O Rio de Janeiro continua lindo

Ao reunir centenas de famílias, Ocupação Zumbi dos Palmares expõe efeitos desastrosos de “modernização” que concentra riquezas e expulsa trabalhadores, mas apontará atualidade da revolta social

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Por Guilherme Boulos, da coordenação nacional do MTST

As incontáveis belezas do Rio de Janeiro já renderam à capital fluminense o apelido de Cidade Maravilhosa. O samba, os morros, as praias, a ginga e o charme fizeram do Rio objeto de atração no mundo todo.

Mas numa sociedade em que o lucro está acima de todo o resto, a beleza pode ser algo perigoso. Guardar belezas naturais e históricas significa para uma cidade tornar-se alvo de investimentos selvagens e remodelações urbanas.

Não bastasse a Copa, que produziu exclusão territorial e especulação imobiliária em 12 cidades brasileiras, o Rio ainda terá as Olimpíadas de 2016.

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O preço é alto. O Rio de Janeiro tem registrado o maior índice de valorização imobiliária entre todas as cidades incluídas nas estatísticas da Fipe/Zap. Nos últimos seis anos, a valorização média do metro quadrado atingiu 262%. Os aluguéis também dispararam, subindo 143% no mesmo período.

Isso produz um quadro social desastroso para os mais pobres. Impossibilitados de pagar aluguel, milhares de trabalhadores são expulsos para periferias mais distantes. Outros — tratados como pedras no meio do caminho — são violentamente despejados. Agravam-se com isso os problemas de infraestrutura, acesso a serviços públicos e mobilidade urbana. E criam-se novos sem-teto.

Os números mostram. O déficit habitacional na região metropolitana do Rio de Janeiro aumentou mais de 10% apenas entre 2011 e 2012, último dado disponível, chegando a 331 mil famílias. Este aumento, segundo a Fundação João Pinheiro, foi impulsionado pelo crescimento dos aluguéis.

Evidentemente que não foi a Copa nem as Olimpíadas que criaram a especulação imobiliária. Mas não há dúvidas de que a potencializaram bastante. Geraram condições favoráveis para uma série de intervenções urbanas que têm efeitos de gentrificação. O Porto Maravilha é uma delas.

A Prefeitura do Rio entregou para três empreiteiras, através de uma Parceria Público-Privada (PPP), uma área de 5 milhões de m² para “revitalizarem” a região portuária. Serão erguidos complexos hoteleiros e empresariais. A revitalização certamente não foi feita para os mais de 30 mil moradores da região. Muitos não conseguirão manter-se por lá.

Deste mesmo pacote fazem parte as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), implantadas seletivamente para valorizar bairros e construir um corredor de segurança aos megaprojetos. Aliás, as UPPs funcionaram como vetor de especulação imobiliária nas próprias favelas. Onde já se viu, elitização da favela! Pois é, na zona sul do Rio há moradores sendo expulsos das favelas por não poderem mais arcar com o aluguel. Símbolo deste processo é a favela do Vidigal, onde já adquiriram casas gente como David Beckham e uma produtora de Hollywood.

 

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Para aqueles que defendiam as UPPs a partir do viés da segurança para os moradores, o nome Amarildo — pedreiro assassinado na UPP da Rocinha — parece ser uma resposta suficiente. Ou então, o dançarino DG, assassinado pela UPP do Pavão-Pavãozinho. Ou ainda outros tantos Amarildos anônimos que sofrem diariamente a violência policial nas favelas cariocas “pacificadas”.

Aliás, para os coxinhas que têm pedido intervenção militar no Brasil, seria mais recomendável do que suas ridículas manifestações, irem viver no Complexo da Maré, que está sob ocupação militar do Exército desde 5 de abril, com inúmeras denúncias de abusos e violência contra seus 130 mil moradores. Lá a ditadura militar já voltou.

Pois é, a Cidade Maravilhosa tornou-se um barril de pólvora. A elitização de certas regiões, combinada com a expulsão higienista dos mais pobres, produz um cenário desolador. Mas, como não poderia deixar de ser, gera também resistência popular.

O aumento dos aluguéis e a falta de moradia têm fomentado ocupações em várias capitais brasileiras, como São Paulo, Belo Horizonte ou Porto Alegre. No Rio tivemos neste ano uma ocupação com milhares de famílias no Engenho Novo, conhecida como Favela da Telerj.

Na semana passada, nasceu mais uma, em São Gonçalo, batizada de Zumbi dos Palmares. A ocupação, organizada pelo MTST, começou com 200 famílias. Em cinco dias, triplicou. E ainda continua a chegar mais gente. O nome disso é barril de pólvora. A ferida está aberta.

Vale mencionar que São Gonçalo, cidade com 1 milhão de habitantes na região metropolitana, tem recebido muitos expulsos pela especulação no Rio. E de quebra ainda sofre os efeitos especulativos de outro megaprojeto, o Comperj, sediado na vizinha Itaboraí.

Há 44 mil pessoas cadastradas no Minha Casa Minha Vida no município. E até agora foram construídas apenas 720 moradias pelo programa.

O que esperar deste povo sofrido? Que aguarde eternamente nas filas habitacionais? Que continue sendo expulso para os rincões mais afastados? Que assista passivamente a negação de seu direito à cidade?

Mesmo aqueles que declaram seu amor incondicional pelo direito à propriedade, se lhes resta algum bom senso, têm de reconhecer as legítimas razões da resistência deste povo. É questão de sobrevivência, meus caros.

Afinal, Cidade Maravilhosa para quem?

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