Cultura do estupro e a máfia fraterna dos homens

De como não só o delegado, mas também os “homens de bem”, cândidos privilegiados, sustentam o sorriso de escárnio dos estupradores

160530-Estupro

.

Por Maurício Ayer

A República do Escárnio, como bem definiu o [Vladimir] Safatle ao tratar dos sitiadores do governo federal, está toda no sorriso de pop star do estuprador e divulgador do vídeo expondo a menina agredida ao sair de seu depoimento na delegacia.

A polícia diz ter dúvidas se foi estupro e não achou que a divulgação do vídeo de uma menina de 16 anos com a genitália sangrando dê ensejo a um flagrante. Não entendo de direito criminal, não sei quais são todos os crimes implicados neste ato, mas a polícia obviamente sabe. E deu plena sustentação ao sorriso escarnecedor deste indivíduo.

Mas é outra sustentação ao sorriso do estuprador que nós homens precisamos enfrentar. Ele só sorri e acena para as câmeras porque chegará em sua casa, em sua comunidade, em sua rua, e rirá junto com outros muitos homens. Imagino o que é viver numa comunidade dessas, onde os estupradores são tratados não apenas como pessoas normais, mas até como pop stars, gente que de repente ficou famosa porque  ousou ~ ir além do ~ ordinário ~, que seria estuprar, e ~ lacrou nas redes ~ mostrando e falando a escrotidão mais inacreditável. Que cara foda!

E o que o conceito de ~ cultura do estupro ~ mostra é que essa comunidade sitiada pelo crime é esta aqui, a minha comunidade. Eu vivo nessa comunidade que pratica cotidianamente o crime. Se alguém se sente à vontade de ser violento, verbal, física ou simbolicamente, ao meu lado é porque sou seu aliado, seu sorridente cúmplice. É porque fui eu mesmo violentado em minha humanidade, que preciso recuperar não só para os atos extremos mas para toda e qualquer violência. Se as pequenas violências não fossem toleradas e estimuladas, as grandes não seriam possíveis.

O único caminho que nos resta é o de agir ativamente pela destruição desse estado violento, do qual muitos de nós se aproveitam e do qual podemos ser cândidos beneficiários – das vantagens, dos melhores pagamentos, de ter mais voz nos espaços, de não ser o objeto direto e imediato da violência física.

Não se trata de ter vergonha de ser homem. É ter vergonha na cara. É ter o orgulho de ser homem que enfrenta o seu desafio histórico: o de desmantelar essa organização criminosa, essa máfia – fraterna – em que fomos metidos e que age em nós, por nós.

Leia Também:

3 comentários para "Cultura do estupro e a máfia fraterna dos homens"

  1. gustavomorgun disse:

    Nunca vi, nas rodas de amigos, conversas de beira de praia, entre colegas de curso ou na época de escola e faculdade, qualquer homem idolatrar um delinquente estuprador, muito pelo contrário, isto sempre foi uma conduta abominável até por homicidas e latrocidas.
    Máfia fraterna? Isso é patético. Estão querendo desmoralizar o movimento contra os abusos praticados por ALGUNS HOMENS. Daqui a pouco vai virar piada de verdade. Lamentável.

  2. C.Pimenta disse:

    O atual Executivo golpista recebeu, com pompa e circunstância, um apologista do estupro, o desprezível alexandre frota; o Legislativo tem entre seus principais golpistas o notório e também ignóbil paulo maluf autor da inesquecível afirmativa “estupra mas não mata”; e o Judiciário tem um asqueroso defensor de estupradores no seu comando (sim, pois quem manda de fato no stf é ele e não seu presidente). Portanto os estupradores estão se sentindo liberados e estimulados a praticar o estupro à vontade. Os três Poderes garantem a impunidade deles.
    http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2014/09/05/gilmar-mendes-deu-a-adbelmassih-a-liberdade-que-as-vitimas-nao-tiveram.htm

  3. Mariana disse:

    Acho que os homens têm um desejo de que volte atrás.. que as pessoas não denunciem estupros. Que seja aceitável como muito tempo foi. Mas houve um levante feminino que está cada vez mais forte. E não é um levante de agressão aos homens, é de proteção aos valores humanos. Os mesmos que conduzem às maiores felicidades genuínas.
    Pode ter certeza: esse menino sorridente não acredita na sua própria animalidade. Acha que fez algo condizente com a sua condição de macho. Mas ele não sabe que está perdendo o seu próprio valor como ser humano.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *