Assim dissolve-se a democracia brasileira

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Guilherme Boulos escreve: elites e mídia blindam Eduardo Cunha, porque para elas impor agenda conservadora é mais importante que preservar ambiente democrático

Por Guilherme Boulos

O declínio da democracia brasileira teve uma noite promissora. Trucidando o regimento, cortando microfones e deixando de lado os ritos mais elementares do Parlamento, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reverteu em menos de 24 horas a votação sobre a redução da maioridade penal.

Não foi a primeira vez. No fim de maio, havia aplicado a mesma manobra para reverter a derrota da PEC (Proposta de Emenda Constitucional), que enxerta o financiamento empresarial de campanha na Constituição. Isso em meio ao escândalo das “doações” das empreiteiras na Lava Jato. Não houve grande alarde. Por que então não tentar de novo?

Dessa vez seria até mais fácil. A construção midiática de que a violência deve ser combatida com maior endurecimento penal cimentou uma ampla opinião social em favor da redução. Tipos como Datena e Marcelo Resende fizeram sua parte.

Mesmo considerando que a reincidência no sistema prisional é três vezes maior que nas instituições para adolescentes. Mesmo sabendo que o Brasil está abaixo da média mundial no que se refere a crimes praticados por menores.

Ao contrário, o Brasil é um dos países em que se mata mais jovens. O Mapa da Violência, divulgado esta semana, mostrou que o número de homicídios contra jovens de 16 e 17 anos ultrapassou dez por dia. Mas, nada disso importa. Era preciso reduzir a maioridade penal. Assim como era preciso aprovar o financiamento das campanhas por empresas. Assim como será preciso rever o modelo de partilha do pré-sal. Vox Cunha, Vox Dei.

Se perderem as votações, vota-se de novo. Simples assim, até ganhar. Ele é o dono da bola e faz questão de deixar isso claro. Conduz as sessões com seu sorriso cínico, deixa a votação correr até assegurar a maioria, telefona da cadeira de presidente para os deputados faltantes, convocando-os. Sem nenhum pudor impõe suas regras ao processo democrático.

Aprovará o que quiser naquela Casa. Sua meta de longo prazo é o parlamentarismo. Daremos um doce aos que acertarem quem ele imagina como primeiro-ministro. Um belo atalho ao poder máximo da República para alguém que não o conseguiria pelo voto popular.

Cunha é bom de bastidores, de lidar com deputados sedentos por pequenas vantagens. Mas uma eleição presidencial é menos recomendada para quem tem telhado de vidro. Talvez alguém resolva falar do escândalo da Telerj, ou da corrupção na Cehab (companhia de habitação do Rio), do flat luxuoso pago por um doleiro, ou ainda dos negócios escandalosos de Furnas. Talvez alguém se recorde que ele é hoje um dos principais investigados na Lava Jato.

Por enquanto, ele conta com o silêncio complacente da mídia. Nenhuma palavra sobre seu passado e seus procedimentos abusivos. Em relação a Lava Jato é como se seu nome não estivesse lá. Afinal, está prestando bons serviços aos conservadores de plantão. E segue como um trator, desmoralizando a democracia brasileira.

Aos que aplaudem, não custa lembrar o poema de Bertolt Brecht: “Primeiro levaram os negros / Mas não me importei com isso / Eu não era negro / Em seguida levaram alguns operários / Mas não me importei com isso / Eu também não era operário / Depois prenderam os miseráveis / Mas não me importei com isso / Porque eu não sou miserável / Depois agarraram uns desempregados / Mas como tenho meu emprego / Também não me importei / Agora estão me levando / Mas já é tarde / Como eu não me importei com ninguém / Ninguém se importa comigo.”

Eduardo Cunha avança numa marcha avassaladora. Viola regras democráticas e repete votações a seu gosto. A complacência de hoje poderá ter um preço alto no futuro. Precisa ser barrado, antes que seja tarde para o Brasil.

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7 comentários para "Assim dissolve-se a democracia brasileira"

  1. carlocarlus disse:

    Tudo faria sentido se vivêssemos numa verdadeira democracia. O que Cunha está fazendo é usar as mesmas armas do governo nada democrático.

