Governo Temer: o plano oculto

Editada quase em sigilo, MP-727 privatiza tudo e trata interesses dos compradores como “prioridade nacional”, capaz de atropelar direitos sociais e ambiente

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Publicada quase em sigilo, a MP-727 privatiza tudo — inclusive Petrobras, BB e serviços públicos — e converte interesses dos compradores em “prioridade nacional”, capaz de atropelar direitos sociais e ambiente

Enquanto olhávamos atônitos e reagíamos à primeira ação de desmonte do Estado Democrático de Direito materializada pela Medida Provisória (MP) 726, deixamos passar despercebida uma segunda MP, a 727, publicada no mesmo 12/5 em edição extra do Diário Oficial da União, criando o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI.

Se a MP 726, da reforma ministerial, concretizou a intenção dos articuladores do golpe de extirpar da estrutura de governo representações e interesses de minorias (e só secundariamente cortar despesas), a MP 727, por sua vez, materializa o que há de mais estratégico e ideológico no projeto político-econômico que está por trás do golpe.

É ela que “garantirá”, caso o golpe chegue ao final, o sonho de consumo dos neoliberais outrora acanhados e agora completamente excitados com a retomada do Estado que lhes interessa, que é aquele que abre caminhos para seus lucros, rebaixa seus custos sociais e trabalhistas, ignora condicionantes ambientais e sociais, e confere a ordem para que seu progresso se faça.

É esta a essência da MP 727:

1) Retoma-se o processo de desestatização da economia conduzido por Fernando Henrique Cardoso, entregando para a iniciativa privada as empresas estatais que interessarem ao capital privado.

Está clara, no texto da MP 727, a recepção integral da Lei  N° 9.494 de 1997, que instituiu o Programa Nacional de Desestatização. A Lei de 1997, que garantiu a privatização criminosa da Companhia Vale do Rio Doce, Eletropaulo e Telebrás, por exemplo, assumiu como propósito principal “reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público”. Depois de ficar por 13 anos sem uso, durante os governos do PT, ela foi reencarnada no novo corpo: o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

Significa, na prática, que poderão ser objeto de desestatização todas as empresas, inclusive instituições financeiras – controladas direta ou indiretamente pela União e as estaduais –, serviços públicos objetos de concessão, permissão ou autorização. Ou seja, deverão ser privatizadas prioritariamente aquelas já cobiçadas pelos investidores, nacionais e internacionais: Petrobrás, Caixa Econômica, Eletrobrás…

Para que este projeto neoliberal ressuscitado das trevas seja viabilizado, a MP estabelece que as medidas de desestatização a ser implementadas serão autoritariamente definidas por Decreto e passarão a desfrutar a condição de “prioridade nacional”, tratada como tal por todos os agentes públicos de execução ou de controle. Em outras palavras, se bradamos outrora, e com razão, contra a elevação de algumas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) à condição de empreendimentos de interesse nacional (acima do interesse público) seremos agora, massacrados, por um novo e mais potente status jurídico, a prioridade nacional.

A execução dos projetos de desestatização ficará a cargo de uma nova institucionalidade comandada pela “inteligência golpista”: o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, um órgão de assessoramento imediato ao Chefe do Poder Executivo que passa a incorporar as atribuições do Conselho Nacional de Desestatização criado pela mesma Lei N° 9.491, de 1997, que esteve à frente das privatizações de FHC.

O Conselho – composto pelos ministros da Casa Civil, Fazenda, Planejamento, Portos e Aviação Civil, Meio Ambiente e BNDES – será presidido por Moreira Franco, conhecido por apelidos como “camaleão” e “anjo mau”. Sua fama vinculada a licitações viciadas é tão notória quanto seus apelidos. No governo do Rio enfrentou acusações repetidas de desvios e concorrências fraudulentas.

2) Transforma-se a infraestrutura, em todos os níveis federativos, na nova fronteira de acumulação e lucratividade para investidores nacionais e estrangeiros.

Não se pode dizer que esta parte do projeto golpista seja realmente nova. A identificação da infraestrutura como gargalo e ao mesmo tempo oportunidade de lucro é bem antiga no Brasil, e uma realidade governo após governo. A novidade nesse caso é a disposição muito mais firme de colocar esta fronteira, inclusive nos planos estadual e municipal, acima de tudo e todos e sob comando central.

Isto significa na prática, garantir o terceiro ponto da MP.

