Redes sociais: nova arena das corporações de leite industrial

Relatório recém-lançado pela OMS revela: indústria aproveita-se da baixa regulamentação na internet para sugerir, em marketing pesado, que aleitamento materno não basta. No Brasil, apesar disso, há avanços

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A indústria alimentícia está indo além do aceitável para alcançar o público desde o nascimento – e quem diz isso é a Organização Mundial da Saúde (OMS). Embora a entidade recomende aleitamento materno exclusivo até seis meses de idade e que ele prossiga até os dois anos, a publicidade de fórmulas infantis extrapola no marketing e contorna legislações para empurrar seus produtos e passar informações equivocadas às mães e pais. Novos dados foram expostos no relatório Escopo e impacto das estratégias de marketing digital para promover substitutos do leite materno, lançado no final de abril.

O foco do estudo foi as redes sociais, ambiente menos controlado que a televisão, por exemplo. Foram analisados 4 milhões de posts sobre alimentação infantil, publicados entre janeiro e junho de 2021. Os posts, segundo a OMS, alcançaram 1,26 bilhões de pessoas e provocaram interações de 12 milhões. Os pesquisadores perceberam que há uma enorme desproporção no alcance do conteúdo produzido por empresas, que chegam a três vezes mais usuários que as informações sobre amamentação propagadas por atores sem intenção comercial.

Segundo artigo publicado na edição de maio do Caderno CRIS, do Centro de Relações Internacionais em Saúde, da Fiocruz, esse é o segundo relatório lançado pela OMS sobre o tema só em 2022. O primeiro estudo entrevistou mulheres grávidas e profissionais de saúde, que apontou que “as mensagens que eles recebem da indústria são muitas vezes enganosas, cientificamente infundadas e violam o Código Internacional de Comercialização”. À época da publicação, o diretor da entidade, Tedros Adhanom, afirmou: “Este relatório mostra muito claramente que o marketing do leite em pó continua sendo inaceitavelmente difundido, enganoso e agressivo”.

Com esse estudo em oito países com 8500 pais, mães e grávidas, a OMS constatou que o desejo das pessoas de amamentar seus filhos é predominante: varia de 49% no Marrocos a 98% em Bangladesh. No entanto, o marketing da indústria alimentícia acaba propagando mensagens enganosas e fortalecendo mitos de que o leite materno não é suficiente para os bebês, por exemplo. “A amamentação na primeira hora após o nascimento, seguida de amamentação exclusiva por seis meses e amamentação contínua por até dois anos ou mais, oferece uma poderosa linha de defesa contra todas as formas de desnutrição infantil, incluindo emaciação e obesidade”, explica a organização.

Mas há o que comemorar, pelo menos no Brasil. O Estudo Nacional de Amamentação e Nutrição Infantil, encomendado pelo ministério da Saúde e produzido pela UFRJ, UERJ, UFF e Fiocruz, constatou que os números, embora ainda não sejam ideais, estão melhorando bastante nas últimas décadas por aqui. Quase todos os bebês (96,2%) foram amamentados ao menos uma vez, e metade deles é amamentada por mais de 1 ano e 4 meses – a OMS recomenda 2 anos. E aumentou em doze vezes, entre 2019 e 1986, o índice de bebês que se alimentam exclusivamente de leite materno até os quatro meses.

Também por aqui há forte ataque da indústria alimentícia para difundir os leites em pó. Nestlé e outras marcas investem pesado nas fórmulas infantis – inclusive tentando cooptar profissionais da Saúde, contam reportagens de O Joio e o Trigo. Tentam contornar regras de fiscalização e até criam embalagens que propiciam o engano. Apesar de contraindicadas até por guia do ministério da Saúde, são muitas vezes sugeridas desde o hospital=maternidade, logo após o nascimento.

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