  2. gustavo_horta disse:

    Truculência acobertada pela (in)Justiça à Brasileira, pela Corregedoria, pela OAB, pelos tribunais, pela PGU e, sobretudo, pela mídia cretina, canalha e covarde.
    Violência parlamentar.
    Constituição que se foda.
    País e sociedade que se danem.
    Brecht já ensinou em seu INTERTEXTO que:
    “Primeiro levaram os negros
    Mas não me importei com isso
    Eu não era negro
    Em seguida levaram alguns operários
    Mas não me importei com isso
    Eu também não era operário
    Depois prenderam os miseráveis
    Mas não me importei com isso
    Porque eu não sou miserável
    Depois agarraram uns desempregados
    Mas como tenho meu emprego
    Também não me importei
    Agora estão me levando
    Mas já é tarde.
    Como eu não me importei com ninguém
    Ninguém se importa comigo.”

  3. gustavo_horta disse:

    O “melhor que o dinheiro pode comprar” trata de justificar a grana que nele investiram.
    Congresso BBB – Bala, Boi, Bíblia >> este é o congresso que foi eleito de acordo com os inúmeros malabarismos que o corrompido sistema eleitoral para as eleições proporcionais estabelece como legais. E, claro, o são, ainda que corrompidas e pouco éticas, imorais. Mas legais.
    Quando a sociedade quiser reverter a situação poderá ser tarde demais.
    >> http://limpinhoecheiroso.com/2015/07/07/guilherme-boulos-assim-dissolve-se-a-democracia-brasileira

  4. …realmente, é deplorável a atitude do presidente da câmara como também temos de lamentar o posicionamento dos deputados que compõem o congresso nacional. Estamos representados por uma corja aviltante e interesseira, lamentavelmente. Todavia, havemos de concordar que é urgente reduzirmos a maioridade penal, fazermos uma reforma política. Depois disso, podemos fazer a reforma tributária, educacional e agrária.

  5. Ruy Mauricio de Lima e Silva Neto disse:

    É absolutamente urgente deter este psicopata.Vamos lá, Forças Vivas da Nação, como se expressaram os “Democratas” de 64.Vale tudo – passeata, abaixo-assinado, matéria-paga nos jornais, tempo de televisão, panfletos, folhetos, pasquins. O que decididamente não pode acontecer é as instituições serem derrocadas por meia-dúzia de psicopatas elitistas quando já pagamos, num passado recente, duas décadas de ditadura, perseguições e terror policial.Acorda, Brasil. Desliga a porra da Globo!

  6. Alex Ribeiro disse:

    Muito boa reflexão Guilherme, acontece que para a democracia funcionar a primeira coisa a fazer seria rever as regras no setor de telecomunicação, afinal de contas como é possível que uma emissora como a Rede Globo possa ter tanto poder e ocupar o papel de partido de oposição ao governo, editando imagens e selecionando denúncias que tem por objetivo apenas difamar o governo. E quando nos deparamos com uma situação como essa do presidente da Câmara atropelar a democracia para aprovar projetos de interesse dos conservadores, não ouvimos nada disso na panfletária Rede Globo. Vale lembrar que a redução penal vai ajudar muito quem tem problemas na justiça por pedofilia, afinal a maioridade é para meninos e meninas…

  7. Flavio Marcio disse:

    (Compartilhado)
    DOIS DUDUS, UMA SÓ SANHA
    O primeiro Dudu, anos atrás, tentou tomar o ponto do tráfico na Rocinha. Em 24 horas, deixou um rastro de doze mortos, chacina comandada por um celerado, que liquidou inclusive gente inocente.
    O outro Dudu, capo maior da Câmara dos Deputados, um ser com olhar, trejeitos, discursos, atos e pauta que combinam harmonicamente com o seu sadismo. Em 24 horas, reverte voto vencido através de manobras regimentais e cooptação, com fins cinicamente justiceiros a justificarem seus meios espúrios.
    Irmãos siameses, cultivam a mesma alma sociopata, e constituem o retrato do mal em si.

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