3) Eliminam-se os obstáculos (sociais, ambientais, culturais, trabalhistas) que possam postergar ou afetar a rentabilidade esperada pelos investidores privados.

As estratégias estão umbilicalmente amarradas na MP. Sob o comando central da “inteligência do golpe”, todos os órgãos – em todos os níveis federativos – terão o “dever de atuar, em conjunto e com eficiência, para que sejam concluídos, de forma uniforme, econômica e em prazo compatível com o caráter prioritário nacional do empreendimento, todos os processos e atos administrativos necessários à sua estruturação, liberação e execução”.

O conceito de liberação é claro na MP: “a obtenção de quaisquer licenças, autorizações, registros, permissões, direitos de uso ou exploração, regimes especiais, e títulos equivalentes, de natureza regulatória, ambiental, indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária, e quaisquer outras, necessárias à implantação e à operação do empreendimento.

Trocando em miúdos, Ibama, ICMBio, Funai, Fundação Cultura Palmares, IPHAN que hoje participam do licenciamento trifásico (Licença Prévia, Licença de Instalação, Licença de Operação) e atuam com seus muitos limites e debilidades para evitar que empreendimentos passem por cima das leis de proteção do meio ambiente, de indígenas e outros povos e comunidades tradicionais, serão convocados pelo “poder central” para cumprir com seu dever de emitir as licenças necessárias aos empreendimentos que o Conselho definir como prioritários.

É importante lembrar que, no Legislativo, o movimento de flexibilização da legislação ambiental e em específico do licenciamento está em estágio avançado de tramitação. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65/2012 acaba de vez com o licenciamento. O Projeto de Lei (PL) 3729 acaba com grande parte do sistema de licenciamento ambiental. O Projeto de Lei do Senando (PLS) 654/2015, de autoria do Senador e agora ministro do Planejamento Romero Jucá, define um prazo curtíssimo para o licenciamento de grandes obras consideradas estratégicas pelo governo, como grandes hidrelétricas e estradas e também prevê que em caso de descumprimento dos prazos as licenças estarão automaticamente aprovadas.

Se convertida em lei, a MP 727 tornará dispensável a própria a aprovação do Projeto de Jucá. Mais um golpe dentro do golpe!

4) Constrói-se, no interior do BNDES, um braço privado. Terá por finalidade estruturar os projetos do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), para que possam, depois, serem financiados pela parte do banco que ainda convém que seja público, posto que lhe oferece crédito subsidiado.

Contrariando a ideia de que o BNDES seria mais um banco no alvo da privatização, o núcleo duro do golpe lhe reservou um renovado e estratégico papel: garantir as condições financeiras e técnicas para a estruturação dos projetos de infraestrutura a ser assumidos pela iniciativa privada. O BNDES passa a ter agora a atribuição de criar e gerir o Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias (público-privadas), que possui natureza privada e patrimônio próprio. Suas duas principais fontes de recursos serão: a) os recursos aplicados por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público e privado, inclusive de organismos internacionais que, obviamente, se interessam na construção dos projetos de parcerias; b) os recursos recebidos pela alienação de bens e direitos (privatizações?).

Os projetos robustecidos e validados pela capacidade técnica e financeira conferidas pelo braço privado do BNDES estão, assim, prontos para serem licitados. A MP não deixou escapar, ainda, a clara orientação para que todo esse processo seja feito sem transparência nenhuma já que prevê que o estatuto do Fundo “deverá prever medidas que assegurem a segurança da informação”.

Em síntese, no caso do BNDES, todo o esforço de transparência e o ainda tímido compromisso de construção de uma “Política Socioambiental” caíram por terra.

Esse é o projeto político ideológico que já se anunciava na Agenda Brasil, na Ponte para o Futuro, e que agora se consolida com o golpe como a Ponte para o Passado: sem licenciamento, sem política socioambiental, sem travas e amarras, sem estado democrático de direito, sem voto popular e sem vergonha.

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17 comentários para "Governo Temer: o plano oculto"

  1. peterson andrade disse:

    Leite…para não azedar, tem que pasteurizar…27 anos de militância, e não aprendeu nada…..

  2. Arthur disse:

    A mais recente edição da revista Sociologia traz um artigo em que fica demonstrada a falácia do argumento de que as empresas privadas são melhores que as públicas. Trazendo co0mo exemplo o desastre de Mariana que matou várias pessoas e o Rio Doce, fica patente que o único compromisso de tais empresas, muitas das quais transnacionais é com os lucros elevados, e a qualquer preço e nada mais.

