas que comemos é é de alimentos produzidos graças à contribuição de insetos polinizadores.

Quão grave é a redução no números de abelhas?

Elas estão morrendo em taxas alarmantes, em todo o mundo. Nos EUA, os apicultores perderam uma média de 30% de suas colmeias nos últimos anos, sendo que alguns tiveram perda de todas as suas colmeias e muitos deixaram o setor. No ano passado, os apicultores perderam quase metade de sua produção – a segunda maior perda registrada até o momento. Isso é alto demais para ser sustentável.

Como esse declínio está afetando o ecossistema e a produção de alimentos?

As enormes perdas recentes estão tornando difícil para os apicultores manter-se no negócio e já prejudicam os cultivadores de alimentos como amêndoas e frutas. Sem abelhas para polinizar as culturas e plantas que dão flores, todo o sistema alimentar – e nosso próprio frágil ecossistema – está em risco.

Quais as principais causas do declínio?

Pragas, doenças, perda de forragem e de habitat e as mudanças climáticas foram identificados como possíveis fatores que contribuem para as insustentáveis perdas de abelhas. Um grupo cada vez maior de cientistas responsabiliza os pesticidas neonicotinoides – um dos tipos mais utilizados no mundo, fabricado pela Bayer e Syngenta – como um fator-chave.

Os neonicotinoides podem ou eliminar as abelhas, ou torná-las mais vulneráveis a pragas, agentes patogênicos e outros fatores de estresse, ao mesmo tempo em que prejudicam sua capacidade de se alimentar, reprodução e memória. Os neonicotinoides são amplamente utilizados nos EUA em 140 culturas e para uso cosmético na jardinagem. Podem permanecer no solo, na água e no ambiente durante meses ou anos.

Os transgêncios são um fator importante na crise?

A maioria das sementes convencionais de milho, soja, trigo e canola – muitas delas transgênicas  – são pré-tratadas com neonicotinoides. Basta uma semente tratada com neonicotinoide para matar um pássaro.

Em que regiões do mundo estão crescendo movimentos para proteger abelhas?

Têm surgido movimentos para protegê-las em várias regiões do mundo, inclusive América do Norte e do Sul, Europa, Ásia, África e Austrália.

Como os governos estão respondendo a esses movimentos?

Diante das evidências cada vez maiores e das demandas dos consumidores, um número crescente de empresas e agências governamentais decidiu ser parte da solução da crise das abelhas e está tomando medidas para eliminar os pesticidas prejudiciais a elas.

Por exemplo, no Reino Unido, os maiores varejistas de jardinagem pararam voluntariamente de vender neonicotinoides. Com base nas recomendações do Órgão Europeu para a Segurança dos Alimentos, a União Europeia (UE) votou a favor de uma suspensão, em todo o continente, de vários neonicotinoides. A medida entrou em vigor em 1º de dezembro de 2013.

Nos EUA, no ano passado, mais de vinte grandes produtores de mudas vegetais, empresas de paisagismo e varejistas tomaram medidas para eliminar os pesticidas que prejudicam abelhas de suas plantas de jardim e de suas lojas. O Serviço de Peixes e Vida Selvagem dos EUA anunciou em 2014 que irá bnir o uso de neonicotinoides em todos as áreas nacionais que são refúgio da vida selvagem até 2016.

Em junho de 2014, o presidente Barack Obama criou uma Força Tarefa para a Saúde da Polinização para desenvolver uma estratégia nacional. Em abril, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (ETA, na sigla em inglês) anunciou que era improvável que aprovasse usos novos ou ampliados de neonicotinoides, enquanto avalia os riscos que estas substâncias representam para os polinizadores.

A agroecologia pode ajudar a salvar as abelhas?

Precisamos reimaginar o modo como produzimos alimentos e incentivar práticas agrícolas locais, sustentáveis e justas. Para a Universidade de Oxford, a agricultura orgânica preserva as espécies polinizadoras 50% mais que a agricultura convencional intensiva em produtos químicos.

 

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2 comentários para "Da mudança climática à crise alimentar"

  1. ROBERTO BUENO disse:

    ESSÊNCIAVERDE SUSTENTÁVEL PARLAMENTARISMO VERDE JÁ ROBERTO BUENO ABRAÇOS VERDES. MEIO-AMBIENTE. AME-O. OU DEICHE-O.

  2. Dida Dias disse:

    “Têm surgido movimentos para protegê-las [abelhas] em várias regiões do mundo, inclusive América do Norte e do Sul, Europa, Ásia, África e Austrália”. Sobraram os polos, hehe.

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