Retrocesso econômico: o ministro que se deve ouvir

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Dos vários passos atrás ensaiados pelo governo Dilma Roussef, em relação a seu antecessor, o mais expressivo é a política econômica. Aqui, não há apenas perspectivas futuras – mas setores sociais lucrando ou sofrendo perdas imediatas. Em nome da austeridade fiscal, o Palácio do Planalto rejeitou um aumento real do salário mínimo e está realizando cortes importantes no Orçamento federal.

A mesma postura não prevaleceu, porém, em relação aos juros pagos pelo Estado. Eles subiram 0,5 pontos percentuais em 19 de janeiro (para 11,25% ao ano) e há quem fale que voltarão a ser elevados esta semana, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reunir. Como a dívida pública total está em torno de R$ 1,6 trilhão, cada ponto percentual a mais, na taxa de juros, custa aos cofres públicos cerca de R$ 16 bilhões – cerca de dez vezes o orçamento total do ministério da Cultura para 2011…

Por isso, vale a pena ler a entrevista com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, publicada na Folha de S.Paulo, este domingo (e reproduzida ao final deste post). Honesto, Mantega não usa o argumento de praxe para justificar a elevação dos juros. Não se trata, diz ele, de arma para combater a inflação (em torno de 6% ao ano). Para contê-la, explicou o ministro, o governo tem instrumentos muito mais eficazes. Pode, por exemplo, aumentar a retenção obrigatória dos depósitos bancários (o “compulsório”), o que reduz imediatamente o crédito disponível para o público e, com isso, o consumo.

A explicação de Mantega para o aumento dos juros são as dificuldades estruturais da economia, resultado de ao menos duas décadas (1987-2006) de semi-estagnação e investimentos muito baixos. O ministro referiu-se, em especial, aos gargalos na infra-estrutura e à falta de mão-de-obra (especialmente a qualificada). “7,5% de crescimento [do PIB] em 2010 foi um excepcional, que sucedeu taxa zero no ano anterior. O Brasil ainda não tem condições de avançar nesse ritmo”, disse ele.

O diagnóstico está provavelmente correto, mas leva a outra pergunta (que a entrevista não fez). De que maneira a nova política econômica insinuada por Dilma poderia ajudar a resolver estes problemas? Tudo indica que de modo algum. Ao elevar os juros, o governo atrai capitais externos especulativos, valoriza artificialmente o real, torna a produção nacional menos competitiva, inibe os investimentos que seriam necessários para recuperar as décadas perdidas. Ao cortar o Orçamento, postergam-se providências necessárias para sanar gargalos em múltiplos terrenos – das obras em transportes públicos à Educação, Saúde, Cultura, Ciência e Tecnologia.

Os fatos parecem indicar que a lógica por trás do retrocesso econômico é outra. O governo julga possível recompor-se com setores da elite que se opuseram ferozmente à candidata Dilma Roussef, na disputa eleitoral do ano passado. Por isso, também lança acenos à velha mídia (retardando a apresentação da proposta formulada pelo ex-ministro Franklin Martins, para coibir a ultra-concentração de canais de comunicação) e aos que criticavam a postura independente e altiva do Itamaraty (a diplomacia brasileira adotou postura ultra-discreta, desde o início do governo e Dilma prepara-se para uma reunião estratégica com Barack Obama).

Seria um passo atrás, para em seguida dar dois adiante? Ou o governo teme manter a postura de ampliação do poder das maiorias (o que contraria inevitavelmente as elites), adotada por Lula particularmente em seu segundo governo? Talvez valesse a pena lançar a questão a outro ministro – tão poderoso quanto discreto. Chama-se Antonio Palocci e dirige atualmente a Casa Civil, que coordena toda a articulação política do governo. Entre 2003 e março de 2006, então na Fazenda, conduziu uma política econômica que afastou Lula de suas bases sociais históricas, levou a popularidade do governo a índices negativos (veja abaixo gráfico das pesquisas Ibope) e – junto com o “mensalão” – animou parte das elites a tentar o impeachment. As perguntas-chaves parecem ser duas. Palocci estará tentado a repetir a mesma estratégia? Terá convencido Dilma a segui-la?

MAIS:

A seguir, a entrevista de Guido Mantega à reporter Eleonora de Lucena, da Folha:

ENTREVISTA GUIDO MANTEGA

Primeiras ações de Dilma parecem governo “Lula 3”

MINISTRO DA FAZENDA DIZ QUE CORTE DE GASTOS DÁ CONTINUIDADE À POLÍTICA ECONÔMICA, VÊ INFLAÇÃO SOB CONTROLE E ADMITE QUE ESTADO PRECISA RECUAR

Ministro da Fazenda, Guido Mantega, em seu gabinete, em Brasília

ELEONORA DE LUCENA

ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Cortes, aumento de juros, reajuste contido do salário mínimo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, diz que esses primeiros movimentos do novo governo não significam virada na economia, nem choque ortodoxo.

Para ele, há apenas continuidade: “O governo Dilma não é parecido nem com Lula 1 nem com Lula 2. É parecido com Lula 3”.

Mantega declara, porém, que é hora de um recuo do Estado. Os juros do BNDES vão subir e o ministro espera que as empresas busquem financiamento privado. O titular da Fazenda afirma que não está puxando o freio de mão da economia, mas acrescenta que o Brasil ainda não tem condições de crescer 7,5% ao ano por conta dos gargalos estruturais.

Folha – Quais as diferenças entre as gestões Dilma e Lula?

Guido Mantega – Tem muito mais semelhanças que diferenças, porque é um governo de continuidade. É a mesma estratégia, mas aplicada a um momento diferente.

E o que está diferente? Muitos relacionam o salário mínimo, o aumento de juros e o corte no Orçamento a uma virada para um aperto na economia.

Não tem virada nenhuma. Passamos por dois anos de recuperação da crise. Implantamos estímulos à economia que implicaram gastos, subsídios, desonerações.

Como a economia já adquiriu o seu dinamismo próprio, o Estado pode recuar. Estamos acabando de eliminar estímulos, o que significa diminuir o gasto público.

O BNDES vai subir as taxas de juros, que tinham baixado para estimular a economia. Estamos recuando nisso. O banco continuará tendo papel fundamental, mas não o mesmo que teve na crise. O Tesouro não continuará colocando o mesmo aporte. Criamos mecanismos para que o empresariado possa captar recurso mais barato, diretamente do setor privado.

A presidente tem enfatizado o combate à miséria. A decisão de arrochar o salário mínimo, pois ele praticamente não teve ganho real, contraria esse objetivo?

Não tem arrocho. O que tem é uma regra que foi estabelecida. O salário de R$ 545 é resultado dessa regra, mantendo o poder aquisitivo.

Mas os trabalhadores reivindicavam um reajuste maior. O salário mínimo hoje é metade do que era em 1940.

Acho que é função dos trabalhadores reivindicar. Até a oposição começou a reivindicar algo que nunca deu quando teve a oportunidade de dar. Nós não podemos trabalhar com a despesa ao sabor de pressões.

Os cortes também não vão de encontro a essa política de desenvolvimento? Eles vão atingir os investimentos?

Achamos que a demanda do setor privado é suficiente para manter a economia num ritmo de crescimento satisfatório, em torno de 5%. Estamos tirando o impulso adicional, mantendo os investimentos e o estímulo a investimento privado.

Mas o sr. não disse que vai aumentar as taxas do BNDES?

Mas acabamos de fazer medidas desonerando debêntures do setor privado. O Brasil é hoje um país de 4,5%, 5% de crescimento -7,5% [em 2010] foi um crescimento excepcional que sucedeu um ano com zero. O Brasil ainda não tem condições de crescer a 7,5%, ele terá. Porque você pode ter pontos de estrangulamento. Se continuar crescendo exageradamente, tem falta de mão de obra, de infraestrutura.

A inflação não é um temor nesse quadro?

A política anti-inflacionária desse governo é exatamente igual à do anterior: não vamos descuidar da inflação. Ela é ruim porque prejudica principalmente os trabalhadores e o governo procurou beneficiar fundamentalmente os trabalhadores.

Embora outros setores tenham se beneficiado. Acabaram de sair os dados sobre os lucros dos bancos.

Esse é o sucesso do nosso governo. Conseguimos beneficiar a população como um todo. Mais os pobres e menos os banqueiros. Mas nós beneficiamos pobres e banqueiros. Não é uma beleza?

O início de governo está mais parecido com o Lula 1, que foi de aperto? Isso tudo não é, de alguma forma, uma transferência dos mais pobres para os mais ricos, já que o superavit é para pagar juros?

O governo Dilma não é parecido nem com Lula 1 nem com Lula 2. É parecido com Lula 3. É um governo que tem condições totalmente diferentes do Lula 1, porque naquele momento pegamos o país em condições complicadas. Se quiser um paralelo, é mais parecido com Lula 2, porque já tínhamos resolvido esses problemas.