  3. Nossa, quantos ex-petistas arrependidos… desiludidos… e tão “críticos”. Não dá para levar a sério gente que diz “eu acreditei neste partido…” Ora, tenham dó, “acreditar” só em Cristo, e com muito senso crítico nos seus Santos também. Fora isso, é assinar atestado de burrice “acreditar” em agremiações políticas. Mas faltou dizerem agora em qual partido irão “acreditar” estes ex-petistas arrependidos. Pois parece que continuam “acreditando” nestas coisas. Fazer política sem senso crítico, dá nisso: fanatismo inicial e tolo, depois desilusão final e tola também. Espero que estes ex-petistas arrependidos não façam como fez a Marta Suplicy, que saiu desiludida criticando o PT e entrou no PMDB. Dá para levar a sério este tipo de gente? Fazer política não é militar num partido e menos ainda militar por um partido, e sim militar por valores, projetos e causas concretas e bem determinadas. Inclusive militar pelo aperfeiçoamento do partido que eventualmente apoiamos ou do qual fazemos parte. Sem ilusões ou “crenças” ingênuas e infantis. Isto é fazer política, o resto é fanatismo tonto.

  4. Arthur disse:

    O sr. Leite diz que acordou. Pode até ter acordado, mas, agora caiu em um sonho muito pior que é o protagonizado pela canalha golpista que quer liquidar o país. Por mais que possa ter críticas em relação ao PT e a seus governos, nada justifica apoiar setores que representam comprovadamente o pior e mais atrasado da política nacional . Já militei no PT por vários anos, deixei o partido e me desfiliei há outros tantos anos por discordar de muitas coisas, mas nada justifica defender um projeto criminoso como o que está sendo perpetrado.

  5. Leite disse:

    “Chega de dar a interesses privados os bens públicos!”. Sei. Vamos usurpar-los para nossa causa, nosso partido. Querida Maria Luiza, não sei se viu meu post anterior. Auxiliei a fundação em 80 deste Partido (talvez nem nascida fosse). Por 27 últimos anos militei com esta sanha sua. Vislumbrei, não muito pasmo, a hipocrisia e canalhice desta ideologia e seus sofismas. Espero que acorde. Achas que se preocupam com pobres e ou menos favorecidos? Que os sindicalistas estão preocupados com os trabalhadores ou suas condições de trabalho? Que MST ou MTST estão preocupados e miltando pelos sem terra e sem teto? Tivesse um inbox aqui e te passaria alguns dados de alguns desses representantes. Te daria náuseas. Não é culpa sua. Fui também usado assim. Mas, …por sorte…acordei.

  6. Maria Luiza disse:

    Lindo o vídeo e linda a reação da nossa presidente! Se alguém seguiu “cartilha”, deve ter buscado fontes equivocadas. Lamento porque usou uma terminologia que ninguém que tem visão crítica utiliza. Ninguém de esquerda tem “cartilhas”, tem sim capacidade de anãlise. Venezuela é Venezuela, Brasil é Brasil são realidades sócio econômicas diferentes e jamais alguém de esquerda quis um modelo único para todos os países. A privatização sem restrições, sem licenças ambientais é roubada. Já vivemos privatizações que piratearam os interesses públicos. Chega de dar a interesses privados os bens públicos!

  7. Leite disse:

    Lindo, o vídeo. Notou o sotaque dos artistas (e aqui não se dá ênfase à divisão de classes tão necessária à implantação do ideal social-comunista, a saber: sempre haverá de existir, ou inventar uma categoria credora de injustiças sociais históricas (ou o negro, ou o índio, ou o proletário e etc), que necessitam ter este débito quitado – para racionalizar o nós contra eles-, mola mestra para o PT e seus asseclas (Partido que estava no poder),
    disfarçar a sua incompetência e a sua incapacidade de viver o presente falando em nome de um futuro que jamais chegará. Os fatos estão à sua vista. A terra arrasada. A Venezuela como exemplo. Acorda jovem. Em 1980, após retorno de Lula com Walesa ( se é que saibas quem seja), auxiliei a fundação do PT e militei nestas hostes por 27 anos. Sei do que falo. Você deve ser jovem, geração formada no Google ou manipulada por meus ex companheiros. Vais acordar uma hora e verás mal grado, a falácia que te enfiaram goela abaixo. Pratiquei muito está cartilha. Mas, antes tarde do que nunca

  8. Leite disse:

    Só pela citação”Senhor Mujica”, desconsiderei seu comentário. Vê -se aí todo o sofisma utópico social-comunista que em todas as nações por que passou (TODAS), só deixou miséria e sangue. Aqui, por enquanto só a miséria.

