Um encontro por Outra Política

O ano eleitoral já começou, mas muitos veem a democracia como mais que um voto em urna. Vão encontrar-se em Belo Horizonte, em dezembro – e fazer planos

O ano eleitoral já começou, mas muitos veem a democracia como mais que um voto em urna.  Vão encontrar-se em Belo Horizonte, entre 8 e 10 de dezembro – e fazer planos
Por Antonio Martins | Imagem: Remigio Valdés de Hoyos, O Grito (1997)

MAIS:
O encontro #OcupaPolítica ocorrerá em Belo Horizonte, entre 8 e 10/12
A participação é aberta. As inscrições podem ser feitas aqui
#OcupaPolítica depende de financiamento autônomo. Você pode participar e contribuir

Em poucos meses, logo após a virada do ano, o Brasil estará outra vez mergulhado em disputa eleitoral intensa. Há dois sinais contraditórios neste fato, ambos pouco analisados. Por um lado, o golpe fracassou, está se derretendo. Além de Temer, são rechaçadas as suas políticas. A população percebe que o governo está sequestrado por uma quadrilha – por ministros e auxiliares que acham normal alguém ser pilhado com uma mala cheia de dinheiro; e por um presidente sem vergonha de eliminar direitos sociais comprando o voto dos deputados e senadores. Pensou-se, por algum tempo, que os golpistas pudessem manter-se no poder, como em 1964. Era engano. Inclusive porque hoje, ao contrário de então, eles não têm nenhum projeto de país. Movem-se pela rapinagem.
Mas não há muito que comemorar – porque uma lógica de ferro parece se impor. Em 2018, mantidas as condições atuais, quem dará as cartas serão os partidos instituídos. O sistema não valida os esforços autônomos para pensar o Brasil, o mundo e seu futuro – ou seja, para fazer política. Para o sistema, política se reduz a disputa eleitoral. A inteligência da multidão – este fenômeno extraordinário que emergiu no século 21 – deve resignar-se digitar um voto em urna e calar-se em seguida, por quatro anos.
Seria tolo dizer que os candidatos à presidência são todos iguais. Alguns apoiaram o golpe e estão se empenhando em manter a agenda de horrores. Alguns, ainda piores, fazem o macho com o povo brasileiro, mas piam bem fininho diante da bandeira americana. Em contrapartida, há candidatos que lutaram e lutam por um país mais justo; que foram e são perseguidos por isso.
171122-Grito
Mas todos eles – os cínicos e os bondosos; os generosos e os psicopatas ou quase; e mesmo os “isentos”, que ficam em cima do muro – são igualmente prisioneiros de um sistema político obsoleto, cada vez mais incapaz de representar a sociedade. É este sistema que será questionado, entre 8 e 10 de setembro, no encontro #OcupaPolítica, em Belo Horizonte.
BH, como tantas cidades brasileiras, foi cena de manifestações gigantes, em 2013. Mas lá ocorreu algo singular, possivelmente único. Quando terminou a fase mais intensa, os movimentos que haviam ocupado as ruas por reformas estruturais foram capazes de se manter articulados. E, um ano depois, ousaram disputar as eleições com propostas inéditas. Formou-se um bloco – o Muitas – que desafiou as velhas regras da lógica eleitoral. Um candidato, ou candidata, não disputava com outro/a. Sugeria, até, que se votasse neste.
O resultado foi notável. O movimento elegeu duas vereadoras. Áurea Calorina tornou-se uma campeã histórica de votos na cidade – assumindo explicitamente a condição de negra, feminista e rapper. Quem disse que só os ultraconservadores e fundamentalistas têm votos no Brasil? Cida Falabella, atriz e diretora de teatro, elegeu-se também. Ambas, pelo PSOL.
Eleitas, Áurea e Cida fizeram questão de criar antídotos, inovações que não lhes permitissem ser cooptadas pela dinâmica institucional. Têm um gabinete único – a “Gabinetona”. Ali, urdiu-se uma dinâmica que as leva (às vereadoras e também aos coletivos dos mandatos) a se ligar cada vez mais às lutas da multidão. Não se trata de basismo. Assim como está presente nas periferias, a Gabinetona promove, com frequência, debates políticos refinados, em que se debatem temas como a crise da democracia e como enfrentá-la – tanto teoricamente quanto no quotidiano dos mandatos.
Agora, às vésperas de 2018, os mandatos de Áurea e Cida estão lançando o #OcupaPolítica. Convocado também por movimentos como o próprio Muitas e a Bancada Ativista, que se formaram em vinte Estados, e dezenas de cidades brasileiras, tem dois objetivos centrais. Promover o encontro e a troca de experiências entre mandatos, coletivos e pensadores que buscam reinventar a democracia. E, mais ambicioso: sondar a possibilidade de desenhar uma estratégia comum para 2018.
A pauta é vasta e a convocação é ampla. Parece haver duas certezas apenas. Primeira: a indignação e o desencanto com a velha política são legítimos. Nada será possível fazer sem dialogar com estes sentimentos. Segunda: é preciso articular, com esta percepção, um horizonte de superação do capitalismo. Do contrário, a ideia de uma “nova” política poderá se reduzir a um mote de marketing. A crítica ao declínio da democracia é, no momento, uma atitude ambivalente. Ela gera o Podemos, na Espanha, e a Frente Ampla, no Chile, – mas também Trump, nos Estados Unidos, Marine Le Pen, na França, e Bolsonaro no Brasil. Todo o esforço de invenção política precisa ser concentrado, agora, em dar sentido a este desconforto.
Os grupos que convocam o #OcupaPolítica sabem, por outro lado, que a resposta não é apenas intelectual, no sentido eurocêntrico da palavra. Precisa surgir de um diálogo com os indígenas, os quilombolas, os coletivos LGBT – e, muito especialmente, as periferias, senzalas pós-modernas de um Brasil arcaico. Há, no encontro de BH, esforço para dar voz a todos estes atores.
Outras Palavras comparecerá, e convida seus leitores a estar presentes também. Vamos dialogar, em especial, sobre os Referendos Revogatórios. Pensamos que submeter ao julgamento popular as principais medidas do governo Temer é indispensável para anular o golpe na prática. Pode provocar, em 2018, um debate programático, além da mera escolha de candidatos. Pode promover mobilização social ao mesmo tempo rebelde e instituinte; potente para varrer a herança maldita do golpe; generosa para convocar a cidadania a dar a volta por cima, servindo-se de um mecanismo de democracia direta.
O evento de Belo Horizonte não tem apoio de partidos, nem de empresas. È financiado de forma autônoma. Ou seja, precisa da sua contribuição. São apenas R$ 20 mil, para tornar viável um encontro que pode ajudar mudar o cenário político do país. É um fórum coletivo que custa menos de um décimo dos vencimentos e privilégios de um único deputado federal, num mês. Para eles, que legislam contra os direitos, há verbas infinitas. Quem deseja outra política depende de sua própria mobilização.
Se você acredita que é preciso reinventar a democracia e que ela deve ser muito mais que um voto em urna, seja parte da construção deste projeto. Contribua com o #OcupaPolítica. Se possível, vá a Belo Horizonte entre 8 e 10 de dezembro. 2018 pode começar agora, com estes gestos muito simples.

Leia Também: