Oito hipóteses sobre a nova crise

Janot está ameaçado, mas é a ponta do iceberg. Novas gravações abalam a casta política – e por isso, paradoxalmente, estimulam um “acordão”. Esquerda aceitará?

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Rodrigo Janot está ameaçado, mas é a ponta do iceberg. As novas gravações abalam a casta política – e por isso, paradoxalmente, estimulam um “acordão”. A esquerda aceitará?

Por Antonio Martins | Imagem: Aroeira, Chocando Janot

1. Ocorrida ao que tudo indica devido a um acidente bizarro, a revelação da conversa mantida em 17 de março por Joesley Baptista, dono da JBS, e Ricardo Saud – diretor da empresa, seu braço direito e confidente – tem potencial para provocar um novo tsunami político. Ela atinge em primeiro lugar o procurador-geral da República, Rodrigo Janot; e beneficia dois de seus grandes desafetos, Michel Temer e Gilmar Mendes. Mas esta é apenas a ponta de um gigantesco iceberg. Joesley e a JBS são paradigmas da corrupção da política, do sequestro da democracia pelos grandes grupos empresariais. Sua capacidade de financiar partidos e mandatos, e de obter em troca decisões que dobram a República a seus interesses, só é comparável à da Odebrecht. O dono do grupo confessou ter pago cerca de 600 milhões de reais em propina, para 1829 candidatos de 28 partidos. Mas a gravação indica que a JBS também cultivou relações capazes de “explodir o Executivo e o Judiciário”. Chega a insinuar detalhes picantes, que levaram a ministra Carmen Lúcia, presidente do STF, a falar em “conteúdo gravíssimo”, em ameaça “à dignidade institucional deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes”.

2. No fim da tarde de ontem (5/9), Rodrigo Janot tentou uma manobra diversionista, que revela acima de tudo seu desespero por criar fatos (ou factóides) que o tirem do foco. Ele denunciou Lula, Dilma e outros dirigentes petistas por “comandarem uma organização criminosa” que teria agido “entre 2002 e 2016”. Genérica ao extremo e inesperada, a “denúncia” parece ter sido produzida às pressas. Teve efeito superficial. Gerou manchetes nos noticiários da noite, mas hoje já está relegada a espaço secundário nos maiores portais. O procurador-geral tem razões para se preocupar. As gravações e Joesley e Saud comprometem, em primeiro lugar, o ex-procurador Marcelo Miller, membro da equipe da Lava Jato na PGR e principal assessor de Janot entre 2014 e 2016. No ano passado, Miller deixou a Procuradoria para assumiu de imediato posto no escritório de advocacia Trench, Rossi & Watanabe, contratado pela JBS por seu intermédio. Os áudios indicam claramente que Miller já atuava em favor do megagrupo enquanto procurador; que construiu, para a JBS, um acordo de delação premiada ultra-favorecido; e – ainda mais grave – que o próprio Janot estava informado da articulação da trama.

3. O comprometimento de Janot é um alívio momentâneo tanto para Temer quanto para todos os acusados na delação premiada de Joesley: Aécio, Dilma, Lula, Mantega, Serra, além dos 1829 outros candidatos financiados pela JBS. Nâo haverá como manter o acordo com o delator. As provas obtidas a partir de suas falas continuam válidas – mas são poucas, até agora. Em duas semanas, Janot já não estará na procuradoria. O enorme desgaste que sofrerá em função dos áudios, e o fato de ter criado inimizade com um vastíssimo leque de poderosos, auguram-lhe um futuro sombrio. A esta altura, preocupa-se certamente em articular sua própria defesa, em manejar como escudo o enorme acervo de informações comprometedoras que acumulou.

4. Porém, o respiro de alívio de todos os implicados na delação premiada é de fôlego curtíssimo. Constatada a nulidade da delação de Joesley, a providência imediata e quase automática será sua prisão – por dezenas de crimes: confessos, gravíssimos e apenas imunizados, até agora, pelo acordo que perderá valor. Preso, Joesley será o grande homem-bomba da República. E os fatos fartamente comprometedores narrados por ele não deixarão de ter existido, assim como não se apagam as imagens captadas por uma fotografia, apenas pelo fato de ter sido feita sem a devida autorização judicial…

5. Vale aqui uma picardia. Por que todos os jornais, TVs e sites omitem, hoje, as menções claríssimas, nas gravações, às surubas de que teriam participado membros dos altos poderes do Estado? Não se trata de alimentar fuxicos, mas de ir atrás de um fio inesperado da meada. O áudio explosivo que apareceu ontem foi gravado em 17/3 – algumas semanas antes, portanto, de Joesley tramar com Janot a gravação que comprometeu Temer. E já neste áudio anterior, o dono da JBS diz ter informações capazes de “explodir o Executivo e o Judiciário”. Que fatos serão estes? A velha mídia os omite agora apenas… por pudor? Ou porque o Judiciário precisa, para cumprir seu papel de classe, revestir-se de eterno moralismo?