  9. Paulo disse:

    Que vergonha de ler isso. Se você tem saudade das privatizações criminosas a preço de banana, do país sem reservas internacionais e engessado pela falta de estímulo à economia pelo Estado, de presidente salvando e beneficiando vários bancos com dinheiro do povo e o ônus do corte violento em todos os setores que sustentam uma nação – educação, saúde, segurança, habitação, pequeno empresariado, etc – então pode procurar um país mais atrasado pra ir viver sob a égide do capitalismo elitista sem vergonha e entreguista em vez de ficar repetindo esse discurso equivocado de que o PT é o único e maior vilão que já se viu. O senhor Mujica bem disse que aqueles que não passam fome, têm um lar confortável e um bom emprego SEMPRE acham que os outros têm direitos demais, que o Estado está fornecendo recursos demais. Pois bem, devo então lembrá-lo que não vivemos num país justo e que as funções do Estado não podem ser entregues à iniciativa privada, pois a História demonstra bem a desqualificação que disto resulta. Tenho certeza de que se você exercitar sua capacidade de observação e empatia poderá ver que há sim algo a temer. Ou então você está categoricamente defendendo um sujeito investigado pela PF e que se beneficiou dos lucros da Petrobrás, que, apesar da ação parasita de TODOS os maiores partidos em toda a sua história, é uma empresa que cresceu, vale muito hoje e é estratégica para o país.

  10. C.Pimenta disse:

    Acho que já não é tão oculto assim, na afobação de destruir tudo o de bom que Lula e Dilma construíram. A propósito vejam esse vídeo:
    Brasil 2036. Onde vc estava 20 anos antes?
    https://youtu.be/wcV3_R6ir54

  11. Fabiano disse:

    Até que enfim, deveriam privatizar tudo. Governo não gera renda. Administra tudo que é recolhido. Ter empresas estatais gera roubalheira. Só tenho dúvidas se vão conseguir.

  12. Wilson disse:

    Vai fazer o ENEM…

  13. Rogers Maxuell disse:

    sem dúvidas…..amigo. Esses petralhas não têm moral pra nada….nada….rs privatizar tudo…. “concentre-se naquilo que você é bom e delegue todo o resto” Steve Jobs.

  14. marcio ramos disse:

    Temeroso este golpe. O povo assistindo a Globo que está bombando na padaria, no boteco, no consultório, etc. Internet pra quê? Pra postar fotinho no face, fofoca no zap zap.

  15. fillipe disse:

    Ola Alessandra, caso leia este post poderia entrar em contato para uma entrevista sobre o tema privatizações para o programa AVoz do Aracatu. http://Www.AAVA.org.br
    Todos os sábados na prf8 AM 1540. Botucatu SP.
    Obrigado.
    Fillipe

  16. Leite disse:

    Depois de 13 anos de incompetência na gestão do patrimônio nacional (exceto boa gestão dos recursos em benefício próprio), ao deixar a nação como terra arrasada, que desejaria o PT Comunista? Qual a melhor opção: Privatizar (estado mínimo) ou levar a bancarrota as empresas por roubo como fez o PT? Até uma criança responde a essa. O PT destruiu a nação em todos os sentidos. Não tem nenhuma moral para divergir de privatizações em curso futuro. E olhe que trabalho em estatal. Porém, conheço a sanha PTista há 27 anos. Nada a Temer com Temer.

  17. FERNANDO PINA disse:

    A PERVERSA DESTRUIÇÃO DE UMA NAÇÃO
    Em poucos meses o barco-nação estará à deriva e à mercê dos ataques ferozes do bucaneiros do Flying Dutch. O projeto neoliberal implementado na era FHC entra em sua fase definitiva, letal pata os interesses democráticos. Após a “doação do patrimonio” não restará nada do que o estado nacional possa lançar mãos para movimentar a roda da economia, novamente controlada pela ELITE TUPINIQUIM, testa de ferro do capital imperialista..
    UM DESASTRE ANUNCIADO.

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