Mas esse freio de mão que está sendo puxado…

Dilma 1 é parecido com Lula 2 porque não está sendo puxado o freio de mão. Nós estamos trabalhando para um crescimento de 4,5%, 5% neste ano, o que será historicamente ímpar.

A inflação está preocupando?

A inflação é uma preocupação permanente, mas está sob controle. No final do ano, o BC pôs em prática as chamadas medidas prudenciais, que subiram as taxas de juros. A economia já está se ajustando para um ritmo menor, que é o que nós queríamos. Além disso, o BC subiu os juros também.

O Brasil não tem juros absurdamente altos?

Quando é necessário, tem que elevar os juros. Eu sou contra manter juros artificialmente altos. E sou a favor de que subam os juros quando há problema de inflação. Não que esses juros aí tenham ajudado a diminuir. Acho que as medidas prudenciais e o aumento do compulsório, que são na veia, são mais efetivos. Os juros são muito altos no Brasil? É verdade. Só que já foram mais altos.

O objetivo das medidas é sinalizar que o governo é simpático aos mercados, ortodoxo?

Não. Eu como ministro da Fazenda jamais praticarei um receituário ortodoxo. Continuo um desenvolvimentista. Isso não significa que eu não seja responsável do ponto de vista fiscal.

Contas externas. É problema de fundo na economia?

As contas externas têm que ser também uma preocupação permanente. Não vamos permitir uma deteriorização do deficit das transações correntes.

E o que será feito? Com juros subindo, invasão de dólares…

Mas o câmbio está estável. Temos feito estímulos à exportação, colocado taxas no excesso de capitais. Conseguimos controlar. Mas é inevitável que entre investimento, porque o Brasil hoje é um país sólido e muito atraente.

Claro, com essa taxa de juros…

Não é por causa da taxa de juros, é porque o país é rentável. O Brasil é um país onde as empresas têm lucro. Não são só os bancos. Espera para ver o balanço das empresas.

E as remessas de lucros? As montadoras, por exemplo, remeteram dez vezes mais do que investiram, pegando dinheiro do BNDES.

É um setor muito bem-sucedido. O Brasil passou pela crise mantendo uma indústria automobilística sólida. Eles fizeram investimentos.

Mas remeteram muito mais.

Porque as empresas aqui dentro foram lucrativas. Lá fora deram prejuízos e as matrizes pediram para remeter para preencher os buracos. Esse é o preço do sucesso. Ficou um desequilíbrio no balanço de transações correntes. Exportações subiram 30%, importações, 40%.

Mas as exportações foram mais de matéria-prima.

Não importa. É aquilo que no momento deu lucro. Apostamos na recuperação dos manufaturados. A defesa comercial vai ter atenção especial e haverá estímulo à exportação.

Cadeias produtivas não estão começando a ficar esburacadas pela importação?

Algumas importações de fato causam algum estrago. Não podemos ignorar o fato de que vivemos numa economia de concorrência. Estamos apoiando a indústria para que não haja desindustrialização. Perigo existe no mundo todo.

O que vai mudar nos impostos nesse governo?

A filosofia é diminuir impostos dentro do equilíbrio fiscal. Não há intenção de criar nenhum imposto novo.

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3 comentários para "Retrocesso econômico: o ministro que se deve ouvir"

  1. Luiz Alves disse:

    Seria interessante perguntar ao ministro uma seguinte pergunta.
    No lucro da empresas, qual foi a maior procentagens, a receita operacional ou a financeira? 60%? 65%? 70%? Mais, menos?
    Por que se for a receita financeira for numa proporção elevada, significa que parte do lucro foi obtido com títulos do governo, e uma parte dos 17 bilhões de reais arrecadas para pagar os juros da dívida interna, foram para na suas contas das empresas. Dinheiro gerando dinheiro, sem nenhum esforço na produção, um dinheiro parasita, isto é, não serviu para produzir nada, nem uma cabeça de alfinete.
    Quando o ideal seria a receita operacional em proporção elevada, maior de que 60%, produzir trabalho, renda e consumo. Este consumo poderia e dever ser num novo paradigma, onde predomine a economia de baixo consumo de carbono. Tem um imenso potencial para avalancar a economia, o social e o ambiental, todos harmoniosamente, como uma perspectiva presente e futura, numa nova sociedade de consumo em parceria com o Brasil, o resto do mundo e o planeta Terra,
    Vai tarde capitalismo neoliberal! A Terra, com sua biodiversidade agradeçe.

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