6. Paradoxalmente, a brecha para um “acordão” em que toda a casta política se salva está mais aberta do que nunca. Pela primeira vez, a velha mídia voltou hoje a mencionar, a doutrina dos “frutos da árvore envenenada”. Segundo esta, tudo o que se obtém judicialmente (os frutos), a partir de uma ação abusiva do Estado (a árvore), deve ser anulado – porque o dano causado à sociedade pelo abuso é maior do que o prejuízo provocado pelos criminosos. Quando o alvo eram apenas os governos de esquerda, foram anos de punitivismo, de violação de sigilo telefônico e de correspondência, de prisões e coerções que violavam direitos constitucionais, de humilhação e danos à imagem de “suspeitos”, de delações forçadas e combinadas, de atuação irresponsável da mídia. Agora, a maré pode mudar. Que se vayan todos, diziam os argentinos na virada do século, quando a corrupção da casta política e sua submissão à ditadura financeira provocaram uma crise de profundidade inédita. Que nos protejamos todos – pode ser o slogan alternativo da casta política brasileira.

7. A esquerda institucional resistiria a um acordão assim? Max Weber dizia, no início do século passado, que os social-democratas alemães – o partido inspirado por Karl Marx – haviam mergulhado no aparelho de Estado a ponto de se deixarem capturar para sempre. A burguesia, tranquilizava Weber, não precisava temer os social-democratas: muito antes de que controlassem o Estado, seriam domesticados por ele. No Brasil de hoje, a esquerda institucional parece aliviada pela provável queda de Janot. Mas de que lhe servirá alinhar-se à elite, num país em que a pobreza explode nas ruas, em que mais de 50 milhões de reais são encontrados no apartamento de um membro proeminente da casta e em que a velha mídia transforma cada crime num sinal de que precisamos, na verdade, de mais autoridade, mais pulso forte?

8. Os exemplos históricos abundam. Em condições comparáveis, nacional e internacionalmente, o resultado de um sistema de forças e tensões semelhantes foi o fascismo. Bolsonaro cresce. Haverá forças para buscar, na sociedade, uma alternativa?

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3 comentários para "Oito hipóteses sobre a nova crise"

  1. Marcio Ramos disse:

    Alguem tem que dizer para o povo que nada disso irá mudar de forma pacifica porque te roubam até o voto.

  2. V, Nicolau disse:

    O combate à corrupção como arma para destruir as forças de esquerda saiu de controle e ameaça toda a casta política, corrupta e podre desde sempre. Resta então inviabilizar todas as delações e fechar um acordão que evite a eleição de alguém como Bolsonaro que, provavelmente, nunca colocou as mãos em dinheiro sujo. O povo não é bobo, um acordão agora para salvar todos colocará Bolsonaro no Palácio do Planalto no primeiro turno de 2018. Além de Bolsonaro, o povo elegerá um Congresso mais conservador ainda e pautado na moral religiosa, o que será como um pá de cal nos avanços sociais conquistados depois da redemocratização.

  3. Rita Lamar disse:

    Bolsonaro não é nenhum expoente daquilo que prega: ele é um tolo, não compreende o alcance do que diz, e não tem escrúpulos, não tem caráter… Ele é o exemplo claro do tipo de políticos que o Brasil tem e a razão principal de estarmos na situação que estamos. Eu entendo por que isso aconteceu com o Brasil: isso vem de tempos atrás, e eu mesma não me tornei política pois tive vergonha de me alinhar aos tipos que eram os políticos de então. Há muitas pessoas inteligentes, dígnas, competentes no Brasil que poderiam tomar a dianteira e mudar o rumo que está sendo tomado; mas, como antes aconteceu comigo, acredito que muitos nem siquer pensam em entrar para a política pelo mesmo motivo que eu não entrei.

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