Jogo bruto em torno do pré-sal

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Às vésperas da divulgação da proposta do governo para as reservas de petróleo, mídia faz lobby em favor das transnacionais — e sugere ao país modelo anacrônico desde o século passado

petróleo

Ao anunciar, em meados de julho, que a União apresentará em breve um modelo para a exploração das novas reservas de petróleo e uso de seus recursos, o presidente Lula desencadeou uma nova corrida especulativa.  O centro é a mídia. A cada dia, cresce, nos jornais, o número de matérias que tratam do tema. Não são, contudo, textos informativos ou destinados a abrir o debate entre a opinião pública. Joga-se nos bastidores. Sugere-se, nas entrelinhas, que o desenho para o qual parece pender o governo, até o momento, é “estatizante”. Defende-se, em contrapartida, uma proposta que, segundo revela estudo em profundidade publicado no Le Monde Diplomatique, está se tornando rapidamente ultrapassado. Veja, a seguir, os fatos relevantes:

> Em 13 de julho, reuniu-se em Brasília uma comissão interministerial encarregada de formular as regras que o governo defenderá, no debate sobre a exploração do Pré-Sal. Um dia depois, num discurso em Maceió, Lula sinalizou de forma clara que defende a utilização dos recursos do petróleo em favor de políticas de educação e desenvolvimento social, num esquema que valorize, ao mesmo tempo, a Petrobrás. “Somos donos do petróleo, temos uma empresa de alto conhecimento tecnológico, que é a Petrobras, então temos a faca e o queijo. E como estamos com fome, vamos comer” (…) “Teve gente que chegou a falar: ‘precisamos nos desfazer do último paquiderme brasileiro, que é a Petrobras. Esse paquiderme agora é nosso, e vamos cuidar do paquiderme com um carinho extraordinário”.

> Ao que tudo indica, a proposta — dois projetos de lei, um sobre as regras para extração de petróleo, outro sobre o fundo que manejará os recursos obtidos — será apresentada em reunião ministerial em 17 ou 18 de agosto, e em seguida debatida no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (o Cedes, ou “Conselhão”)

> Em 8 de agosto, a Folha de S.Paulo noticiou uma reunião “de emergência”, em que seis transnacionais petroleiras que atuam no país [Exxon (EUA), Chevron (EUA), Shell (Reino Unido/Holanda), Repsol (Espanha), BG (Reino Unido), Devon (EUA)], mais a Vale do Rio Doce (também interessada nos campos), debateram, dois dias antes, as bases da proposta do governo;

> Da reunião, não surgiu uma proposta alternativa. Mas Folha, Globo e Estado seguem todos a mesma linha, em suas matérias (leia nosso clip sobre o tema). O projeto que o governo se prepara para lançar estaria despertando “preocupações” por ser, segundo fontes anônimas citadas pelos jornais “expressão do pensamento estatista”, “desestímulo ao investimento”, ou “versão petista do monopólio”.

> Haveria, segundo a mídia, divisão no interior do próprio governo. “Assessores de Lula” não nomeados temeriam que o projeto seja visto como o “monopólio 2.0”.

> Como as novas regras precisam passar pelo Congresso, um aspecto decisivo pode ser a partilha dos royalties do petróleo entre os Estados adjacentes às reservas. A Constituição de 1988 prevê o pagamento de direitos sobre o petróleo apenas a estas partes da Federação.  Inúmeras reportagens e textos acadêmicos tem apontado as injustiças e distorções de tal privilégio. As reservas do Pré-Sal estão a centenas de quilômetros da costa, e localizadas nas regiões mais ricas do país. Subitamente, porém, ganham espaço nos jornais as ações de parlamentares em defesa dos “direitos” de seus Estados. O secretário das Finanças do Rio de Janeiro, Joaquim Levy (ex-secretário de Política Econômica do ministro Antonio Palocci) é um dos que mais estimula este tipo de ação.

> Embora não o declarem, as matérias dos jornais dão a entender que o modelo mais adequado seria: a) a União renunciar ao uso da receita do petróleo para fins sociais e ou de redistribuição de riquezas; b) entregar a exploração das jazidas a qualquer tipo de empresa, desconsiderando o caráter nacional da Petrobrás.

> Os jornais escondem a desatualidade histórica de tal modelo. Ele é o que prevalecia há vinte anos, no auge do “pensamento único” neoliberal. Como mostra um texto de Jean-Pierre Séréni, publicado em março de 2007 na edição brasileira do Le Monde Diplomatique (e disponível na Biblioteca do jornal), o cenário passou, desde então, por uma completa reviravolta. Hoje, as reservas petroleiras são em geral dominadas por empresas estatais. As antigas “seis irmãs”, que controlavam a maior parte das jazidas do planeta, estão reduzidas a 9%. Se cedesse a elas e suas reuniões secretas, o Brasil estaria adotando um modelo que, além de predatório, tornou-se anacrônico.

> O controle público sobre as reservas é essencial para gerir um aspecto que, embora  pouco debatido, é decisivo. Trata-se do ritmo de extração do petróleo. Ao contrário do que se pensa, não há vantagem alguma em captar recursos internacionais a qualquer custo para apressar a exploração do Pré-Sal. O petróleo tende a se tornar cada vez mais mais caro e raro. Também por isso, os EUA  tem adiado a prospecção de suas reservas marítimas. Sobre o tema, há, também no Diplô, excelente texto do consultor brasileiro André Ghirardi.

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